sábado, 21 de março de 2015

Murong Xuecun. Escritor chinês crítico do regime diz-se preparado para a prisão




Macau, China, 21 mar (Lusa) - O escritor chinês Murong Xuecun, duro crítico do regime, acredita que a sua detenção é inevitável e que, sendo esse um receio que o ocupa "todos os dias", é também algo que o torna "ainda mais frontal".

"Como escritor com uma voz mais independente, não sei quando vou ser preso. Penso sempre nisto, esse receio ocupa-me todos os dias. Mas por isso mesmo fico ainda mais frontal. Quando um problema me perturba por muito tempo, desejo que surja com rapidez", afirma o escritor, acrescentando que "nos últimos tempos" mais de 15 dos seus amigos foram presos, o que o fez escrever, em julho do ano passado, uma carta aberta à polícia oferecendo-se para ser detido.

A atitude de desafio não impede que sinta temor, já que, explica, por ser licenciado em Direito, pôde visitar muitas prisões chinesas e conhece bem a sua realidade.

Murong Xuecun, que divide o seu tempo entre Hong Kong e Pequim, encontra-se em Macau para participar no festival literário Rota das Letras.

Colaborador do New York Times, onde assina uma coluna regular sobre a governação chinesa, de que é um forte crítico, tornou-se famoso por se debruçar, em particular, sobre a corrupção, tanto nas suas crónicas, que apenas podem ser lidas fora do país, como através dos seus romances que estão publicados na China.

Murong Xuecun, pseudónimo de Hao Qun, é um forte crítico do Presidente Xi Jinping e um cético em relação às verdadeiras motivações da muito publicitada campanha anticorrupção.

Neste momento, diz em entrevista à agência Lusa, a corrupção pode ser mais tímida devido à "opressão do Presidente", mas essa é uma situação temporária, já que a campanha é, na verdade, "uma espécie de combate interno dentro do partido". "Uma vez que esse combate seja vencido, ainda vai ficar pior", acredita.

Para Murong o poder está hoje "fora do controlo", mas há motivos para esperança devido ao que descreve como uma insatisfação popular generalizada.

"Qualquer chinês, tanto o camponês como o dono do restaurante, odeia a realidade da China e aspira mudança", afirma, lembrando que se em 2010 as autoridades chinesas registaram 180 mil protestos, esse número subiu para 300 mil em 2014.

A impopularidade do Governo é também observável através da Internet onde "qualquer coisa que o Governo faz gera ironia", dando como exemplo a proibição do documentário da jornalista Chai Jing sobre a poluição na China.

Apesar da pesada censura, Murong acredita que a Internet permite aos chineses "expressarem a sua voz" - antes de ser "apagado" pelas autoridades, o seu blogue tinha 8,5 milhões seguidores. A página já foi retomada, mas ainda não atingiu o mesmo número de leitores.

O autor de "Leave Me Alone: A Novel of Chengdu", publicou online 1.900 artigos relacionados com os textos de ficção, com crónicas sobre a atualidade social da China e ainda com "historinhas que inventei para fazer ironia indiretamente", conta.

"Os chineses arranjam sempre maneira de fugir à censura", afirma, dando como exemplo as referências dos internautas ao Nobel da Paz Liu Xiaobo, atualmente detido pelas autoridades - "Mão Escondida", devido à sua participação nos movimentos estudantis de Tiananmen, ou "Gago", por ser alguém para quem é difícil falar, são apenas alguns. A própria data do massacre, 04 de junho, é referida como "35 de maio".

A colaboração, a partir de 2013, com o jornal norte-americano surgiu do seu desejo de "servir como ponte para que os media ocidentais façam um julgamento da China verdadeira", mas desde então diz ter sido contactado pela polícia secreta "algumas vezes, para avisos e ameaças", mas que, "curiosamente, nunca mencionaram os artigos do Times".

"Até agora a minha liberdade ainda não foi restringida mas acredito que o meu telefone está sob escuta", remata.

ISG// ZO

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