Adelino
Cardoso Cassandra – Téla Nón, opinião
O
país está anestesiado. Completamente anestesiado. Alguém que não conhecesse a
nossa realidade política e social e, aterrasse em S.Tomé e Príncipe, hoje,
atempadamente avisado de que o país estaria por dias de se mergulhar num
processo eleitoral mais complexo da sua história democrática, ficaria
assustadíssimo com a anestesia que se apoderou da comunidade em geral e
sobretudo da nossa classe político-partidária.
Não
se ouve uma ideia, ainda que disparatada, sobre a realidade do país nem sobre
eventuais contributos para a modificação desta mesma realidade. Não se ouve uma
ideia sobre a organização do país, estruturalmente concebida, para assunção no
exercício do poder, por parte de qualquer partido nacional, decorrente dos
resultados eleitorais, que sossegue os cidadãos relativamente ao propósito da
importância do poder estatal como instrumento para a mudança da realidade
existente.
Muito
pelo contrário: os cidadãos já interiorizaram a ideia de que tudo vai ficar
como está, ganhe quem ganhar. É óbvio que estes sinais da classe política só
vêm dar razão aos cidadãos. Mas, como de costume, já conhecemos os nomes de
candidatos ao cargo de primeiro-ministro, de deputados, etc. Ou seja, as
prioridades estão todas invertidas.
Eu
não consigo perceber como é que estas pessoas, algumas delas autodenominadas de
políticos carismáticos de craveira internacional, comparáveis a Mandela, com
direito a biografias e uma plateia ou auditório que os suporta sem dormir para
ouvir banalidades, possam entrar, de forma assustadora, por este caminho de
aventura que conduzirá o país, inevitavelmente ao descalabro.
Fazer
política é, necessariamente, ter aspiração ao poder. E, concomitantemente,
aspirar à qualquer coisa significa criar condições para a modificação daquilo
que existe. Portanto, a mudança é algo central em política e que deveria fazer
parte da linguagem dos partidos políticos sobretudo em momentos como o que
vivemos atualmente.
No
entanto, só se pode mudar algo se tivermos um real diagnóstico da realidade
social, política e económica prevalecente sobre a qual queremos mudar e um
plano ou projeto de intervenção concebido para tal propósito. É exatamente o
contrário, o que fazemos na nossa terra. Os políticos querem chegar ao poder
para, depois, pensarem no que hão-de fazer com tal poder. E, como tal, temos um
país que vai ficando sistematicamente adiado.
Quem
não se lembra da fase do Rei Midas, representada pelo Patrice Trovoada, antes
da sua chegada ao poder, no governo anterior, em que o mesmo se gabava, no
contexto pré-eleitoral, de que era capaz de transformar em ouro em tudo o que
tocava, chegando mesmo a dizer que, “dinheiro era capim”, tendo em conta a
transformação e reforma de que o país, já naquela altura, necessitaria? Qual
foi o resultado desta prenunciação? Nada! Ou quase nada!
Passada
a fase de Rei Midas e depois de ter saído do governo, com alguns processos
judiciais em cima que ainda aguardam explicações e obrigou o Procurador-Geral
da república, num ato tresloucado, a disseminar notificações, um pouco por todo
o país, destinadas a sua comparência na P.G.R, Patrice Trovoada saltou,
rapidamente, qual um transformista profissional, para a fase de Calimero,
fazendo-se de vítima ao serviço do povo.
Esta
transformação tão radical, em pouco tempo, passando de um Rei feliz e poderoso
para um pintainho, simpático, ingénuo e infeliz que passa a vida a vitimizar-se
levou-o a tomar a decisão mais disparatada que alguma vez um político tomou.
Como
líder do maior partido da oposição apresentou, recentemente, uma queixa ao
Tribunal Penal Internacional contra o presidente da república, o
primeiro-ministro, o presidente da Assembleia Nacional, o ministro da defesa e
Segurança Interna e, até, imaginem, contra o comandante geral da polícia
nacional, por eventuais atropelos ao Estado de Direito Democrático praticados
por estas pessoas, em representação do nosso Estado, estendendo tal propósito
aos outros organismos internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos, Gabinete de Democracia e Direitos Humanos do
Departamento dos Estados Unidos da América, Comissão Africana de Direitos
Humanos e dos Povos, Amnistia Internacional, entre outras.
Ou
seja, é a própria soberania do país que foi ameaçada com esta queixa do ADI,
mais especificamente do seu líder, esquecendo ele, que esta mesma soberania
deveria ser entendida como autoridade absoluta sobre todos os elementos deste
mesmo Estado e cada um dos seus membros, individuais e coletivos, sem exceção,
e que é pelo exercício de tal poder que o Estado se legitima.
A
legitimidade do Estado, decorre, assim, da sua própria existência e o mesmo não
é mais do que a própria sociedade organizada politicamente, com os seus
defeitos e virtudes. Aliás, do ponto de vista físico e histórico, o Estado não
cria as suas partes integrantes, designadamente as pessoas, quer do ponto de
vista individual ou comunitário, elas existem antes do Estado e é na sequência
da sua existência que surge o Estado. O pior que poderia acontecer, e é isto
que a queixa do Patrice Trovoada denuncia, é querermos reivindicar, dentro do
mesmo contexto de soberania, um Estado perfeito para cada um de nós, sabendo
que ele representa, por sua própria natureza, uma verdadeira instituição
política.
