Afonso
Camões – Jornal de Notícias, opinião
Somos
de um tempo em que as notícias, mesmo as mais dramáticas, são do género incha,
desincha e passa. Bastou que os líderes europeus se tenham reunido de
emergência para triplicar o orçamento destinado ao controlo das suas
fronteiras, para que nos tenhamos esquecido do naufrágio que vitimou quase mil
imigrantes. E já são mais de sete mil, em apenas quatro anos.
Com
o Acordo de Schengen, os 30 estados signatários, Portugal incluído,
comprometeram-se a reforçar o controlo das suas muralhas: são 15 mil quilómetros
de fronteiras terrestres, 70 mil quilómetros de costas e 600 aeroportos com
voos internacionais. Por aí passaram, só no último ano, 733 milhões de
viajantes.
A
premissa de Schengen é simples: num espaço sem limites internos, qualquer
problema migratório de um país converte-se num problema comum, que requer
esforço coordenado. Só que, 20 anos depois, a União Europeia continua sem uma
política harmonizada de imigração. E, entretanto, estabeleceu um dos mais
injustos sistemas de asilo do Mundo.
Esta
falta de coordenação passou despercebida, até que as consequências da chamada
primavera árabe, que a Europa estimulou, desencadearam a vergonhosa crise
humanitária no Mediterrâneo.
Não
faltam, porém, as vozes da suprema hipocrisia. Defendem, por exemplo, que a
melhor forma de evitar que os imigrantes se afoguem, tentando alcançar a
Europa, é impedir que embarquem, em particular na Líbia.
A
ideia seria obter autorização da ONU para afundar as barcaças do tráfico nos
portos de origem, antes que partam. E, dessa forma, evitar o "horrendo
espetáculo" (a expressão é de um dos ministros da União) que produzem os
naufrágios.
Para
os imigrantes, já que é difícil impedir que nasçam, a mensagem é simples:
morram nos vossos países, vítimas das guerras, da fome e da doença, mas não
venham para aqui dar-nos o vosso horrendo espetáculo de pobreza e exclusão.
Com
um orçamento reforçado, a Comissão Europeia apresenta, dentro de dias, uma nova
proposta que procure encaminhar pela porta os que nos tentam entrar pela
janela. É a 13 de maio, Nossa Senhora os ilumine! Porque atirar dinheiro para
cima da tragédia pode aquietar as consciências, mas não resolve nenhuma das
razões por que tantos cadáveres continuam a dar à costa do mais antigo mar da
nossa civilização.
Sem comentários:
Enviar um comentário