domingo, 17 de maio de 2015

José Eduardo Agualusa: "A ala mais reaccionária do MPLA está a mostrar os dentes"




Escritor lamenta que seja mais fácil publicar literatura angolana em Portugal ou Brasil do que em Angola, onde "há muitas histórias para contar".

Voz da América, em Angola Fala

O Presidente José Eduardo dos Santos tem feito uma governação “muito equivocada”, disse o escritor angolano José Eduardo Agualusa para quem  “não fica bem ao Presidente privilegiar a sua família”.

Ao responder a perguntas dos ouvintes no programa Angola Fala Só, da VOA, nesta sexta-feira 15, Agualusa defendeu a necessidade de uma alternância política no país, afirmando que a “alternância confirma a democracia”.

“Dificilmente pode-se acreditar em democracia sem alternância”,  disse Agualusa para quem há indícios  de que “o Governo está a retroceder (em termos de direitos democráticos) à medida que se aproximam as eleições”.

“A ala mais reaccionária do partido (no poder) está a mostrar os dentes”, disse peremptoriamente o escritor que denuncia uma tentativa de “silenciar todas as vozes independentes”.

Os temas políticos mais abordados nos 60 minutos de conversa com os ouvintes foram a recente decisão do Presidente de autorizar a compra de um avião de luxo para12  pessoas por 62 milhões de dólares e os confrontos no Huambo entre os fiéis da seita A luz do Mundo e a polícia, durante os quais morreu um número ainda indeterminado de pessoas, mas que, segundo denuncia dos partidos da oposição, relatos poderá ascender a centenas.

José Eduardo Agualusa disse que é do próprio interesse do Governo angolano permitir uma investigação aberta e isenta aos acontecimentos no Huambo. Caso contrário, disse “fica a suspeita de que algo muito grave se passou”.

“Quanto mais se atrasa, pior é para a imagem do Governo pois fica-se com a imagem de que está a tentar ganhar  tempo”, explicou, acrescentando que as autoridades deveriam “abrir as portas e agilizar” uma investigação independente.

Quanto à compra do avião numa altura de crise em Angola “é chocante”. Agualusa afirma  que “não se percebe porquê, não se percebem as prioridades do Governo”,  e faz notar “o abismo social” que  existe no pais.

Durante o programa José Eduardo Agualusa teve também a oportunidade de discutir os seus livros e em resposta a perguntas de ouvintes debruçou-se particularmente sobre o seu romance histórico “Rainha Ginga”, que disse ter sido uma tentativa demonstrar a contribuição de África na construção de Angola e do Brasil, bem como na transformação de Portugal.

Para Agualusa é preciso “contar a história de uma perspectiva africana”, porque ”a história não é uma ciência exacta”.

“Não há uma verdade histórica, há um conjunto de versões (de acontecimentos) e o importante é ouvir as diferentes versões da história”, disse o escritor, para quem, esta leitura aplica-se também à situação mais recente em Angola, onde se deveria “ouvir as diferentes forças políticas”.

“Isso é o mais importante”, afirmou o escritor, lembrando que "há ainda que contar a história da guerra em Angola".

“Falta um grande romance de guerra”, disse, sublinhando que a guerra traz consigo muitas historias e “muitas tragédias”.

Sobre o estado actual da literatura angolana, José Eduardo Agualusa afirmou que “o país prometia mais em 1975”, mas não foram feitos esforços suficientes para promover a literatura.

Para o escritor angolano, devia-se ter criado uma rede de bibliotecas públicas e “isso não foi feito”.

“A literatura não se desenvolveu tanto quanto podia”, apesar de haver novos valores. É que, rematou, Angola é um país rico “em histórias para contar”.

Agualusa lamentou, no entanto, que por diversas razões é mais fácil para os escritores angolanos publicarem em Portugal ou no Brasil do que em Angola.

O escritor falou ainda sobre a política americana em relação a África, tendo deixado claro que esperava mais do presidente Obama. “Eu esperava que o Presidente Obama fosse mais activo na democratização de África”, revelou, lembrando que podia até ter um passaporte queniano pois o seu pai era cidadão do Quénia.

”Nesse aspecto foi uma desilusão”, concluiu José Eduardo Agualusa.


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