Se
a moda pega, teremos, a partir de agora, todos os ex-primeiros-ministros a
apresentarem queixas nos órgãos internacionais contra o Estado Santomense.
Seria uma nova forma de fazer política na nossa terra.
E
os cidadãos, de uma forma geral, mais expostos aos diversos problemas, direta
ou indiretamente, relacionados com a deficiente organização e funcionamento
deste mesmo Estado e que são as suas principais vítimas, também vão apresentar
queixas aos diversos órgãos internacionais contra o presidente da república, o
primeiro-ministro, o ministro da defesa e o comandante da polícia?
Isto
encerra dois problemas para Patrice Trovoada que muito dificilmente ele poderá
contorná-los, sem uma explicação fundamentada, se quiser voltar a ser
primeiro-ministro e exercer com respeitabilidade e autoridade tal cargo.
Em
primeiro lugar, se o Patrice Trovoada, político experiente e único no panorama
nacional, segundo as suas próprias palavras, queria, de facto, contribuir para
mudar o modelo de organização do nosso Estado, tornando-o mais respeitável dos
direitos humanos, mais justo ou equitativo, mais humanizado e com um poder
judicial independente e imparcial esperaríamos que ele, como líder político, em
vez de tiradas avulsas e sem efeitos reais, como a apresentação de tais queixas
que só contribuem para nos envergonhar como povo, utilizasse a
importância instrumental do Estado, decorrente de uma eventual vitória no
próximo ato eleitoral, para mudar o estado das coisas neste âmbito.
Onde
é que está o tal projeto radical de mudança, faltando menos de um mês para as
próximas eleições legislativas? Vai apresentá-lo nos últimos dias da campanha
para que não se discuta o seu conteúdo? Que ideias chaves existem neste plano
ou projeto, tendencialmente dirigidas para minorar os nossos defeitos
estruturais, relacionados com a organização deste mesmo Estado, que se
encontram refletidas na queixa apresentada pelo Patrice Trovoada aos referidos
organismos internacionais?
E
isto ainda é tão insólito, que, estando Patrice Trovoada no governo, durante
dois anos, gabando-se nesta altura de ser como o Rei Midas, capaz de
transformar em ouro em tudo o que toca, não tenha notado que o nosso Estado
possuía as tais características que ele mencionara no conteúdo das queixas
apresentadas aos referidos organismos internacionais nem tenha, na altura,
denunciado tais fragilidades existentes no modelo de organização do nosso
Estado ou, ainda, tomado alguma iniciativa para mudar a referida realidade.
O
que é que mudou na configuração do Estado, após a saída de Patrice Trovoada do
governo da república, ao ponto da sua posição em relação ao complexo de órgãos,
dispositivos, instituições e outros mecanismos do Estado existentes para o
ordenamento normativo da nossa comunidade, possa ter alterado
significativamente, ao ponto de o forçar a tomar a atitude que tomou em relação
a este mesmo Estado?
Como
é que ele se predispõe a voltar a integrar um órgão deste mesmo Estado,
decorrente dos resultados das eleições que se avizinham, menosprezando o
conteúdo das queixas que ele mesmo remetera às instituições internacionais e que
estão na base do julgamento extremamente negativo que ele fez deste mesmo
Estado, sem a apresentação atempada e sujeita a uma discussão pública séria de
um verdadeiro plano ou projeto para inverter o rumo das coisas?
Em
segundo lugar, Patrice Trovoada sairia reforçado, politicamente, tendo em conta
o conteúdo da queixa que apresentou aos organismos internacionais contra o
Estado Santomense se, em vez de andar a fazer o papel de Calimero,
vitimizando-se diariamente, tomasse a iniciativa de se dirigir para a
Procuradoria-Geral da República, por sua própria iniciativa e desejo, com o
objetivo de receber informações sobre os conteúdos dos processos judiciais que
sobre ele recaem.
Ele
teria, com esta atitude, legitimidade para criticar os seus pares, que tiveram
procedimento diferente, relativamente ao mesmo assunto, para além de incorporar
um modus faciendi respeitador dos princípios de um verdadeiro Estado
de Direito Democrático que ele, aparentemente, denunciara não existir no país,
no conteúdo das suas queixas apresentadas aos organismos internacionais contra
o Estado Santomense.
Quando
um político, especificamente um líder partidário da oposição, apresenta uma
queixa contra o seu próprio Estado, não poupando o poder Judicial neste
propósito, o mínimo que se esperaria dele é que fosse o exemplo flagrante de
cumprimento dos procedimentos básicos relacionados com a atividade
jurisdicional de que ele é parte integrante.
Não
tendo feito isto a própria queixa apresentada transforma-se num propósito ou
tentativa de judicialização da política, ou instrumento de pressão sobre a
justiça, sem qualquer significado, com efeitos contraproducentes, expondo o
queixoso às contradições entre aquilo que propaga no exercício da política, em
nome de valores e princípios político-partidário que defende e aquilo que,
efetivamente, pratica como cidadão.
Não
é bom que assim seja. Um potencial primeiro-ministro do país deve ser exemplo
para os cidadãos neste e outros domínios. E Patrice Trovoada, querendo-se ou
não, sendo líder do ADI, é, momentaneamente, um potencial primeiro-ministro da
república decorrente dos resultados dos atos eleitorais que se avizinham. Só
compete a ele decidir se quer continuar o seu exercício de transformismo
constante, na política Santomense, e continuar a ser o Rei Midas, Calimero ou
outra coisa qualquer.
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