Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Nestes
dias em que Durão
Barroso nos anunciou a vinda de uma "pipa de massa"
de 26 mil milhões de euros até 2020, vamos tomando conhecimento, às pinguinhas,
de que a gestão "competente" de Ricardo Salgado e seus pares, no
Grupo GES/BES, fez evaporar muitos milhares de milhões de euros. Qual o volume
desta pipa? Não sabemos e jamais saberemos ao certo, dado que a evaporação se
fez por muitos canais. Mas é provável que o efeito cascata que envolve centenas
de empresas, que afeta a economia e o emprego em múltiplas áreas, coloque o
custo em valor idêntico ao da "oferta" dos mandantes de Barroso.
A
exemplar gestão privada dos Ricardos Salgados deste país (que não são poucos),
seguindo os mais modernos procedimentos dos "mercados" - onde muitas
vezes o roubo é "legal" e quem o faz é apenas suspeito de
"eventuais comportamentos ilícitos" -, afeta a vida coletiva de
milhões de cidadãos, põe em causa os seus direitos, interesses e riqueza,
define o rumo do país e torna-o ingovernável.
Grande
parte das decisões que a "justiça" vai adotar sobre as obrigações que
o GES deverá cumprir será tomada por tribunais luxemburgueses e de outros
países, sem preocupação em salvaguardar os interesses dos portugueses e do
país, que assim fica menos governável.
O
Banco de Portugal, preocupado fundamentalmente com a não ampliação do pânico e
com operações de charme, corre atrás dos estragos e não divulga factos que
possibilitem uma informação responsável dos portugueses. Isto não ajuda a que o
país seja governável.
O BCE,
o FMI, "os mercados", a senhora Merkel com os seus aliados e
capatazes, impondo pactos orçamentais desastrosos e condições que nos colocam
cada vez mais pobres e com maior dívida, marcam um desastroso rumo para
Portugal e não nos permitem uma governação interna que dê futuro ao país.
A
ingovernabilidade do país não resulta da falta de entendimento dos partidos do
"arco da governação". Esse entendimento ou consenso, tão reclamado
pelo presidente da República, seria sempre orientado para a execução das
incumbências do Governo externo (a UE e o FMI) e jamais faria combate aos
poderes internos que nos desgovernam. Com as políticas e mecanismos de
governação da UE, com a manutenção das políticas económicas, sociais e
culturais neoliberais no plano nacional, a situação dos portugueses e do país
só piorará, por mais que aumente a dose da austeridade. Sem aniquilamento desta
máquina destruidora e com estes atores políticos, só teremos ingovernabilidade.
Fracassados
os governos externo e interno, chegaremos, em 2015, a eleições. Imaginemos
um cenário: a coligação do atual Governo interno perde-as; um partido que se
apresentará como alternativa terá de governar com ou sem maioria absoluta, com
ou sem alianças. Esse partido falou pouco dos problemas e soluções concretas e
preparou-se ainda menos para lidar com o Governo externo, refugiando-se em
desejos de mudanças que não são mera questão de vontade. Neste cenário, o novo
Governo interno tomará em mãos a responsabilidade de reduzir a dívida pública a
metade em vinte anos e de o fazer sem dispor de instrumentos de política
monetária, orçamental e industrial, já que os governos anteriores os entregaram
quase todos ao Governo externo. Terá assim de governar como quem pilota um
automóvel com um belo mapa na mão, mas com o motor incapacitado, sem volante,
sem pedais, com parabrisas e janelas meio destruídas, pois os direitos no
trabalho e os direitos sociais fundamentais estão muito fragilizados. Isto é
outro tipo de ingovernabilidade.
É
duro constatar-se, mas é verdade: só haverá governabilidade se o carro tiver
motor em condições, volante, travões, acelerador, proteção dos passageiros - os
portugueses. O condutor tem de ser o Governo português, formado por forças
políticas e personalidades dispostas a recuperar grande parte dos comandos perdidos,
a assumir os valores da democracia, da defesa da soberania e da independência
do país. Se o instrutor tiver de estar no carro, ou se for útil estar, jamais
pode ser ele a conduzi-lo.
Este
novo Governo só existirá com um apoio consciente e determinado do país.
Mobilizar este apoio, sem iludir as questões difíceis e as escolhas arriscadas
- avisar a malta - parece ser o que ao futuro do país faz mais falta.
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