quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Buraco negro sistêmico: o epicentro da tempestade ainda está no Ocidente




Similar em intensidade ao terremoto financeiro de 2008, o novo abalo teve início na China, mas é o coração do Ocidente que está no centro da tormenta.

Le Yéti, do Politis.fr - Carta Maior

O novo tremor atingiu os mercados de ações globais em agosto: primeiro os asiáticos, depois os ocidentais. Uma queda vertiginosa que logo levou ao ioiô característico dos tsunamis financeiros, como nas vésperas da crise de 2008, quando computadores de alta performance trabalhavam no limite, tentando salvar as aparências, em vão.

Os pilares da economia continuam tão capengas quanto a estrutura financeira, com um crescimento global ainda lento, tanto nos Estados Unidos e na Europa (França com 0% no segundo trimestre), quanto no Japão, Canadá e Austrália. E isto apesar das injeções de enormes somas pelos bancos centrais, particularmente o Banco Central Europeu.

O que marca este novo episódio de um colapso sistêmico é, justamente, a perda de controle pelos bancos centrais, últimos bastiões do sistema contra o buraco negro financeiro de uma dívida que não para de crescer.

"O buraco negro" é como o engenheiro russo-americano Dmitry Orlov chama o ciclone financeiro que está sugando o velho mundo dominante em seu turbilhão autodestruidor.

"O buraco negro suga a medula de famílias (embora às vezes também sugue cidades inteiras como Detroit, Michigan ou Bakersfield, na Califórnia, e Camden, em New Jersey). Ele suga casas, e as regurgita cheias de dívidas podres. Com a ajuda da indústria médica, suga os doentes e os cospe de volta arruinados. Com a ajuda do extorsivo ensino superior, suga a esperança dos jovens, e os cospe de volta com diplomas e presos a uma dívida estudantil vertiginosa. Com a ajuda do complexo industrial-militar, o buraco negro suga praticamente tudo o que há pela frente, e regurgita cadáveres, inválidos, desastres ambientais, terroristas e a instabilidade mundial".

Eis que, explica Dmitry Orlov, agora o buraco negro começa a engolir países inteiros: a Grécia, por exemplo, e os países que a cercam...

Há um piloto no avião para nos tirar desse vespeiro? – você se pergunta. Infelizmente não, responde Dmity Orlov, no comando há apenas marionetes, que o buraco negro tornou estúpidas e completamente incapazes de deter a queda aos infernos.

Mas o buraco negro ainda encontra alguns obstáculos: a Rússia de Putin, recentemente, com o atoleiro ucraniano. Também não está certo que tudo esteja mesmo acabado na Grécia, o berço da democracia, que conseguiu dar duas bananas ao buraco negro: primeiro ao eleger um poder não institucional (Syriza), depois com o memorável referendo de 5 de julho. A Grécia talvez não tenha ainda dado sua última palavra – mesmo com o naufrágio político pessoal do seu líder Alexis Tsipras – e poderia dar algumas idéias para seus vizinhos do sul, também vítimas do infernal buraco negro.

E há, também, a China. É de lá que vem o atual terremoto. Mas há uma diferença entre as marionetes viciadas em buracos negros dos mercados mundiais e a China. Como observou Michael J. Panzner, a China só se serve dos mercados quando eles servem a ela. Quando jogam contra, ela os fecha e os isola. E os manipula à vontade. Pergunte-se, por exemplo, por que a desvalorização do Yuan chinês levou imediatamente à queda do dólar-padrão dos EUA, quando deveria ter sido o oposto, como diz Lucie Roofer no Mediapart. A resposta é: porque os chineses não desvalorizaram realmente sua moeda, mas criaram novos sistemas de regulação, sob seu próprio controle, especialmente na fixação de preços e de paridades, que permitem limitar as manipulações monetárias no mercado cambial. A guerra cambial em seu auge.

Por isso é que, hoje, não são as ultrapassadas marionetes do Império Ocidental que possuem as chaves para sair do buraco negro financeiro, mas, provavelmente, países como a China. E, talvez, até mesmo, oh que horror!, a Federação Russa do infame Vladimir Putin.

Ah, claro que diante de tal constatação os adeptos da negação irão perder a cabeça, nos chamar de catastrofistas, de adeptos da teoria da conspiração, acusar-nos de semear o caos, vão soltar gritos desesperados e repetir ad nauseam os jargões totalmente ocos soprados pelas marionetes que os dirigem: “Putinista! Esquerdista radical!”. Deixemos Dmitry Orlov dar uma resposta condizente:

"Você ama seu buraco negro? Se não tem certeza, deixe-me fazer mais algumas perguntas. Você gosta do fato de que seus cartões de crédito ainda funcionam, ou que você ainda pode deixar seu dinheiro no banco, e até mesmo sacar dinheiro em um caixa eletrônico ou receber – ou esperar receber – sua aposentadoria, mais cedo ou mais tarde? Você gosta de poder obter coisas úteis como alimentos, gás, passagens aéreas, com notas comuns de papel impressas com imagens de homens brancos mortos, monumentos ou animais? Você gosta de ter acesso à Internet, poder acender as luzes e ter água na torneira? Bom, se você gosta dessas coisas, você também deve gostar do buraco negro financeiro, porque é ele que torna todas essas coisas possíveis, apesar da falência do seu país. Talvez seja uma relação de amor e ódio: você gosta de fingir que está tudo bem, mesmo sabendo que não está, e você quer aproveitar um pouco mais do atual estado da economia, antes que o inferno caia sobre nós, seja por alguns dias ou por um ano ou dois; mas você detesta o fato de que, mais cedo ou mais tarde, o buraco negro vai sugá-lo, até que tudo aquilo que damos como certo seja também sugado".

Tradução de Clarisse Meireles - Créditos da foto: reprodução

Sem comentários:

Mais lidas da semana