João
Galamba – Expresso, opinião
Parece
haver um relativo consenso de que a deflação pode constituir um enorme risco
para a economia europeia, em particular para as economias mais endividadas,
como a portuguesa. Infelizmente, parece que o consenso oficial é o de que,
existindo um problema, ele é de natureza estritamente monetária e que,
portanto, caberia ao BCE resolvê-lo. A possibilidade da deflação ser causada
pela austeridade, pelo desemprego e pela compressão salarial nem sequer é
admitida.
Os
defensores das actuais políticas europeias de austeridade e competitividade
salarial (compressão salarial) têm duas alternativas: ou desvalorizam os dados
recentes sobre a evolução dos preços e negam que existam riscos ou,
reconhecendo esses riscos, seguem Milton Friedman, dizem que a inflação é sempre
um fenómeno monetário.
É
isso que explica que, estando os juros praticamente a zero, e tendo o BCE
recorrido a um enorme arsenal de políticas monetárias não-convencionais, se
continue a pedir que o BCE faça não se sabe bem o quê para aumentar a inflação.
Se
as actuais políticas económicas e orçamentais se mantiverem, não há intrumento
nem política que o BCE possa pôr em prática que inverta ou anule os efeitos que
o desemprego, a compressão salarial e a austeridade têm nos preços. O BCE pode
dar dinheiro barato e ilimitado aos bancos para estes emprestarem, mas há uma
coisa que não consegue fazer: não cria procura do nada. Sem procura, e com o
euro a não desvalorizar, não há maneira do BCE criar inflação.
A
deflação não é um acidente, é o resultado inevitável da actual estratégia
europeia. As únicas políticas que podem combater a deflação são as que travam
as suas causas, isto é, são as que combatem o desemprego, são as que invertem a
actual dinâmica salarial, são as que apostam no investimento; são, em suma, as
que aumentam a procura.
Se
queremos mesmo evitar uma espiral deflacionária, resta-nos reconhecer que a
política monetária, sozinha, não pode nada; e que só uma inversão da política
orçamental, juntamente com uma política económica que abandone a actual
obsessão com a competitividade salarial, pode verdadeiramente tirar-nos do beco
sem saída em que estamos metidos.
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