Macau,
China, 21 mar (Lusa) - O escritor chinês Murong Xuecun, duro crítico do regime,
acredita que a sua detenção é inevitável e que, sendo esse um receio que o
ocupa "todos os dias", é também algo que o torna "ainda mais
frontal".
"Como
escritor com uma voz mais independente, não sei quando vou ser preso. Penso
sempre nisto, esse receio ocupa-me todos os dias. Mas por isso mesmo fico ainda
mais frontal. Quando um problema me perturba por muito tempo, desejo que surja
com rapidez", afirma o escritor, acrescentando que "nos últimos
tempos" mais de 15 dos seus amigos foram presos, o que o fez escrever, em
julho do ano passado, uma carta aberta à polícia oferecendo-se para ser detido.
A
atitude de desafio não impede que sinta temor, já que, explica, por ser
licenciado em Direito, pôde visitar muitas prisões chinesas e conhece bem a sua
realidade.
Murong
Xuecun, que divide o seu tempo entre Hong Kong e Pequim, encontra-se em Macau
para participar no festival literário Rota das Letras.
Colaborador
do New York Times, onde assina uma coluna regular sobre a governação chinesa,
de que é um forte crítico, tornou-se famoso por se debruçar, em particular,
sobre a corrupção, tanto nas suas crónicas, que apenas podem ser lidas fora do
país, como através dos seus romances que estão publicados na China.
Murong
Xuecun, pseudónimo de Hao Qun, é um forte crítico do Presidente Xi Jinping e um
cético em relação às verdadeiras motivações da muito publicitada campanha
anticorrupção.
Neste
momento, diz em entrevista à agência Lusa, a corrupção pode ser mais tímida
devido à "opressão do Presidente", mas essa é uma situação
temporária, já que a campanha é, na verdade, "uma espécie de combate
interno dentro do partido". "Uma vez que esse combate seja vencido,
ainda vai ficar pior", acredita.
Para
Murong o poder está hoje "fora do controlo", mas há motivos para
esperança devido ao que descreve como uma insatisfação popular generalizada.
"Qualquer
chinês, tanto o camponês como o dono do restaurante, odeia a realidade da China
e aspira mudança", afirma, lembrando que se em 2010 as autoridades
chinesas registaram 180 mil protestos, esse número subiu para 300 mil em 2014.
A
impopularidade do Governo é também observável através da Internet onde
"qualquer coisa que o Governo faz gera ironia", dando como exemplo a
proibição do documentário da jornalista Chai Jing sobre a poluição na China.
Apesar
da pesada censura, Murong acredita que a Internet permite aos chineses
"expressarem a sua voz" - antes de ser "apagado" pelas
autoridades, o seu blogue tinha 8,5 milhões seguidores. A página já foi
retomada, mas ainda não atingiu o mesmo número de leitores.
O
autor de "Leave Me Alone: A Novel of Chengdu", publicou online 1.900
artigos relacionados com os textos de ficção, com crónicas sobre a atualidade
social da China e ainda com "historinhas que inventei para fazer ironia
indiretamente", conta.
"Os
chineses arranjam sempre maneira de fugir à censura", afirma, dando como
exemplo as referências dos internautas ao Nobel da Paz Liu Xiaobo, atualmente
detido pelas autoridades - "Mão Escondida", devido à sua participação
nos movimentos estudantis de Tiananmen, ou "Gago", por ser alguém
para quem é difícil falar, são apenas alguns. A própria data do massacre, 04 de
junho, é referida como "35 de maio".
A
colaboração, a partir de 2013, com o jornal norte-americano surgiu do seu
desejo de "servir como ponte para que os media ocidentais façam um
julgamento da China verdadeira", mas desde então diz ter sido contactado
pela polícia secreta "algumas vezes, para avisos e ameaças", mas que,
"curiosamente, nunca mencionaram os artigos do Times".
"Até
agora a minha liberdade ainda não foi restringida mas acredito que o meu
telefone está sob escuta", remata.
ISG//
ZO
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