Jornal
de Angola, opinião, em A
Palavra ao Diretor
O
Ministério Público em Portugal alimentou na comunicação social portuguesa
autênticos julgamentos populares a titulares de órgãos de soberania angolanos.
Na
altura reagimos indignados a manchetes mentirosas, notícias fabricadas e à mais
abjecta manipulação da opinião pública portuguesa. As elites portuguesas
corruptas e ignorantes acusaram-nos de pôr em causa as relações entre os
dois países. Como se a indignação fosse crime e as grosseiras violações do
segredo de justiça fossem virtudes.
O Vice-Presidente da República, vários ministros, oficiais generais e até o Procurador-Geral da República foram vítimas de fugas de informação cirúrgicas, da exclusiva responsabilidade de Joana Marques Vidal e magistrados do Ministério Público, empenhados em fazer um ajuste de contas com a descolonização e as conquistas do 25 de Abril. Não nos calámos. Denunciámos sem ambiguidades os graves crimes que agentes da Justiça Portuguesa estavam a cometer contra altas figuras do Estado Angolano, tratados pelos Media de Pinto Balsemão e sobretudo pelo canal público de televisão, como se fossem uns pilha-galinhas. Tal falta de respeito teve a resposta merecida.
Hoje repetem-se os julgamentos populares, através de fugas de informação que só podem vir dos investigadores e seguramente do Ministério Público. O juiz conselheiro Pinto Monteiro não teve dúvidas em afirmar que as violações ao segredo de justiça nos últimos processos que abalaram Portugal, “só podem vir da investigação”. Um magistrado probo e honesto, de uma competência inquestionável e democrata com provas dadas, quando faz esta afirmação sabe o que diz e faz. E sabe sobretudo que está em causa a credibilidade da Justiça, quando se serve de empregados de órgãos de informação, sem ofício nem oficina, para transformar processos judiciais em processos políticos e julgamentos na praça pública.
Altos funcionários do Estado Português foram detidos e levados à presença de um juiz de investigação criminal (é sempre o mesmo!) para interrogatório. A matilha que tomou de assalto a comunicação social portuguesa logo os acusou, julgou e condenou. A presunção de inocência, pilar fundamental do Estado de Direito, foi simplesmente atirada para o lixo das páginas dos jornais “da corda” e das televisões atoladas no sensacionalismo barato.
O antigo Primeiro-Ministro José Sócrates foi preso com grande alarido da canzoada e levado à presença de um juiz (sempre o mesmo!) para interrogatório. É todos os dias acusado, julgado e condenado. Todos sabem tudo do processo. Menos ele, que ainda não foi acusado de nada!
Nas páginas do Jornal de Angola nunca ninguém será acusado, julgado e condenado, seja angolano ou estrangeiro. Mas muitos dos que nos acusaram de atentar contra as boas relações entre Angola e Portugal, hoje defendem exactamente as mesmas posições que nós. Quando está em causa um cidadão angolano, não há presunção de inocência. Políticos de topo dos partidos do “Arco da Governação” insultam os nossos políticos, os nossos empresários e os titulares dos nossos órgãos de soberania. Acusam-nos sem provas e condenam-nos à fogueira da santa inquisição a que pertencem. Nós partilhamos a indignação de familiares, amigos e camaradas de detidos em Portugal que são automaticamente acusados, julgados e condenados pelos escriturários que fazem de conta que são jornalistas. Ou pelos inúmeros “juristas” e comentadores que se entretêm a destruir a honra e o bom-nome de cidadãos que até prova em contrário são tanto ou mais honestos do que aqueles que os mandaram prender. Ouvimos Mário Soares reagir como um leão, à prisão “injusta e injustificada” de José Sócrates. Que ninguém se atreva a condenar o seu estilo, o seu discurso e a sua indignação. Nem todos são capazes de fingir. O tempo, o verdadeiro super juiz que até vai mostrar a nudez dos tablóides e dos canais de televisão rendidos à intriga e à coscuvilhice, vai absolver ou condenar a sua intervenção à porta da cadeia de Évora.
Em Portugal a Justiça é feita na rua. Mas altas figuras do Estado dizem que as
instituições estão fortes e a funcionar bem. O desemprego atingiu proporções
alarmantes e milhões de desempregados perderam o direito a qualquer protecção
social. Isto revela o regular funcionamento das instituições. O ministro da
Administração Interna demite-se porque ficou sem condições para governar. Está
tudo a funcionar muito bem. A Procuradoria-Geral da República emite um
comunicado onde revela que foram detidos quatro cidadãos sob suspeita mas
apenas revela o nome de José Sócrates. O Ministério Público alimenta toda
a sorte de pasquins em julgamentos populares: é o regular funcionamento das
instituições no seu melhor.
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