António-Pedro
Vasconcelos* – Público, opinião
Até
agora, o ministro da Economia e o seu secretário de Estado tergiversaram em
desculpas improvisadas, sem qualquer base de sustentação.
Podem
enganar-se algumas pessoas durante todo o tempo; pode enganar-se toda a gente
durante algum tempo; mas não se pode enganar toda a gente durante todo o tempo.
(Abraham Lincoln)
A
entrevista que Fernando Pinto deu ao Expresso era a peça que faltava
para decifrar o enigma do processo de privatização da TAP, em que Passos Coelho
e a sua ministra das Finanças insistem, com uma obstinação que só tem igual na
dificuldade em justificar as razões de tão imperiosa decisão. Com uma maioria
dócil na AR, o Governo não se dá ao trabalho de explicar aos portugueses a
razão que o levou a “ir mais longe” e mais depressa do que as exigências
acordadas com a troika em matéria de privatizações e cortes sociais,
e escuda-se em Cavaco, que assina por baixo tudo o que Passos lhe põe à frente,
e que até já foi ao Dubai, em Novembro do ano passado, “vender Portugal”,
anunciando aos senhores do petróleo que, além de “sol, mulheres bonitas e
cavalos”, ainda tinha mais uma pérola para vender: a TAP Portugal.
Mas,
até agora, o ministro da Economia e o seu secretário de Estado tergiversaram em
desculpas improvisadas, sem qualquer base de sustentação: primeiro era a
Comissão Europeia que não deixava os governos nacionais salvar as suas
companhias aéreas; depois era porque a privatização estava prevista no
memorando da troika (não era uma imposição nem estava dito que era a
100%); finalmente, é porque o Estado não tem dinheiro para assegurar a
sobrevivência de uma companhia que os candidatos a compradores, esses sim,
conseguem assegurar — e que ninguém sabe quanto é —, e porque acha que os
privados gerem melhor os interesses nacionais das companhias que o Governo
considera estratégicas para o país. Numa palavra, a TAP está insolvente, e se o
Estado interviesse teria que haver despedimentos e cortes de rotas.
Ora,
Fernando Pinto vem revelar preto-no-branco a verdadeira situação da TAP,
explicar as razões de algumas dificuldades no passado, mas também a
sustentabilidade da empresa e o seu enorme potencial de crescimento. Para bom
entendedor, já que o dever de lealdade institucional o impede de dizer
abertamente o que pensa, a entrevista de Fernando Pinto é esclarecedora;
sobretudo quando parte de alguém que veio para a TAP em 2001 para preparar a
sua privatização, mas que tinha a vantagem de conhecer bem o negócio da aviação
e de ter um sentido empresarial da sua gestão (desde 1997 que o Estado não
injecta dinheiro dos contribuintes na companhia), de se revelar um hábil
negociador com os sindicatos e de se mostrar firme com as interferências que
julgou negativas da tutela (a relação com Cardoso e Cunha, que, entre 2002 e
2004, presidiu ao conselho de administração da TAP, nunca foi fácil). O
trabalho que Fernando Pinto fez na nossa companhia aérea nacional é reconhecido
por todos, mesmo os que criticam algumas decisões polémicas (os maus negócios
da compra da Portugália ou da venda da Groundforce não lhe são imputáveis),
como foram a compra da VEM, no Brasil, em 2005, e a falta de previsão, no Verão
de 2008, quando não se precaveu contra a subida do preço do petróleo, que
aumentara 75% e que terá custado à companhia, nesse ano, qualquer coisa como
270 milhões de euros de prejuízo. Mas a verdade insofismável é que a TAP cresceu
com a sua gestão.
O
que diz, então, Fernando Pinto (cujo contrato terminou em 2012, sem que o
Governo fizesse um gesto para o renovar), que nos ajuda a perceber as
verdadeiras razões de Passos Coelho?
Comecemos
pela frase mais importante: “Há empresas que têm de ser privatizadas ou fecham.
Não é o nosso caso, que é sustentável. Tivemos resultados positivos nos últimos
cinco anos — ou nos últimos oito, se esquecermos 2008.” Esta frase
bastaria para encerrar o processo, se estivéssemos perante um Governo honesto e
genuinamente preocupado em salvaguardar o interesse nacional.
Mas
Fernando Pinto diz mais. Para alguém que tem responsabilidades institucionais
perante a tutela, e sabendo-se que o Governo anunciou a intenção de privatizar
a empresa, Fernando Pinto não podia ser mais claro, quando acrescenta,
enfatizando o argumento (“insisto sempre”, diz ele), que “é fundamental (a TAP)
ser bem privatizada” (itálico meu). Para bom entendedor, o que FP
está a dizer é que o Governo se prepara para privatizarmal a nossa
companhia aérea!
