sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Portugal: O EXÉRCITO DOS ZOMBIES DESLIGADOS




Pedro Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Tantas são as vezes que nos massacram as meninges com estatística que já nem nos damos conta de que por detrás dessa muleta das ciências sociais há histórias de carne e osso, nossos vizinhos, amigos, família. E não apenas equações cinzentas e vazias, gráficos de barras ou queijos percentuais com que os ministros decoram as aparições públicas. O desemprego. Mas não só. Há largos milhares de portugueses que hoje vivem sem uma ocupação ou um objetivo e que não estão desempregados. Existem. Apenas.

A estatística é o que é. Os governos usam-na como uma mira. E disparam para onde lhes convém. A estatística são factos, mas são tremendas injustiças e alçapões fundos e trágicos. A estatística castiga, porque exibe com crueldade científica, mas também porque tritura gente que mergulha no esquecimento. Há uma nação de portugueses sem emprego nem apoios do Estado, que deambula, como um exército de zombies sociais, sem rede. E sem futuro?

A estatística, ora vejam: em julho, estavam inscritos 729 mil desempregados nas fileiras oficiais. Destes, menos de metade (cerca de 328 mil) recebiam apoios estatais, como subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego inicial, subsídio social de desemprego subsequente e prolongamento do subsídio social de desemprego.

Agora, é fazer as contas: 400 mil pessoas, pelo menos, vivem sem qualquer aparente retaguarda financeira. Sem salário. Sem solidariedade estatal. Assustador. Como é assustador perceber que Portugal é o décimo país do Mundo que regista o maior número de jovens inativos até aos 29 anos. Não trabalham nem estudam. Por isso, chamam-lhes "nem-nem". Podemos (devemos?) chamar-lhes outra coisa? Por exemplo: geração desligada?

Num raide pelo universo de países da OCDE, verificamos que o ensino foi a escapatória para muitos destes jovens sem emprego. Em Portugal, não. A crise económica fê-los ficar, ainda assim, quietos. Ou sem saber para onde se virar. Encurralados. Uns encostados aos pais e aos avós, outros, porventura fartos, mordidos pelo vírus da emigração. São muitos, mesmo muitos. O tema é quente, devia ser quente, sempre, mas não. Tornou-se apenas árido, reincidente, tanto que, não amiúde, damos por nós a exibir um certo enfado perante mais notícias destas. Tristes. Nós, os que temos emprego para poder ter enfado.

Faça a si mesmo a pergunta: o que devem, hoje, dizer os pais aos filhos, se quiserem ser verdadeiramente honestos com eles? Estuda com afinco e depois logo se vê? E o que devem os filhos responder aos pais se, no fim da linha, o que os espera é quase sempre um imenso vazio? Vou estudar para quê?

A Europa sabe-o, Portugal sabe-o. Mas e depois? Só vamos acordar daqui a uns anos. Quando mais uns milhares de entre nós passarem à reserva. Da estatística.

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