Martinho Júnior, Luanda
As
culturas humanas em África diferenciam-se em função das regiões onde se regista
a ausência secular de água, contrapondo-se àquelas onde há sua existência,
podendo considerar-se no genérico:
-
Uma vasta região transversal ao continente, que se destaca entre a Mauritânia
(a oeste) e a Somália (a leste), com culturas de raiz nómada no Sahara, no
Sahel e no Ogaden, com povos adaptados a capacitações de resistência aos
desertos de tal ordem que essa nomadização faz tábua-rasa dos artificiosos
limites impostos pelas potências coloniais em resultado da Conferência de
Berlim, pois as fronteiras são por vezes rectilíneas e fáceis de transpor, por
completa ausência de infra estruturas nas “areias de ninguém”.
Nesta
região a densidade demográfica é muito baixa, as urbanizações são escassas e
com pouca população, ocorrendo maiores concentrações populacionais ao longo de
cursos de água como o Nilo (a leste) e o Níger (a oeste), ou ao longo da rica
bacia do Mediterrâneo (desde o Marrocos a ocidente, ao Egipto a leste), ou
junto das costas a ocidente (Mauritânia e Senegal), ou a leste (Egipto, Sudão,
Eritreia, Etiópia, Djibouti e Somália).
Historicamente
é uma região islamizada, (à excepção do Sudão do Sul, Eritreia e Etiópia) de
tendência sunita, muito permeável a redes que tiram proveito da migração (quer
em direcção à Europa, quer em direcção aos litorais africanos, quer em direcção
ao centro-sul do continente), como do “jihadismo” financiado por
alianças forjadas a partir de factores energético-financeiros que compõem a
península arábica, particularmente a partir da Arábia Saudita e Qatar.
Enquanto
houve Kadafi na Líbia, havia resistência a essa tendência, pelo que após o seu
desaparecimento, a “colmeia” líbia atingida pelos golpes
AFRICOM-NATO, tornou possível a disseminação das abelhas jihadistas pelo Sahel.
Kadafi
havia-se distanciado do universo árabe dedicando-se mais a África, antes de
desaparecer e até uma parte de sua guarda pessoal era formada por tuaregs, quer
dizer, Kadafi foi um factor preventivo e dissuasor, que enquanto vivo impediu o
jihadismo.
Conhecedor
disso, na altura da gestação do AFRICOM, o seu destino foi marcado,
desencadeando-se a oportunidade em 2011, pelo que de então para cá
as “abelhas jihadistas” facilmente se vão dispersando por África!
-
Uma vasta região equatorial-tropical de culturas mais sedentárias, que vivem
sobretudo da agricultura de subsistência, da recolecção, assim como de franjas
de criação de gado nos planaltos elevados, ou nas savanas de clima mais
temperado.
Nesta
região assiste-se a uma maior densidade demográfica, com uma malha
político-administrativa mais densa, por vezes com enormes concentrações urbanas
(a Nigéria é o maior dos exemplos) e com uma enorme biodiversidade (em muitas
florestas equatoriais e de galeria é possível a recolecção).
É
também uma região com maior diversidade geológica e mineral, o que faz aumentar
as pressões em função dos interesses provenientes de fora do continente, que se
procuram coligar com interesses e correntes locais.
A
trilogia água-terra-subsolo, faz desta região, em especial no nó aquífero
interior, quase central ao continente (nascentes do Congo, do Nilo e do
Zambeze, mais os Grandes Lagos), uma região que tem sofrido conflitos
permanentes, de difícil solução, de características étnico-tribais, a que se
podem juntar conflitos em função da pressão “jihadista”, proveniente do
norte e do leste, apesar dos “tampões” do Sudão do Sul, da Etiópia,
do Uganda e do Quénia.
As
características desses conflitos, por serem de natureza étnico-tribal,
favorecem as pretensões ao redesenhar o mapa africano, numa espécie
de “Conferência de Berlim a uma só voz”, a voz de quem tutela o
AFRICOM-NATO!
Os
povos desta região foram mais permeáveis à implantação de igrejas cristãs por
influência da colonização europeia, com predominância do catolicismo por via
das colonizações francesa, portuguesa, belga e espanhola e de protestantes, por
via da colonização anglófona, alemã e holandesa, embora na costa do Índico, a
leste e África do Sul, haja influências de religiões provenientes da Ásia
(minorias importantes, inclusive de islamizados).
Os
focos de tensão, conflito e guerra têm-se estendido de leste a oeste, da
Somália à Nigéria, passando pelo Ruanda, Burundi, Kivus (RDC), República Centro
Africana, Chade, Camarões e Níger, precisamente na região em que o Sahel se
perde no Equador tropical.
Esses
focos têm conseguido integrar religião e etnicidade, conforme o exemplo da
única rebelião cristã, que atinge fundamentalmente o Uganda, o Lord Resistence
Army (LRA), que afecta também a RDC, a República Centro Africana, o Sudão e o
Sudão do Sul, onde possui santuários, tirando partido de outra confluência de
fronteiras para garantir seus próprios “vasos comunicantes” (conforme
à análise expressa por Theresa Whelan).
