segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Portugal: UM REGIME EM COMA



Tomás Vasques – jornal i, opinião

Desfez-se, aos poucos, o sentimento de que vivemos em democracia. E quando isso acontece todas as alternativas, mesmo as providências, são aceitáveis

Parafraseando George Orwell", todas as eleições são iguais, mas algumas são mais iguais do que outras. Dito de outra maneira: todas as eleições são importantes, mas algumas são mais importantes do que outras. As próximas eleições legislativas, em 2015, a quarenta anos de distância das primeiras eleições depois da queda da ditadura, vão ter uma importância igual às eleições que fundaram o regime democrático. Nas eleições de há quarenta anos, de onde resultou a aprovação da Constituição que o actual governo tanto vilipendia, votaram mais de 90% dos portugueses. Nas próximas eleições, em 2015, quebrados por tantas desilusões, e tantas ofensas, votarão muito menos portugueses, mas isso não retirará aos resultados a importância decisiva para o futuro do nosso regime democrático.

Os partidos do "arco parlamentar" atravessam uma profunda crise de credibilidade aos olhos dos eleitores. Esta leitura, que é óbvia em relação aos partidos da coligação que sustenta ao governo - o PSD e o CDS-PP -, ao maior partido da oposição, o PS, e ao Bloco de Esquerda, que começou a lutar pela sobrevivência, não deixa de atingir igualmente o PCP, apesar de este celebrar em todas as eleições a "derrota da direita". É só lembrar que os comunistas já obtiveram em eleições legislativas o dobro da votação que alcançaram em 2011.

Os eleitores já deram um forte sinal, nas eleições europeias, quer quem votou, quer quem se absteve (ou votou branco ou nulo), da sua relutância em dar mais esmola neste peditório bipartidarista à portuguesa. Nestes anos, aumentou o sentimento de que não vale a pena votar porque não há diferenças, são todos iguais; perdeu-se o sentimento de soberania popular: o voto não serve para nada, eles dizem uma coisa para chegarem ao poleiro, e fazem outra quando lá estão. Desfez-se, aos poucos, o sentimento de que vivemos em democracia. E quando isso acontece todas as alternativas, mesmo as providências, são aceitáveis.

Os dados para as próximas eleições estão lançados. No Pontal, através do seu presidente, Passos Coelho, apresentou-se um PSD (que levará a reboque o fragilizado CDS-PP) ressabiado pela incapacidade de governar no quadro da jurisprudência constitucional vigente; cada vez mais populista, querendo representar "maiorias silenciosas" à moda salazarista dos anos 30 (não há que ter receio de chamar os bois pelos nomes); atiçando ódios sociais, culpando os reformados pelo desemprego dos jovens e apelando à participação dos socialistas nesta tramoia, com o cinismo e a hipocrisia de quem fala, agora, por razões apenas eleitorais, na "separação da política dos negócios". Passos Coelho, na ausência de resultados na economia, com o furacão BES a cair-lhe em cima, cujas consequências ainda não estão todas em cima da mesa, tendo às costas o empobrecimento da maioria dos portugueses, vai encetar, até às legislativas, uma fuga para a frente, radicalizando o discurso político populista e amaldiçoando o tribunal constitucional e, nas entrelinhas, a democracia.

O maior partido da oposição atravessa um período interno doloroso, cujas consequências, independentemente de quem ganhar a liderança, não deixarão de produzir um enorme desgaste. A opção de António José Seguro em prolongar esta dor interna durante meses, até finais de Setembro, pelo menos, poderá desgastar a imagem de António Costa, mas vai arrastando o PS para o pântano da "politiquice" de que os portugueses estão fartos. O resultado final não vai ser animador para os socialistas.

É neste quadro de desgaste dos partidos do "arco parlamentar", sobretudo do PSD e do PS, que pode entrar nas contas, não um novo partido, mas uma pessoa: Marinho e Pinto. É por aqui que, nas próximas eleições legislativas, se pode romper com a "tranquilidade" do bipartidarismo que moldou o regime nas últimas décadas. Se tal acontecer, se um homem só absorver uma parte importante do descontentamento, e com isso alterar a "paz do bloco central", o PCP (e o BE, também) deviam perceber que são tão responsáveis pela situação em que vivemos como os partidos que nos têm governado.

Jurista, escreve à segunda-feira

Sem comentários:

Mais lidas da semana