terça-feira, 7 de julho de 2015

Angola. PRENDAM-ME, EU TAMBÉM PENSO!



José Eduardo Agualusa – Rede Angola, opinião

A semana que passou talvez fique na História de Angola como o início do fim do longo reinado de José Eduardo dos Santos. Nas redes sociais, centenas de angolanos manifestaram-se contra a prisão dos jovens democratas. Artistas e intelectuais que até à data têm evitado manifestar a sua opinião, ou que sempre se posicionaram a favor do partido da situação, vieram a público dar conta da sua surpresa e da sua repulsa.

O discurso de José Eduardo dos Santos, afirmando que os jovens presos estariam a preparar um Golpe de Estado, e comparando o mesmo aos trágicos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, veio dar força à ala mais reaccionária do MPLA, abrindo espaço para uma vaga repressiva e para um ciclo infindável de violência política. É um passo que não tem recuo. José Eduardo dos Santos teria de provar a tese do golpe de forma convincente, o que, como todos sabemos, não é possível. Ninguém em Angola acredita num tal disparate. Se os jovens forem libertados por ausência de provas, é o próprio presidente quem agora passará por aldrabão – além de ditador. Se não forem libertados irá dar-se início a um ciclo de protestos, prisões, mais e mais protestos, mais prisões e ainda mais protestos.

À instabilidade política criada pela irracionalidade do discurso presidencial soma-se a degradação da economia, e o consequente aprofundar do fosso social. Estamos, portanto, a caminho da tempestade perfeita.

A prisão dos jovens, e o discurso presidencial, constituem um verdadeiro separador de águas. A partir de agora já não se justifica o silêncio. Ou se está a favor da ditadura, ou se está do lado da paz, da democracia, da estabilidade e da justiça social.

Volto a ouvir o discurso do Presidente da República. Ouço depois as justificativas esfarrapadas e intelectualmente miseráveis de quem ainda o apoia, como o deputado João Pinto. Diz João Pinto que o facto dos jovens terem em sua posse uma lista de um futuro governo de unidade nacional é prova de que pretendiam derrubar o actual executivo. Há mais de trinta anos que me entretenho a imaginar a composição de eventuais governos democráticos. Eu e muitos amigos meus. Juntos e separados. Se fosse possível substituir governos dessa maneira, ou seja, imaginando governos melhores, José Eduardo dos Santos não teria sequer chegado à Presidência da República. João Pinto, coitado, nunca teria chegado a deputado. Infelizmente não é possível derrubar ditaduras por telepatia ou através de um esforço de imaginação, individual ou colectivo. Numa das minhas próximas crónicas apresentarei o meu governo de unidade nacional. Por ora quero apenas lançar um derradeiro apelo àqueles que, no interior do partido no poder, têm ainda um resto de dignidade, de amor a Angola, de inteligência e de senso do real: juntem-se e encontrem uma alternativa a José Eduardo dos Santos. José Eduardo dos Santos acabou. Chegou ao fim.

Devolvam-nos Angola!

Se for para continuar assim vão ter de prender muita gente. Um destes dias terão de me prender também a mim. Cometi todos os crimes de que Luaty e os seus companheiros são acusados. Cometi esses crimes ao lado deles. Quero uma Angola democrática, quero um governo preocupado em resolver as grandes injustiças sociais. Quero um governo preocupado em pacificar e não em dividir e criar o ódio.

Prendam-me! Eu também penso, logo, resisto!

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