O
LRA é um radicalismo cristão com base inicial no Sudão e dirigido contra o
Uganda (que foi base de retaguarda do Sudanese People Liberation Front, SPLA,
que esteve na origem da cisão do Sudão do Sul).
Com
o Al Qaeda do Magrebe Islâmico (AQMI) mais implantado na África do Oeste, o
Boko Haram opera na fronteira comum Nigéria-Níger-Chade-Camarões, o LRA, a
leste desse foco e conforme acima referi, para se encontrar o Al Shaabad no
Ogaden, afecando a Somália, o Quénia e a Etiópia e fazendo a ligação à
implantação do Al Qaeda no Iémen.
As
regiões de implantação dos agrupamentos, facilmente se constata em carta,
despregam-se numa cadeia de leste a oeste, de modo a que entre cada um haja
sensivelmente uma equidistância, sucessivamente de oeste para leste: AQMI-Boko
Haram-LRA-Al Shaabad, o cinturão de desestabilização nos limites do Sahel com o
Equador tropical.
A
sul da região de actuação do LRA, está a complexa região quase central das
grandes nascentes (Congo, Nilo e Zambeze) e dos Grandes Lagos (Vitória,
Tanganika e Malawi), onde as convulsões permanentes assumem características
étnico-tribais mais evidentes, pois estão relacionadas com disputas em relação
à água, à terra e ao subsolo.
Em
todos os casos há nexos dos factores físico-geográficos-ambientais com base na
trilogia água-terra-subsolo, com os factores humanos, com os casos mais
crónicos ali onde existem minerais raros (nos Kivus, a leste da República
Democrática do Congo, RDC).
O
facto da plataforma da RDC ser tão vulnerável a migrações humanas, permite que
esse território central, seja uma base para a progressão em direcção sul, quer
de migrações provenientes do Sahara e Sahel, muito em especial, quer de
vínculos em conexão com o jihadismo.
Nesse
aspecto, Angola é também território vulnerável, graças à sua imensa fronteira
terrestre e marítima com a RDC.
Alguns
analistas poderão em relação a Angola, ter um ponto de vista distinto, que
contrarie essa conclusão, mas a experiência histórica de conflitos, obrigam
Angola a toda a atenção, vigilância e cuidado!
Não
passando despercebido o conjunto de fenómenos, verifica-se que o raio de acção
de unidades militares dos Estados Unidos por via do AFRICOM, distendem-se
precisamente nos países acima referenciados, desde o Mali, a oeste, até à
Somália, a leste.
A
oeste essas unidades militares encontram-se com unidades militares francesas no
Mali, como no Níger, cabendo aos franceses a implantação de unidades militares
no Senegal, nos Camarões e no Gabão, em suporte do tradicional “pré
carré” estimulado pelo terrorismo que se volatilizou na sequência do
ataque à Líbia, pondo fim à era de Kadafi.
A
leste, o ponto de confluência franco-norte americano é em Djibouti, o que
possibilita acessos desses dispositivos militares ao Golfo de Aden e Mar
Vermelho, assim como às regiões afectadas pelo jihadismo no Ogaden e no Iémen,
tal como ao “combate à pirataria” no Índico Norte.
A
Arábia Saudita, graças à sua recente intervenção no Iémen, está a construir
apressadamente uma base militar na ilha de Socotra, que pertence ao Iémen, mas
está mais próximo da costa nordeste da Somália, na sequência de Puntland
(território mais utilizado pela pirataria somali) no Índico.
As
conflitualidades étnico-tribais têm sido estimuladas, garantindo a fragilidade
das identidades nacionais e entrosando-se com as desestabilizações de ordem
religiosa, algo que melhor possibilita a outra face da mesma moeda: o
redesenhar do mapa sócio-político de África, ou seja uma nova Conferência de
Berlim, versão neo colonial, não declarada e em relação à qual, a uma só voz, o
AFRICOM-NATO têm muito a dizer!
Mapas:
1
– Países mais afectados pelas organizações terroristas de oeste a leste do Sahel
e Ogaden;
2
– Países onde ocorre a presença militar norte-americana, por via do AFRICOM;
3
– Regiões afectadas pelas diversas organizações jihadistas, espalhadas
sobretudo nos desertos do Sahara, Sahel e Ogaden.
A
consultar (Martinho Júnior):
-
O vale do Cuango – http://pagina--um.blogspot.com/2011/01/o-vale-do-cuango.html
-
Ainda o vale do Cuango – I – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/03/ainda-o-vale-do-cuango-i.html
-
Ainda o vale do Cuango – II – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/03/ainda-o-vale-do-cuango-ii.html
-
Ainda o vale do Cuango – III – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/03/ainda-o-vale-do-cuango-iii.html
-
Ainda o vale do Cuango – IV – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/03/ainda-o-vale-do-cuango-iv.html
-
Férteis activismos – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/12/ferteis-activismos.html
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