Óscar
Afonso – jornal i, opinião
Creio
que todos reconhecemos que a maioria dos dirigentes partidários, ministros,
deputados e autarcas têm sido do tipo "chico-espertos"
Pensar
na sociedade portuguesa pelo menos no pós-adesão à então CEE, em 1986, é pensar
numa sociedade progressivamente mais injusta, assente na consolidação de uma
elite medíocre que, como modus operandi , impôs a cultura da cunha,
do amiguismo, do clientelismo e do compadrio. Recentemente, o assunto adquiriu
importância com mais um caso - o BESgate. Sendo a elite o modelo para a maioria
da população, desde logo pela visibilidade pública, acabou por influenciar
negativamente o resto da sociedade. É verdade que há portugueses notáveis em
todas as áreas, mas na política, que comanda, acabamos quase sempre a observar
envolvimentos em nome de um "bem maior": o próprio interesse e a
agenda pessoal.
Começando
então pela política e especificando um pouco mais, creio que todos reconhecemos
que a maioria dos dirigentes partidários, ministros, deputados e autarcas têm
sido do tipo "chico-espertos". Qual o que claramente não beneficiou
do cargo? Dirão que num regime democrático, como o nosso, o problema é
resolvido pelo voto. A verdade é que não é. Face à respectiva mediocridade,
quem compõe os partidos políticos criou barreiras à entrada que limitaram a
participação política dos restantes cidadãos. Resultado: os partidos
fecharam-se, evitaram a reflexão política e rechearam-se de "malta"
sem sentimento patriótico, que desvaloriza o trabalho e o conhecimento, que
vive à custa da dependência do Estado e que convive bem com as desigualdades
sociais. Políticos que, entre si, têm distribuído os cargos públicos para pagar
favores e fidelidades, impedindo a renovação e a ascensão da competência.
Políticos que retaliam quando necessário sobre quem não se submete. Políticos
que confundem interesses privados e públicos; quantos deputados estão ligados a
gabinetes de advogados com interesses no Estado ou como representantes de
empresas, por exemplo? Políticos que não representam os cidadãos e por causa
dos quais paira o sentimento de que tudo o que é Estado é desperdício.
Políticos medíocres e incompetentes que se auto-reproduzem, e muito associados
a organizações secretas. Não foi, por isso, nada estranha a humilhação do último
pedido de ajuda externa para evitar a bancarrota, como não são estranhos os
casos de uso ou apropriação ilícita de bens públicos.
Depois
há a elite económica, que se foi confundindo com a política. Naturalmente que a
iniciativa privada tem um papel decisivo no progresso do país. No entanto, numa
economia de mercado, pensar-se-ia que a maioria dos empresários estivesse mais
disposta a correr riscos, apostasse na sustentabilidade das empresas e evitasse
apoios do Estado. Mas não! Todos os anos, numa espécie de capitalismo de
compadrio, uma fatia do Orçamento do Estado tem sido usada para apoiar lamúrias
de empresários ricos e até extravagantes que apenas investem com lucros
garantidos pelo Estado.
Também
a elite artística não pára de reclamar subsídios. Distante da sociedade mas
próxima dos políticos apoiados, só esporadicamente vai de encontro aos desejos
de quem efectivamente a suporta, com impostos.
Finalmente,
as elites profissionais tendem a entender as suas funções numa perspectiva
corporativa, pelo que os seus interesses particulares sempre se sobrepõem. Em
suma, a elite política foi usando o Estado para se proteger e proteger as
outras elites e, quando necessário, usou as outras elites protegidas pelo
Estado.
Neste
cenário, acabou por se desenvolver uma sociedade com mentalidade fatalista,
pouco empreendedora, de baixas qualificações escolares e profissionais, de
remediados que se contentam com migalhas, de pobres que se contentam com
esmolas, e que tolera (e curiosamente até valoriza) os que se apropriam dos
bens colectivos, os que vivem bem à custa de esquemas e os corruptos. Uma
sociedade onde a economia paralela não pára de se desenvolver e que pensa logo
em emigrar, desistindo do país, quando as coisas correm mal.
Felizmente
é também fácil descobrir inúmeros portugueses notáveis em todas as áreas. O
problema é que a maioria ou não cabe em Portugal e vive fora, ou não tem
visibilidade pública e, portanto, é socialmente pouco influente. Acredito que
um dos grandes contributos para a resolução de muitos problemas de Portugal
passa por dar outra visibilidade àqueles que são dignos, de forma a garantir a
persistência de todos, e por estimular novas atitudes, novos comportamentos
sociais, novos compromissos com o bem comum e uma nova justiça social.
Escreve
à sexta-feira
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