Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Tantas
são as vezes que nos massacram as meninges com estatística que já nem nos damos
conta de que por detrás dessa muleta das ciências sociais há histórias de carne
e osso, nossos vizinhos, amigos, família. E não apenas equações cinzentas e
vazias, gráficos de barras ou queijos percentuais com que os ministros decoram
as aparições públicas. O desemprego. Mas não só. Há largos milhares de
portugueses que hoje vivem sem uma ocupação ou um objetivo e que não estão
desempregados. Existem. Apenas.
A
estatística é o que é. Os governos usam-na como uma mira. E disparam para onde
lhes convém. A estatística são factos, mas são tremendas injustiças e alçapões
fundos e trágicos. A estatística castiga, porque exibe com crueldade
científica, mas também porque tritura gente que mergulha no esquecimento. Há
uma nação de portugueses sem emprego nem apoios do Estado, que deambula, como
um exército de zombies sociais, sem rede. E sem futuro?
A
estatística, ora vejam: em julho, estavam inscritos 729 mil desempregados nas fileiras
oficiais. Destes, menos de metade (cerca de 328 mil) recebiam apoios estatais,
como subsídio de desemprego, subsídio social de desemprego inicial, subsídio
social de desemprego subsequente e prolongamento do subsídio social de
desemprego.
Agora,
é fazer as contas: 400 mil pessoas, pelo menos, vivem sem qualquer aparente
retaguarda financeira. Sem salário. Sem solidariedade estatal. Assustador. Como
é assustador perceber que Portugal é o décimo país do Mundo que regista o maior
número de jovens inativos até aos 29 anos. Não trabalham nem estudam. Por isso,
chamam-lhes "nem-nem". Podemos (devemos?) chamar-lhes outra coisa?
Por exemplo: geração desligada?
Num
raide pelo universo de países da OCDE, verificamos que o ensino foi a
escapatória para muitos destes jovens sem emprego. Em Portugal, não. A crise
económica fê-los ficar, ainda assim, quietos. Ou sem saber para onde se virar.
Encurralados. Uns encostados aos pais e aos avós, outros, porventura fartos,
mordidos pelo vírus da emigração. São muitos, mesmo muitos. O tema é quente,
devia ser quente, sempre, mas não. Tornou-se apenas árido, reincidente, tanto
que, não amiúde, damos por nós a exibir um certo enfado perante mais notícias
destas. Tristes. Nós, os que temos emprego para poder ter enfado.
Faça
a si mesmo a pergunta: o que devem, hoje, dizer os pais aos filhos, se quiserem
ser verdadeiramente honestos com eles? Estuda com afinco e depois logo se vê? E
o que devem os filhos responder aos pais se, no fim da linha, o que os espera é
quase sempre um imenso vazio? Vou estudar para quê?
A
Europa sabe-o, Portugal sabe-o. Mas e depois? Só vamos acordar daqui a uns
anos. Quando mais uns milhares de entre nós passarem à reserva. Da estatística.
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