Continente
precisa desesperadamente de ruptura democrática, capaz de restabelecer direitos
sociais e desfazer mito oligárquico que associa “povo” às baixas paixões
Nuno
Ramos de Almeida – Outras Palavras
Há
uma acusação que circula no combate político europeu: quando alguém quer
desqualificar o adversário, apoda-o de “populista”. Aparentemente, o grande
perigo que as nossas sociedade correm não é estarem em crise; não é a política
ser monopólio dos poderosos; não é a economia estar fora da área de decisão dos
cidadãos; não é a corrupção ser um mecanismo normal de funcionamento do
sistema; não é a destruição do Estado social, que foi conquistado pela luta de
gerações; não é as pessoas serem enviadas para a pobreza sem retorno; não é os
jovens serem obrigados a emigrar e os velhos empurrados para a morte – o que é
verdadeiramente grave para os habituais comentadores é a subida do “populismo”
na Europa.
É
importante esclarecer o seguinte: nós precisamos do populismo como de pão para
a boca. Dito de outra forma, a nossa situação de crise social, política e
econômica deriva da existência de um regime que serve unicamente uma pequena
elite. A crise é o nome de uma máquina de guerra, de alguns, que transformou
uma sociedade injusta numa ainda mais desigual, a pretexto dessa mesma crise.
A
razão por que 99% da população está muito mais pobre e 1% mais rica, e desta
0,01% riquíssima, é que o poder na sociedade está nas mãos dessa ínfima
minoria.
Mais
que medidas pontuais, o que é necessário é reverter este processo: o poder numa
sociedade não pode estar nas mão de uma minoria para satisfazer os interesses
de uma casta política e econômica que vive dos lucros de negócios garantidos
suportados pelos contribuintes. Para isso é necessária uma ruptura populista
que inverta a lógica do poder. Necessitamos de uma democracia que seja exercida
pela maioria da população e sirva os seus interesses, e não de um regime que
tem como única preocupação a salvação dos credores e dos especuladores.
No
seu livro A Razão Populista (2005), o pensador Ernesto Laclau disseca
as premissas elitistas que estão por trás da associação, antidemocrática, que
identifica o “povo” com as baixas paixões que podem ser convocadas pelos demagogos.
Ele defende que a ameaça à democracia contemporânea não está neste sobressalto
plebeu, mas no estreitamento oligárquico da democracia por minorias que escapam
ao controlo popular.
Neste
momento de crise há a possibilidade de convocar uma ruptura populista que não
tenha nada que ver com os populismos xenófobos que identificam o inimigo com o
imigrante do lado ou os elos mais fracos da sociedade, mas que articule
identidades populares para se constituírem em oposição aos verdadeiros e
poderosos inimigos desta democracia: um regime de casta que serve sempre os
mesmos e se disfarça por uma mera alternância eleitoral.
Como
defende Marco d’Eramo no seu artigo “O populismo e a nova oligarquia”, na New
Left Review n.o 82, citado pelo politólogo Iñigo Errejón, a Europa
atravessa um momento significativo em que a ofensiva oligárquica avança com a
sua estratégia de empobrecimento e é preciso reivindicar uma verdadeira
política que dê voz à maioria da sociedade para a construção do bem comum.
Na
foto: Lisboa, 03/2013: centenas de milhares de portugueses saem às ruas, em
dezenas de cidades, contra políticas de favorecimento à oligarquia financeira.
Foram mantidas, como se “povo” fosse um ator político desprezível
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