Roger
Godwin – Jornal de Angola, opinião
O
terrorismo no nordeste da Nigéria entrou numa nova fase com a entrada em cena
de “crianças-bombas”, sobretudo meninas, que são usadas para desencadear
sangrentas acções contra as populações indefesas.
Há
escassos dias, uma jovem de apenas dez anos fez explodir um cinturão de
explosivos, que transportava amarrado ao corpo, no interior de um mercado na
cidade de Maiduguri, no Estado de Borno, havendo a registar a morte de 19
pessoas e de várias dezenas de feridos. A cidade de Maiduguri está ocupada pelo
grupo Boko Haram desde há um ano não sendo por isso explicável o grupo atentar
contra pessoas que já estão sob sua administração. Podemos estar perante acções
de outras forças.
O Estado de Borno é aquele onde se concentra o maior número de rebeldes, embora existam notícias dispersas a darem conta de uma tentativa do governo nigeriano em fazer avançar as suas tropas de modo a que as eleições de Fevereiro lá possam também ocorrer. A nível do Ocidente esta nova acção, agora com a utilização de “crianças bomba”, passou completamente despercebida, ofuscada pelo que aconteceu
Se, como dizem as autoridades francesas, a luta contra o terrorismo tem que ser conduzida de “forma global”, fica difícil entender as razões pelas quais um atentado em Paris tem que ofuscar a importância de um que ocorreu no nordeste da Nigéria e no qual, por mera fatalidade do destino, provocou um maior número de mortos do que o outro.
Enquanto houver uma forma selectiva de entender a “necessidade global” de combater o terrorismo, fica difícil ao Ocidente posicionar-se de forma efectiva como parceiro positivo e credível, perante outras regiões mundiais, na luta contra o terrorismo.
Até agora, no que respeita à Nigéria, o Ocidente apenas se tem mostrado preocupado quando sente ameaçados os seus interesses económicos, sobretudo os relacionados com o petróleo. Mas, essa preocupação logo desaparece quando o assunto apenas envolve interesses económicos ou políticos internos, numa manifesta prova de hipocrisia que, infelizmente, tarda em ser devidamente entendida pelos países africanos com quem se tentam relacionar. Até já existem observadores que imputam os atentados terroristas a entidades que querem enfraquecer o poder na Nigéria, para poderem tirar daí dividendos de muitos milhões. Por exemplo, o roubo do petróleo.
Mas, os problemas da Nigéria não se esgotam com a hipocrisia do Ocidente em lidar com o fenómeno do terrorismo que, aliás, se encarregou de ajudar a fomentar através da aplicação de políticas de discriminação social, que estão na origem da criação de um sentimento de revolta que, muitos, erradamente, expressam recorrendo ao uso da força armada.
O Níger, que até agora parecia estar de mãos dadas com a Nigéria na luta contra o Boko Haram, decidiu agora abandonar essa luta e retirar-se das forças multinacionais africanas que estavam no terreno, sobretudo na na cidade de Baga, onde tinham instalada a sua principal base militar. Sem qualquer aviso prévio, o governo do Níger anunciou que se distanciava dos esforços conjuntos que estava a partilhar com a Nigéria e o Chade, para manter segura a região que envolve a fronteira entre estes três países e que é conhecida como “Largo Chade”.
Já quando há duas semanas o Boko Haram avançou sobre Baga e ocupou a cidade e a base militar das forças multinacionais ali estacionadas, verificou-se que as tropas nigerinas já não estavam no terreno. Neste momento, aquilo que acontece é que se esperava por uma tentativa de reocupação da cidade por parte dessas forças multinacionais, mas se isso vier a acontecer já não será com a participação de militares do Níger, que receberam ordens de regressar ao seu país e de não se envolverem num assunto que o seu governo diz não lhe dizer respeito.
Trata-se de um duro revês para as forças armadas da Nigéria que contavam com o conhecimento que os nigerinos têm da região do Lago Chade para continuar a ter essa região como segura cortando, assim, as linhas de reabastecimento logístico e militar para os rebeldes. Por si só, o Chade tem uma capacidade reduzida de influência na ajuda às forças armadas da Nigéria para controlar a fronteira entre os dos países, ficando sem se saber o que se passa na linha que delimita a confluência do Lago Chade com o Níger.
Com o rápido aproximar das eleições, previstas para Fevereiro, aumentam os problemas da Nigéria em possibilitar a realização do pleito em toda a extensão territorial, uma vez que a cada dia que passa mais lhe escapa o controlo da região norte e nordeste do país, o que abre caminho para que as forças da oposição comecem a encarar a possibilidade de uma concertação no sentido de as inviabilizar ou considerar irregulares.
Acontecesse isto no Ocidente e de certeza tínhamos, numa montra de vaidades, uma oportunista passagem de modelos políticos em macabras manifestações de solidariedade pelas vítimas que os seus próprios regimes funestamente ajudaram a criar. Mas como a Nigéria é apenas mais um país africano, continuamos a assistir a um cúmplice silêncio, sublinhado com um evergonhado encolher de ombros por parte de quem não se cansa de proclamar os valores de uma democracia que medem consoante os seus próprios interesses.
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