Expresso
das Ilhas (cv), editorial
Nestes
meses pré-eleitorais Cabo Verde vive tempos peculiares. O Primeiro-ministro às
vezes apresenta-se como o líder da sua agenda de transformação e esforça-se por
mostrar os “ganhos” de quinze anos de governação. Quase em simultâneo põe-se na
posição de crítico e fustiga, por exemplo, a administração pública, que ele
próprio dirigiu durante os últimos quinze anos, como factor de atraso na
criação de um bom ambiente de negócios. Ou apela ao sector privado para
substituir o Estado nos investimentos para fazer crescer a economia oblívio da
situação actual de enorme dificuldade na generalidade das empresas.
Ou ainda
queixa-se do elevado desemprego no país convidando a todos a encontrar solução
para esse mal que assola o país. Na inauguração da nova linha da Frescomar, na
segunda-feira, dia 15, ouviu-se mais uma reedição deste discurso de “Now you
see me, now you don´t”. A discutir a partidarização da administração pública no
Instituto da Ciências Jurídicas e a falar da regionalização no Paul, foi a
mesma coisa.
Nas
democracias a questão da responsabilidade partidária é crucial para a
legitimação do poder, para o exercício consciente do direito do voto e também
para garantir a possibilidade de alternância. A todo o momento tem que se saber
quem é governo, ou seja, quem ganhou pela sua visão e programa de futuro, quem
tem um mandato pré-estabelecido para a pôr em prática e quem tem todos os
recursos do Estado para a implementar. Do governo espera-se liderança designadamente
na criação de condições para que todos tenham a possibilidade de realizar-se
como cidadãos plenos e prosperar a nível pessoal, familiar e das colectividades
que criam ou a que pertençam. Não se espera que simplesmente faça a “sua parte”,
geometricamente varável segundo as suas conveniências, e se ponha em bico dos
pés a acusar outros como o sector privado, as câmaras municipais, as famílias e
os próprios jovens desempregados por não estarem a cumprir o seu.
Ao
longo do mandato e particularmente no fim do mandato as pessoas querem estar na
posição de poder cobrar ou premiar conforme as espectativas criadas foram ou
não atingidas. Certamente que não querem ser desviadas por actos de ilusionismo
que não deixam ver o que realmente se conseguiu, quem foi o responsável e que
saídas existem para os problemas do momento. O facto actual do
Primeiro-Ministro não ser o líder do partido que suporta o governa abriu
caminho para maiores ambiguidades em matéria de responsabilização política.
Viu-se isso perfeitamente na questão do estatuto dos titulares de cargos
políticos.
Para
o cidadão eleitor, que assiste ao frenesim pré-eleitoral que passa pela
comunicação social particularmente na radio e na televisão em que é
protagonista principal o PM nas suas movimentações incessantes pelas
ilhas em lançamentos de primeiras pedras, inaugurações, visitas, aberturas de
fóruns e sessões de auscultação, a situação é mais confusa. Fica-se por
saber: está ou não em campanha. É ou não candidato e em que condição. É
responsável ou é crítico das políticas dos últimos quinze anos. É pela
continuidade das políticas ou é pela renovação como quer se apresentar a nova
presidente do seu partido.
Momentos
eleitorais devem ser de clareza de posições. Os cidadãos são chamados para
decidir qual a orientação a imprimir nos 5 anos seguintes. Precisam saber qual
é a real situação do país, como poderá evoluir na actual conjuntura mundial, e
que opções oferecem os agentes políticos para melhor confrontar os desafios do
presente e do futuro próximo. Esta exigência da democracia é ainda maior quando
o futuro está cheio de incertezas e as fragilidades do país são visíveis no
crescimento raso, no elevado desemprego e na cada vez mais pesada dívida
pública. O cenário de aprofundamento da crise na União Europeia, o principal
parceiro económico de Cabo Verde, devido à possível saída da Grécia, e talvez
não só, da zona euro ainda poderá tornar as coisas pior.
Momentos
eleitorais são também de responsabilização. O foco da atenção deve estar nos
partidos, nas soluções alternativas e nas propostas de governação que
apresentam e não fixar-se no jogo de ambições pessoais que muitas vezes estão
por trás das listas de deputados. Como bem disse o constitucionalista português
Vital Moreira a propósito de de candidaturas de cidadãos às legislativas:
“Não faz sentido permitir a eleição individual de deputados que nas eleições
seguintes já podem não ser candidatos e a quem ninguém pode exigir
responsabilidades. Uma democracia parlamentar é uma democracia de
responsabilidade partidária”. De facto, só aos partidos é que se pode
posteriormente punir ou recompensar pelos actos da governação e pelas promessas
cumpridas e não cumpridas. Para isso porém é de não admitir que façam da
política a arte do ilusionismo e o terreno propício para exercício do cinismo e
da hipocrisia.
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