Se
o papel dos media que temos fosse informar, a situação seria bem diferente.
Porque basta mostrar com verdade um facto para desmontar horas de propaganda.
Aconteceu
num desses canais informativos apenas acessíveis a quem pague um pouco mais que
o mínimo exigido. De um lado e de outro do jornalista que conduzia o programa
estavam uns quatro sujeitos em quem decerto é mais ou menos reconhecida a
condição de «expert» em questões internacionais, e naquele dia a questão
internacional dominante era, pelo menos ali, o Caso Ucraniano, chamemos-lhe
assim. Como seria de esperar, formara-se quase um consenso em torno de aspectos
essenciais ou assim considerados, a saber: a culpa de tudo quanto já acontecera
e viria a acontecer é da Rússia de Vladimir Putin, esse ex-comunista de
duvidosa regeneração, e dos ucranianos russófonos que, decerto por intoxicação
ideológica, optaram por quebrar laços com o governo de Kiev, esse sim,
verdadeiramente democrático e, mais e melhor que isso, decidido a entregar a
Ucrânia aos braços acolhedores da União Europeia e dos seus prometidos milhões.
E estava a conversa a decorrer bem, sem contradições de maior, embora parecesse
notório que um dos participantes se instalara mais numa discreta reserva que
numa intervenção muito activa. Ou talvez, quem sabe? fosse menos convidado a
intervir. Era um sujeito por mim conhecido noutros e diferentes tempos, quando
ele tinha muito mais cabelo e de outra cor, jornalista de rara e aliás
reconhecida competência como observador da vida política internacional. Por
isso, decerto, era então frequentemente convidado a surgir na TV para informar
e esclarecer, para desmentir imposturas e repor verdades, apesar do seu perfil
bicolor, digamos assim: verde nos futebóis e vermelho noutras matérias. De seu
nome José Goulão.
Quando
os factos denunciam
Ora,
sucedeu que a dada altura a conversa derivou para o já semi-esquecido caso do
avião da Malaysia Airlines abatido quando sobrevoava território da Ucrânia e,
mais exactamente, do Leste ucraniano que decidiu separar-se do poder criptonazi
instalado em Kiev. E ,
acerca deste concreto e importante ponto, a opinião instalada naquele estúdio
era praticamente unânime: o avião foi abatido por um míssil russo disparado do
solo pelos pró-russos que, como muito bem se sabe, são gente pouco dada a
respeitar os direitos humanos de quem viaja da Holanda para a Austrália.
Parecia, pois, que todos ali estavam de acordo quanto a essa questão quando o
tal participante de cabelos agora brancos e presumivelmente em queda saltou do
quase mutismo a que parecia condenado para interpor protesto e contradição.
Começou por aquilo a que poderia chamar-se uma pergunta retórica: já ali havia
sido lavrada sentença sobre o caso? Não lhe responderam os outros, talvez
embatucados, e ele prosseguiu o que bem poderá designar-se por depoimento
assente em factos averiguados, sim, mas pouco ou nada conhecidos. Lembrou ele
um dado fundamental mas raramente divulgado: que na fuselagem do avião abatido
foram detectados buracos de balas que nada podem ter a ver com a versão,
hiperdivulgada pelos «media» ocidentais, de um míssil terra-ar. Que tais
buracos e tais balas só podem ter resultado de um ataque cometido por um «caça»
ao serviço de Kiev, pois nem os insurrectos dispõem de força aérea nem sequer
as fontes informativas «livres e democráticas» alegam andarem aviões russos a
passear por ali. Estava destruída, pois, a versão responsabilizadora dos
ucranianos maus e ilibatória dos ucranianos bons, isto é, a peça
propagandística que durante semanas e semanas foi repetida para responsabilizar
os russófonos pela morte de perto de trezentos inocentes e para lhes colar a
etiqueta de violadores de direitos humanos. Tornava-se também entendível o
motivo da relutância dos insurrectos em entregar aos técnicos (qualificação
porventura a pedir aspas) ocidentais os destroços do aparelho abatido: talvez
os tais buracos denunciadores e eloquentes escapassem à argúcia desses rapazes,
talvez até alguns pedaços do avião pudessem perder-se pelo caminho. Se bem me
lembro, o debate pouco tempo sobreviveu após a intervenção de Goulão. Mas o
importante estava feito. E bem.
*Este
artigo foi publicado no “Avante!” nº 2124, 14.08.2014
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