Júlio Paulino - @Verdade
Numa
altura em que o discurso do dia é a garantia da segurança alimentar, centenas
de pessoas vivem na incerteza do que vão comer no dia seguinte, nos distritos
de Malema, província de Nampula, e Macomia e Ancuabe, em Cabo Delgado. Porém,
desamparados pelo Governo e à mercê da chuva, alguns camponeses não têm dúvidas
de que, na próxima campanha agrária, a situação poderá piorar. Em algumas
zonas, a fome já começa a torturar dezenas de famílias.
O
camponês Casimiro Ambassa, de 49 anos de idade, morador da aldeia de Manica, no
distrito de Macomia, era um homem optimista na campanha agrícola 2014/2015,
pois ele acreditava numa boa produção na sua pequena machamba de milho,
amendoim, feijão e mandioca. Até porque o agricultor havia pedido um crédito ao
grupo de Poupança e Crédito Rotativo a que pertence, no valor de 10 mil
meticais para aumentar a sua produção. Mas as chuvas intensas que se fizeram
sentir naquele ponto do país transformaram o seu desejo num pesadelo de
proporções gigantescas.
Ambassa
viu impávido a chuva a destruir a sua horta. “Se não é chuva, é seca que
estraga a nossa machamba”, disse. Ele e a família, composta por seis pessoas,
estão sem dinheiro para amortizar a dívida e continuar a produzir para a sua
subsistência. Na verdade, a situação de falta de alimentos está apenas a
começar, não apenas para ele, mas também para centenas de família que vivem da
produção agrícola.
Atija
Selemane, de 36 anos de idade, residente no distrito de Ancuabe, teve também a
sua machamba destruída pelas chuvas. “Não sobrou quase nada”, disse, tendo
acrescentado que “o meu plano era produzir feijão e milho para vender e usar o
dinheiro para terminar a construção da minha casa”.
Presentemente,
Atija contenta-se com uma porção de mandioca que tem sido o sustento da sua
família. Separada, ela cuida sozinha de três filhos. “Se a situação se repetir
no próximo ano, não tenho dúvidas de que morreremos à fome. O pior é que não
temos tido apoio”, afirmou. Mas a agricultora mantém a esperança de que na
próxima campanha possa colher bons frutos.
A
agricultura é o sector considerado a base de desenvolvimento do país; porém, é
das áreas que tem recebido menor financiamento do Governo, não obstante seja o
principal meio de sobrevivência de milhares de moçambicanos.
O
registo de bolsas de fome no norte do país é uma realidade, pois na campanha
agrícola 2014/2015 houve muita chuva que influenciou negativamente a produção.
Grande volume de produtos agrícolas ficou submerso e alguns campos e as suas
culturas, com destaque para milho, mapira, mandioca, feijões, entre outras,
foram arrastadas pela fúria das águas.
De
acordo com Dionísio André Miputeia, um dos agricultores filiados ao Fórum de
Camponeses de Niapaca, em Mutuali, distrito de Malema, na província de Nampula,
a situação tende a piorar.
A
título de exemplo, o milho, cuja venda nas campanhas anteriores não excedia os
100 meticais por cada lata, presentemente está a ser comercializado a entre 250
e 300 meticais, valor que se equaciona venha a subir nos próximos tempos.
Miputeia referiu ainda que pelo menos no que se refere à cultura de milho, que
é a base de sustento das famílias daquela região, a sua procura já é maior que
a oferta, devido à fraca produção.
“Faz
mais de 40 anos que vivo em Malema, concretamente em Mutuali, mas nunca registámos
casos do género. Acredito que no próximo ano haverá fome. Tivemos enormes
machambas, mas as culturas foram arrastadas pelas chuvas intensas que se
fizeram sentir nesta época”, lamentou.
Além
das culturas alimentares, nas províncias de Cabo Delgado e Nampula foi
igualmente arrastada uma área superior a 200 hectares de gergelim, cultura de
rendimento que se destaca pelo seu valor comercial, cujo custo varia entre 35 e
40 meticais o quilograma.
