domingo, 16 de novembro de 2014

Glória Alves: “SISTEMA JUDICIAL TIMORENSE CORRE PERIGO DE VIDA” - entrevista




Em entrevista ao esquerda.net, a magistrada Glória Alves sublinha que foram os casos de corrupção no governo de Xanana que levaram à expulsão dos juízes e magistrados de Timor. E antevê que o próximo passo do poder político timorense seja tentar destruir o sistema de justiça vigente e fomentar os tribunais tradicionais.

Escolhida pela ONU no concurso internacional para dar formação aos magistrados timorenses e intervir em processos, Glória Alves é a magistrada portuguesa que Xanana acusou, em entrevista televisiva recente, de “andar aqui a desestabilizar o Governo”. Nos dois anos de trabalho em Timor, passaram pelas suas mãos vários casos de corrupção de ministros, altos funcionários e até do presidente do Parlamento, e todos resultaram em acusações. Tal como outros juízes e magistrados internacionais, foi expulsa este mês por ordem do governo de Díli, mas acredita que os juízes e magistrados timorenses estão hoje aptos para julgar os governantes, desde que não haja interferência do poder político.

Tem associado a sua expulsão de Timor aos processos que liderou, envolvendo figuras do Governo em casos de corrupção. Que processos eram esses e o que é que lhes aconteceu?

Houve casos já julgados e com condenações, quer de membros do Governo quer de altos funcionários. A entrar em julgamento tínhamos o caso mais mediático da ministra das Finanças Emília Pires [com julgamento entretanto adiado, devido à expulsão do juíz titular] e o do presidente do Parlamento nacional [Vicente Guterres] estava a entrar em julgamento. Havia também o caso da ex-ministra da Justiça Lúcia Lobato, que foi indultada há pouco tempo. E vários casos envolvendo altos funcionários, polícias, entre outros.

Acha aceitável para um país soberano ter juízes e procuradores estrangeiros a acusarem e condenarem governantes eleitos desse país?

Isso tem a ver com a cooperação: nós fomos todos para lá no âmbito de um programa das Nações Unidas de apoio a Timor Leste. Esse programa teve como objetivos formar juízes timorenses e colmatar as deficiências de quadros que ainda existiam. Ambos os objetivos correram paralelamente. Neste momento, o número de juízes e procuradores timorenses é ainda limitado, são cerca de vinte juízes e outros tantos procuradores. Isto é insuficiente para as necessidades de Timor. É por isso que ainda se mantinham juízes e procuradores internacionais titulares de processos.

Mas esta era uma situação que tendia a acabar com a entrada de novos quadros timorenses: neste momento iriam entrar doze magistrados do Ministério Público e doze juízes. Com esta entrada, os quadros timorenses estariam completos e poderiam prescindir dos internacionais, ficando estes apenas como assessores e a capacitar os juízes. em resumo, esta foi uma necessidade efetiva dos quadros timorenses, devido à insuficiência de quadros para o volume de trabalho que já tinham. E isso estava dentro da missão do Programa das Nações Unidas.

Só há uma situação em que é impossível julgar sem juízes internacionais: os julgamentos em processos relativos à época da crise e das milícias. Por imposição da UNTAET, estes processos têm de ser julgados por dois internacionais e um nacional. E ainda há processos desses. A retirada dos juízes internacionais vai impedir que estes processos sejam julgados.

Quando foi para Timor alguma vez pressentiu a tensão que poderia trazer esta situação de haver juízes estrangeiros a julgar políticos nacionais?

Isso nunca me passou pela cabeça, porque nós integrávamos os quadros timorenses, éramos internacionais mas estávamos integrados no sistema de justiça timorense. Havia um pedido de Timor para que estivessem lá quadros internacionais e esse pedido foi mantido até hoje. Aliás, quando saí de lá, o meu procurador já me tinha pedido para renovar o contrato por mais um ano. E sucedeu o mesmo com os juízes e os meus colegas caboverdeanos.

