domingo, 3 de maio de 2015

MORRAM, MAS LONGE!



Afonso Camões – Jornal de Notícias, opinião

Somos de um tempo em que as notícias, mesmo as mais dramáticas, são do género incha, desincha e passa. Bastou que os líderes europeus se tenham reunido de emergência para triplicar o orçamento destinado ao controlo das suas fronteiras, para que nos tenhamos esquecido do naufrágio que vitimou quase mil imigrantes. E já são mais de sete mil, em apenas quatro anos.

Com o Acordo de Schengen, os 30 estados signatários, Portugal incluído, comprometeram-se a reforçar o controlo das suas muralhas: são 15 mil quilómetros de fronteiras terrestres, 70 mil quilómetros de costas e 600 aeroportos com voos internacionais. Por aí passaram, só no último ano, 733 milhões de viajantes.

A premissa de Schengen é simples: num espaço sem limites internos, qualquer problema migratório de um país converte-se num problema comum, que requer esforço coordenado. Só que, 20 anos depois, a União Europeia continua sem uma política harmonizada de imigração. E, entretanto, estabeleceu um dos mais injustos sistemas de asilo do Mundo.

Esta falta de coordenação passou despercebida, até que as consequências da chamada primavera árabe, que a Europa estimulou, desencadearam a vergonhosa crise humanitária no Mediterrâneo.

Não faltam, porém, as vozes da suprema hipocrisia. Defendem, por exemplo, que a melhor forma de evitar que os imigrantes se afoguem, tentando alcançar a Europa, é impedir que embarquem, em particular na Líbia.

A ideia seria obter autorização da ONU para afundar as barcaças do tráfico nos portos de origem, antes que partam. E, dessa forma, evitar o "horrendo espetáculo" (a expressão é de um dos ministros da União) que produzem os naufrágios.

Para os imigrantes, já que é difícil impedir que nasçam, a mensagem é simples: morram nos vossos países, vítimas das guerras, da fome e da doença, mas não venham para aqui dar-nos o vosso horrendo espetáculo de pobreza e exclusão.

Com um orçamento reforçado, a Comissão Europeia apresenta, dentro de dias, uma nova proposta que procure encaminhar pela porta os que nos tentam entrar pela janela. É a 13 de maio, Nossa Senhora os ilumine! Porque atirar dinheiro para cima da tragédia pode aquietar as consciências, mas não resolve nenhuma das razões por que tantos cadáveres continuam a dar à costa do mais antigo mar da nossa civilização.

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