Em
resumo, o que ele diz é que:
1.
A TAP dá lucro;
2.
A TAP é sustentável e, por isso, a alternativa não é privatizar ou fechar;
3.
Existem formas de capitalizar a empresa sem ser a privatização;
4.
Esta privatização está errada e mal feita.
Entretanto,
no passado dia 2, na revista PANROTAS, Luís da Gama Mór, vice-presidente
executivo da TAP, veio anunciar que, “seja para aceitar uma proposta
apresentada, seja para dizer que a companhia continuará estatal”, já há grupos
de trabalho formados em toda a empresa para implantar um plano muito concreto
de marketing ("Uma nova onda de crescimento"), que contempla o
período de 2015 a 2020 (…), e que o plano só espera a decisão do Governo (sim
ou não à privatização) para ser acelerado.
“As
principais decisões, segundo explica, podem ser divididas de acordo com as
rotas da empresa (longa, média e curta distância), mas há decisões que afectam
todo o conjunto, como a digitalização da companhia (todos os processos e não
apenas reservas e vendas), a experiência nos aeroportos e a relação mais
próxima com o cliente, já que está nos planos iniciar a venda de serviços
auxiliares.”
Segundo
Mór, "60% dos passageiros da companhia estão na curta distância",
onde a venda desses novos serviços evoluirá para o que já é apresentado pelaslow
cost: marcação de assentos, comida a bordo, prioridade de embarque, entre
outros; e nos voos na Europa, os actuais aviões da Portugália (F-100 e E-145)
serão substituídos pelos Embraer 190 e 195, o que significa também mais
autonomia de voo."
No
médio curso (além de aumentar a densidade das poltronas), a TAP irá dar
prioridade ao modelo Airbus 321, adicionando mais unidades à frota. E, no longo
curso, a estrela será o A350, que substituirá os quatro A340 e alguns A330. Há
12 pedidos e o primeiro chega em 2017. Muitos serão usados para o Brasil, com
três classes: Top Executive, com novas poltronas-cama e sistema de
entretenimento, económica plus (que também será implantada nos A330)
e económica. "Há uma tendência de densificar a económica e distrair o
passageiro com tecnologia, entretenimento e venda de serviços, mas há os que
desejam pagar mais pela económica plus, já que ainda não podem ir para a
executiva", explica Mór. "O nosso tamanho como empresa de nicho
dá-nos mais agilidade para essas implantações", conclui o administrador.
O
que é que tudo isto nos diz? Que a TAP está bem e recomenda-se. Por outras
palavras, que o Governo quer privatizar a TAP, não por ela estar
a necessitar urgentemente de uma injecção de capital ou por
estar insolvente ou por não ter capacidade de se financiar nos bancos, mas,
pelo contrário, por ser uma empresa com sustentabilidade e um grande potencial
de crescimento; como disse, em 2012, Maria Luís Albuquerque, então secretária
de Estado de Vítor Gaspar, o Governo desistiu na altura de vender a empresa a Efremovitch,
porque percebeu que era preciso, primeiro, “torná-la mais atractiva”!
De
facto, por que razão iria Passos Coelho vender uma empresa deficitária e com
problemas? Quem a iria comprar, mesmo ao desbarato? A verdade é que todas as
outras empresas que este Governo decidiu alienar a 100% (quando nada no
memorando da troika o exigia) davam lucro! A REN, a EDP, a ANA, os
CTT, eram empresas rentáveis, negócios apetitosos, e não empresas arruinadas
que os generosos capitais estrangeiros vinham resgatar da bancarrota, por um
imperativo patriótico!
A
própria RTP, em relação à qual Passos foi obrigado a recuar, havia sido
previamente limpa de dívidas pelo ministro Relvas (num pagamento voluntário,
que nada obrigava o Governo a fazer, uma vez que a dívida remanescente estava
contratualizada com um sindicato bancário para continuar a ser paga através da
publicidade), precisamente para a tornar, primeiro, “atractiva”, e, depois, a
poder vender ao desbarato.
Que
podemos nós concluir de tudo isto? Que alguém devia há muito (Tribunal de
Contas, Assembleia da República, PGR) ter investigado os vários processos de
privatizações das nossas empresas estratégicas, que deixaram o país à mercê de
interesses estrangeiros e sem instrumentos de defesa da sua soberania nem de
regulação da nossa economia.
E
que melhor recado podemos dar aos portugueses de boa-fé, senão que não tapem os
olhos e defendam a sua companhia aérea contra esta ameaça de “privataria” — a
TAP, que é a “jóia da coroa” das nossas empresas estratégicas, como lhe chamou
o insuspeito Marcelo Rebelo de Sousa?
Realizador
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