segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Portugal: DA PRISÃO DE SÓCRATES



Tiago Mota Saraiva – jornal i, opinião

A análise política da prisão de Sócrates tem-se afastado pouco de três linhas de argumentação: que a prisão do ex-primeiro ministro demonstra a seriedade do sistema, que o regime está em ruptura ou que é uma cabala contra um cidadão honesto lançando-se a suspeição sobre o processo. As duas primeiras linhas de argumentação, ainda que opostas, são de difícil sustentação. A enumeração de todos os casos que envolvem poderosos e que ficaram por investigar ou por julgar ao longo dos últimos dez anos não caberia nestas linhas. Num país com um sistema de justiça saudável ou com o regime em ruptura, a publicação de um livro como “Os Facilitadores”, de Gustavo Sampaio – no qual se explicam com factos, dados e nomes, as formas de actuação dos poderosos em negócios ruinosos para o Estado – motivaria inúmeros processos-crime e convulsões.

A terceira tese, que recupera a ideia da campanha negra, desenvolve-se a partir da superioridade moral de quem declara não estar a pronunciar-se sobre o caso em concreto acabando, quase sempre, por julgar a acção dos juízes e declarar toda a fé na inocência do ex-primeiro-ministro. Alias, à pouca esquerda que consegue entrar nos debates televisivos, esta é a única tese permitida. Ninguém constata que o cidadão José Sócrates recebeu visitas nas primeiras doze horas de prisão, que não será maltratado como o puto do bairro pobre apanhado a roubar e terá as condições financeiras para se defender que o povo, que condenou à miséria, não tem. O sistema não se renova ou recicla com os mesmos actores ainda que procure anunciar práticas diferentes. A prisão de Sócrates é um ajuste de regime que estará em recauchutagem até às eleições. Não festejo as prisões mas festejarei o dia em que Sócrates, Passos, Portas ou Cavaco saiam derrotados.

Escreve ao sábado  

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