Outras
inquietações com que a população se debate são o elevado custo praticado na
aquisição de sementes e outros insumos agrícolas, falta de mercado com preços
justos nas campanhas de comercialização, assistência pelos técnicos
especializados, como é o caso dos extensionistas agrícolas, entre outros.
Mutuali,
o “celeiro” de Nampula
O
distrito de Malema, sobretudo o posto administrativo de Mutuali, é visto como
um potencial celeiro da província de Nampula. Mas a situação tem vindo a
mostrar que se avizinham momentos difíceis para aquele ponto do país. A região,
com cerca de 52 mil habitantes, que fazem da agricultura a sua base de
sustento, conta com apenas um extensionista agrícola contra os 10 necessários.
À
semelhança de outros postos administrativos e povoados localizados ao longo do
corredor de Desenvolvimento de Nacala, onde os conflitos que envolvem a terra
entre investidores nacionais e estrangeiros têm estado na ordem do dia, e em
Mutuali já começam a surgir casos de usurpação. A população local tem vindo a
exigir do Governo a necessidade de delimitação das suas terras e atribuição do
respectivo Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT), como forma de se
precaver de eventuais casos de expropriação, como aconteceu no povoado de
Uacua, no regulado de Nakaraki onde mais de mil famílias perderam as suas
propriedades para a instalação da AGROMOZ (Agribusiness de Moçambique S.A), uma
sociedade comercial envolvendo a empresa moçambicana Intelec (onde o antigo
Presidente Armando Guebuza tem interesses empresarias), o grupo português
Américo Amorim e um dos maiores detentores de terra no Brasil, a Pinesso.
Um
camponês identificado apenas por Arlindo, residente no povoado de Uacua, no
regulado de Nakarari, da área administrativa do posto administrativo de
Mutuali, refere igualmente que a região já está a ressentir-se de bolsas de
fome, situação que poderá agravar-se nos próximos meses.
Dentre
as várias causas, apontam-se as chuvas excessivas que destruíram as machambas,
agravadas com pelas várias áreas extensas de culturas que foram destruídas
alegadamente pelas pulverizações aéreas no campo da AGROMOZ.
De
recordar que este cenário foi despoletado pela Livaningo, uma organização da
sociedade civil que trabalha nas comunidades em defesa do meio ambiente, mas
até à data não houve compensações, pese embora os autores tenham reconhecido
erros no processo.
Para
Arlindo, falar de financiamentos, assistência técnica por extensionistas,
aquisição de insumos, créditos, mercado para a colocação dos seus produtos
constitui uma miragem. “Depois da produção, percorremos mais de 30 quilómetros
à procura de mercados, e quem determina o preço é o comprador e, não tendo
alternativa, somos obrigados a vender”, disse.
Nampula
projecta incrementar níveis de produção
Não
obstante as bolsas de fome que vêm sendo reportadas no distrito de Malema, o
chefe do Departamento de Extensão Rural na Direcção Provincial de Agricultura e
Segurança Alimentar em Nampula, Ernesto Paule, disse ao @Verdade que aquela
parcela do país vai incrementar os níveis de produção das 7.065.549 toneladas
de diversas culturas da campanha agrícola 2014/2015, para 7.836.705 toneladas
de 2015/2016. Para as áreas de cultivo dos 1,673.903 hectares da última safra,
passará para 1.902.642 hectares.
O
nosso interlocutor reconheceu que o sector que dirige tem um elevado défice de
técnicos extensionistas, razão pela qual se recomenda o redobrar de esforços
dos que se encontram no activo. Neste momento, a província de Nampula dispõe
apenas de 180 técnicos de extensão rural, número muito aquém das necessidades.
O
sector de Agricultura está envolvido na distribuição de enxadas de cabo longo,
em que a meta é fornecer 25 mil unidades, criação de quatro centros de serviços
agrários em igual número de distritos, nomeadamente Malema, Meconta, Angoche e
Ribáuè, que tem em vista promover os volumes de produção e produtividade
agrícola, através de mecanização, numa perspectiva de cadeia de valores, com
destaque para a produção, processamento, comercialização, conservação, entre
outros.
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