quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Portugal – BES: CONSELHO SUPERIOR, ONDE TUDO ERA DISCUTIDO SOB SIGILO



Sílvia Caneco – jornal i

Salgado descreveu-o como o órgão onde tudo era “discutido até à exaustão”. Era ali que era discutido o futuro do grupo por representantes dos cinco ramos da família: em 2012 passou a ter nove elementos, mas só cinco continuaram a ter poder de voto

A decisão foi tomada depois de o Estado sair do capital do banco e de Ricardo Salgado se ter tornado, aos 47 anos, o mais jovem membro da família a assumir o cargo de presidente executivo do BES. Os Espírito Santo queriam promover o diálogo e que todas as decisões importantes relacionadas com o grupo fossem tomadas por consenso e sob um manto de confidencialidade. Foi com esses objectivos que, em 1991, criaram o Conselho Superior do GES e, em Junho de 1993, o regulamentaram.

“O Conselho Superior tem por missão zelar, de forma permanente, pela preservação e realização dos interesses do Grupo Espírito Santo e das actividades das sociedades que o compõem”, diz o regulamento do Conselho Superior assinado em Maio de 2011, e a que o i teve acesso. O decano do clã, António Ricciardi, apresentou-o assim: “O órgão com a missão de colegialmente decidir superiormente em relação a qualquer actividade do grupo.” Salgado elogiou a capacidade de diálogo que o órgão promovia: “O grupo discute até à exaustão e só quando todos estão de acordo a decisão é tomada.”

No órgão de cúpula da família estavam representados cinco clãs. Todos eles com o mesmo poder de voto e todos eles accionistas da Espírito Santo Control, a sociedade-mãe do conjunto de empresas que formam o Grupo Espírito Santo. Mário Mosqueira do Amaral era o único que não pertencia à família, mas era tratado como se pertencesse. António Ricciardi, pai de José Maria Ricciardi, presidia ao Conselho. Além dele e de Mosqueira do Amaral, o grupo era constituído por Ricardo Salgado, José Manuel Espírito Santo Silva e Manuel Fernando Espírito Santo, representante de Maria do Carmo Moniz Galvão Espírito Santo. A estrutura viria a crescer em 2012, quando os cinco ramos da família decidiram abrir o órgão a novos elementos. Cada um podia designar até dois representantes.

Só Ricardo Salgado não apresentou um número dois. António Ricciardi nomeou o filho, José Maria Ricciardi, presidente do Banco Espírito Santo Investimento. José Manuel Espírito Santo nomeou o sobrinho Ricardo Abecassis Espírito Santo, que vive no Brasil. Manuel Fernando Espírito Santo designou o irmão José Manuel. E Mário Mosqueira do Amaral escolheu o filho Pedro, que viria a substituí-lo após a sua morte, em Março de 2014. Só uma coisa não mudou na génese do Conselho Superior: os novos membros tinham direito a participar nas reuniões e a discutir soluções, mas não podiam votar. Na prática, o poder mantinha-se nas mesmas cinco mãos.

Regras O regulamento do Conselho Superior deixa claro que não faltavam regras na organização da lógica familiar. Os ramos da família que estavam no Conselho Superior e que tinham o poder de decidir, por exemplo, sobre a aquisição ou alienação das participações sociais das sociedades que compunham o grupo, estavam vinculados “ao estrito dever de sigilo e confidencialidade” sobre assuntos discutidos naquelas reuniões, a menos que por unanimidade decidissem partilhar com terceiros algumas decisões. A regra da confidencialidade aplicava-se também ao contrato que tinham assinado: ninguém, além dos mesmos, poderia conhecê-lo. Se decidissem vender parte ou a totalidade das suas acções na ES Control, tinham de informar o Conselho por escrito sobre quem ia comprar, quantas acções seriam transmitidas, em que condições e por que preço. Para impedir que o controlo saísse das mãos da família, os outros membros tinham direito de opção em caso de venda. O importante era que não se violasse a cláusula 1: os membros do Conselho Superior obrigavam-se a que a sua participação conjunta na ES Control nunca fosse inferior a 51%.

As regras também ditavam que os ramos da família representados no Conselho Superior deveriam reunir-se ordinariamente uma vez por mês e, extraordinariamente, sempre que o presidente ou dois dos seus membros o convocassem, com pelo menos uma semana de antecedência. Dadas as emergências, nos últimos tempos do antigo Conselho Superior, entre o final de 2013 e o Verão de 2014, houve reuniões separadas por dias.

Mas nem só de regras se compunha o regulamento da cúpula. As empresas do GES onde os membros do Conselho Superior exercessem funções, por exemplo, deveriam ter planos de reforma que passassem por dar aos seus trabalhadores pensões iguais aos seus salários brutos. Em caso de morte, o cônjuge e os filhos menores teriam direito a uma pensão de sobrevivência equivalente a 60% do salário pensionável. No caso dos filhos, até que atingissem a maioridade.

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