Luís
Rosa – jornal i, editorial
A
julgar pelos depoimentos de Ricardo Salgado e de Morais Pires, a recepcionista
da sede deverá ter mais responsabilidade na gestão do banco do que o
ex-presidente e o técnico bancário de nível 8
A
propósito da manchete do i “Ricardo Salgado esqueceu-se de declarar 8,5 milhões
de euros” ao fisco, Ricardo Araújo Pereira criou um personagem chamado Ricardo
Ribeiro que padecia do mesmo problema de amnésia fiscal de Salgado. Ribeiro
tinha tropeçado em 8,5 milhões de euros esquecidos em casa e teve de ir às Finanças.
“É daquelas coisas parvas, uma pessoa chega a casa ao fim do dia com os 8,5
milhões, pousa em cima de uma mesa mas aquilo, sem querer, cai para o chão,
rola para debaixo do sofá e nunca mais me lembrei deles. Estavam ao lado de uma
caneta bic, mas isso ninguém liga. É extremamente desagradável. Só quem não
passa por isto é que não sabe. E o contrário também. Topar com 8,5 milhões de
euros não é a maravilha que as pessoas pensam”, rematava Ribeiro.
Gerir
um banco também não é uma maravilha, pensaria Ricardo Ribeiro se tivesse ouvido
esta semana Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e José Maria Ricciardi no
parlamento. “É daquelas coisas parvas”.
Em primeiro lugar, ninguém manda. O presidente executivo durante 22 anos não sabe de nada, mas garante que o banco estava bem até quererem destrui-lo – não o próprio Salgado, mas sim outras pessoas, os maus. Onúmero 2 do BES (é verdade, um chief financial officer costuma ser o braço-direito do presidente quando não existe um vice-presidente) é um “técnico bancário de nível
Ouvidos
os depoimentos, Ricardo Ribeiro teria de concluir forçosamente que os dois
banqueiros Salgado e Ricciardi e o “técnico bancário de nível 8” Pires não eram, obviamente,
responsáveis por nada – muito menos pelo buraco de 3577 milhões de euros do BES
no final do 1.º semestre deste ano. Nem vale a pena falar, obviamente, da
derrocada do Grupo Espírito Santo. Bem vistas as coisas, é muito mais provável
que a recepcionista e as empregadas de limpeza da sede do banco na Avenida da
Liberdade sejam as responsáveis pela falência do banco do que os
administradores do mesmo – cenário, refira--se, que não está totalmente
afastado pelas autoridades...
Sarcasmos
à parte, o direito à defesa não pode ser transformado num insulto à
inteligência dos deputados e dos portugueses. Mas foi isso que Ricardo Salgado
e Morais Pires fizeram. Ninguém acredita nas razões de Ricardo Salgado para
culpar tudo e todos – como ninguém acredita que Pires nem a contabilidade do
banco controlasse. A credibilidade dos dois ficou esta semana seriamente
afectada. Pelo contrário, os deputados da comissão parlamentar de inquérito do
BES recuperaram um pouco a credibilidade do parlamento.
Leia
mais em jornal i
Sem comentários:
Enviar um comentário