Um dos argumentos de Xanana Gusmão para afastar os funcionários internacionais é a incompetência ou parcialidade nos processos relativos ao petróleo, sempre a favor das petrolíferas estrangeiras. Isso aconteceu mesmo?
 
Não. É óbvio que a razão da nossa saída, tanto na primeira resolução, que abarcou cinquenta e tal pessoas, como na última, que foi a expulsão daqueles que eles efetivamente queriam correr, não teve a nada a ver com o petróleo. Nenhum dos juízes portugueses expulsos tiveram os casos de petróleos. Eu nunca tive processos de petróleo. É evidente que não foi por essa razão que foram expulsos. A razão é clara: foi por causa dos processos crime contra governantes e altos quadros da administração pública.

Os juízes timorenses que vos defenderam podem vir a sofrer represálias por parte do Governo?

Parece que sim, pelo menos é isso que eles acham. É evidente que afrontar Xanana é perigoso. Xanana tem muito poder e não permite que o ponham em causa. Ele teve muito trabalho para executar este plano de pôr os internacionais na rua. Os juízes opuseram-se claramente, o juíz do Supremo Tribunal timorense continua a dizer que não vai cumprir a resolução, pôs-se numa posição delicada. Se correm mesmo perigo de vida, eu não sei. Agora sei que o sistema judicial corre perigo de vida.

Penso que vai haver uma grande azáfama em destruir o sistema e em demitir o dr. Guilhermino da Silva [o presidente do Supremo Tribunal] que deu a cara. O Governo vai fazer tudo para o demitir e para destruir o sistema judicial implantado, o chamado sistema continental, em que a legislação é muito parecida com a nossa. E também vai haver uma tendência - que já foi aflorada na primeira resolução - para fomentar novamente o poder dos tribunais tradicionais. São tribunais onde um abuso sexual de menores é resolvido com um porco ou com um galo, onde as violações são resolvidas entre as famílias, e as vítimas não têm qualquer importância.

Com a partida dos funcionários internacionais, continua a confiar na justiça timorense?

Eu tenho imensa confiança nos meus colegas do Ministério Público e nos juízes. Creio que a instituição tribunal está consolidada e que a Procuradoria também, e a prova disso foi a resposta que tiveram. Se não houver uma interferência do poder político nos tribunais e na Procuradoria, eles estão aptos a levar por diante os processos, a julgar a Emília Pires ou o presidente do Parlamento. Se o poder político intervir, isso será outra questão. Mas eles enquanto instituição estão aptos para os julgar, mesmo com os internacionais fora de Timor.

Na foto: Glória Alves


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1 comentário:

Anónimo disse...

A procuradora Gloria Alves continua a insister que nao tiveram nada com os processos dad petroliferas.

No entanto uma pesquisa rapida na internet revela noticias mais antigas como esta:

Http://mj.gov.tl/?q=node/281

Que por acaso ate esta escrita em Tetum mas se olharem para o ultimo paragrafo podem ler os quem eram os juizes e quem mais la estva como "apoio".

Surpresa surpresa o nome Gloria Alves consta na lista e nao precisa de traducao para portugues se perceber quem a pessoa .

O que? P3nsei que estava a ter alucinacoes mas nao. Esta mesmo la escrito como intervenientes do primeiro processo de imposto petrolifero uma Gloaria Alves.

E est la heim!!

Outra curiosidsde, vejam so a foto do coletivo, qual juiz tem a maior poltrona, qual juiz esta a dar as instrucoes e quais juiz3s parecem estar um tanto incertos. Essa foto quem retrata a leitura da decisao que se sabe foi escrita pelo juiz portugues Paulo Teixeira, mas obviamente lido por um juiz timorense para dar ares de que sao os timorens3s a fazer as decisoes.
Em 1999 era o mesmo, os milicias eram timorenses mas os patroes eram os indonesios. A historia repete-se.

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