David
Pontes* – Jornal de Notícias, opinião
Não
se pode ter razão dizendo uma coisa e fazendo o seu contrário. Cavaco Silva tem
razão quando diz que "um presidente de bom senso deve deixar aos partidos
as suas controvérsias político-partidárias que já cheiram a campanha
eleitoral". Mas ao dizê-lo a propósito da polémica de Passos Coelho com a
Segurança Social, o presidente fez o contrário daquilo que disse.
Complicado?
Nem por isso. É verdade que o trabalho jornalístico que levou à revelação do
passado contributivo do primeiro-ministro é matéria para a disputa
político-partidária. Mas como poderia ser de outra forma, depois das
explicações erráticas de Passos sobre as suas falhas? Como é que num país onde
alunos perdem as bolsas de estudo por causa das dívidas dos seus pais à
Segurança Social, um primeiro-ministro pode desculpar-se de não ter pago porque
"achava que era opcional"? E como é que se escuta agora o discurso do
"vivemos acima das nossas possibilidades", vindo de alguém que se
atrasou no cumprimento dos seus deveres fiscais porque se calhar na altura
"não tinha dinheiro"?
Este
caso, até pela forma como o primeiro-ministro agiu depois de tomar consciência
das suas dívidas, é um enorme problema político para quem teve um discurso
moral sobre a crise e tencionava avançar para as legislativas arvorando uma
imagem de austeridade e de rigor.
Por
isso, Cavaco Silva tem razão em querer fugir do caso, é esse equilíbrio que se
espera de um presidente num país a caminho de eleições. Só que ao optar por
classificá-lo como "controvérsia político-partidária" , implicitamente
desvalorizando-o, o presidente entra na polémica tentando dar a Passos a tal
"imunidade política" de que se queixou António Costa.
Não
tendo nada a fazer neste caso, o melhor teria sido que o presidente da
República recorresse à velha muleta do "não tenho declarações a fazer
sobre o assunto" e optasse pela reserva do silêncio. De outra forma,
parece estar a dizer que não devemos achar importante, que devemos aceitar como
normal, uma sucessão de primeiros-ministros com passados atabalhoados (no
mínimo) que só se revelam cidadãos exemplares quando chegam ao cargo.
*Subdiretor
do Jornal de Notícias
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