Tomás
Vasques – jornal i, opinião
O
país esboroa-se. Não há nenhuma "cultura de compromisso" que nos
salve deste plano inclinado por onde deslizamos
O
país esboroa-se. Não é só o manto de empobrecimento que a quase todos cobriu.
É, também, a degradação acelerada da vida democrática, das responsabilidades
políticas, das instituições, dos mecanismos de escrutínio e de fiscalização. O
mote é dado por um governo à deriva. Todos os dias correm notícias deste
dramático esfarelamento ético, político, económico. O que há anos era
considerado um escândalo nacional que fazia cair ministros, é hoje a rotina
governativa, tal o ponto a que se degradou a nossa vida democrática. As
responsabilidades políticas diluem-se até desaparecerem. Os responsáveis
escondem-se uns atrás dos outros, num baile indecoroso. Não há no discurso
político do poder o menor assomo de frontalidade. Nem de clareza. Muito menos
de franqueza. Tudo se resume a um intrincado e obscuro jogo de meias-verdades e
meias-mentiras, onde até os tempos dos verbos são usados para enganar e para
sacudir a água do capote.
A
ministra da Justiça que, desde 1 de Setembro, lançou o caos nos Tribunais, ao
estoirar com o sistema informático, quase a meio de Outubro, com ar de triunfo,
anuncia que "já temos 14 comarcas a funcionar e amanhã teremos mais
duas". De seguida, reduziu o descalabro à "muita desinformação"
por se estar "em ano de eleições", sem demonstrar a menor consciência
da sua irresponsabilidade. Por sua vez, o ministro da Educação, completamente
desorientado, depois de várias tentativas frustradas, acha normal que, um mês
depois de ter começado o ano lectivo, um professor seja colocado em 75 escolas
(e muitos outros em 3, 5 ou 10 escolas). E que, em consequência, se fique a
aguardar uma ou mais novas levas de colocações de professores.
Nuno
Crato e Paula Teixeira da Cruz, que levaram até ao limite o exercício da
incompetência técnica e da desfaçatez política, escondem-se atrás do primeiro-ministro
que, orgulhoso, confere aval às suas desastradas actuações; o primeiro-ministro
e a ministra das Finanças escondem-se atrás do governador do Banco de Portugal,
a quem atribuem as decisões, e as respectivas consequências, sobre o desaparecimento
do BES. Tudo se passa por detrás de uma espessa cortina de nevoeiro. Vai-se
sabendo, como resultado de alguma investigação jornalística, que o Banco de
Portugal soube da dimensão da exposição do BES ao Grupo Espírito Santo muitos
meses antes de actuar, permitindo que o descalabro se ampliasse. Como se soube
que foi permitida, durante dois dias, a venda de acções do BES quando já tinha
sido tomada a decisão de mandar o banco para o lixo, facilitando a vida a quem
tivesse acesso privilegiado a essa informação. O exercício do poder
transformou-se na arte de enganar os cidadãos.
O
resultado está à vista e até o senhor Presidente da República, que tem levado
este governo aos ombros, se alarma, alertando para a possibilidade de
"implosão do sistema partidário português". Não é para menos. O que
chegou a ser o maior Banco privado português desapareceu num fim-de-semana de
Agosto, tragado por uma "engenharia" inédita, à custa de dinheiro que
os contribuintes vão amargar. Atrás seguiu a PT, a empresa portuguesa de
excelência. Chegou a valer doze mil milhões de euros, vale agora milhão e meio
e está à venda a retalho, com todas as consequências para o futuro dos milhares
de trabalhadores e para a nossa economia.
O
mito da boa gestão privada caiu com o BES, o GES e a PT. Os exemplos dados pelo
governo, nomeadamente pelos ministros da Justiça e da Educação, incentivam à
irresponsabilidade na gestão das empresas públicas. O país esboroa-se. Não há
nenhuma "cultura de compromisso" que nos salve deste plano inclinado
por onde deslizamos. O país precisa, urgentemente, de um governo com uma
cultura democrática e com uma política que olhe para cada português como um
cidadão e não como um mero número de contribuinte. Esta é a fasquia mínima para
regressarmos à normalidade democrática e a uma existência decente. Senão, o
sistema implode. Ai implode, implode!
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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