Afonso
Camões – Jornal de Notícias, opinião
Aquilo
de Paris dá que pensar, senão é pesadelo. Antecipam-se e falam mais alto as
vozes dos poderosos deste Mundo, e todos gritamos horror! Há muitos mortos e
sangue, sangue nosso. E há medo.
O
medo é o mais barato recurso natural para submeter a cidadania. E é medo que
anda por aí, à solta.
Nas
economias, o medo assume o pseudónimo de mercados, esse papão sem rosto que
submete as democracias. Mas este medo, que volta a acenar de Paris, veste a
pele do monstro, dispara, faz-se explodir, mata, mata mesmo.
É
em nome deste medo que se hão de aperrear mais armas e se hão de reunir os
mesmos poderosos, para decidir levantar muros, estender arame farpado, fechar
fronteiras... limitar a liberdade.
E
é também em nome do medo que crescem as seitas, as organizações racistas,
xenófobas.
Aconteceu
outra vez em Paris, no que podemos considerar o 11 de setembro francês. E até
podemos relativizar: há muitos anos que a Europa, muito antes até dos Estados
Unidos, lida com afloramentos de terrorismo - dos ataques de Munique ao Baader
Meinhof, na Alemanha, às Brigadas Vermelhas italianas, aos atentados de Atocha,
em Madrid, e por aí fora...
Mas
este é um tempo e também uma motivação diferentes. Os atentados cobardes de
anteontem põem-nos, a todos, diante de uma escolha: a liberdade ou a barbárie.
Quem ganha com o medo?
Aconteceu
outra vez em Paris, no país da Europa mais empenhado na luta antiterrorista, no
quadro internacional. Ao intervir na Síria, e também na Líbia e no Sahel, a
França é um alvo privilegiado do Estado Islâmico. É guerra, e guerra é a
disputa de poder e território, e ainda é isso, armas e morte.
Sim,
a França é um país livre. Mas é também verdade que está, com os Estados Unidos
e a Grã-Bretanha, entre os cinco estados do Mundo que mais produzem e mais
ganham com a indústria da guerra, com a produção e venda de armamento que não
serve para outra coisa senão fazer guerras.
Acautelemo-nos!,
prevenia Nietzsche, o filósofo. "Cautela quando lutarmos com monstros,
para que não nos tornemos um, da mesma forma que, se olharmos, durante muito
tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de nós".
Monstros
são coisa de ficção. Na vida real, a máscara dos monstros esconde sempre um
rosto humano, muitas vezes com cara de passar na televisão.
Porque
a vida nos ensina que do outro lado do medo só há liberdade, vêm-me à memória
aquelas primeiras palavras de um novo papa que já tinha diante de si os três
seguintes: "Não tenhais medo!". E era também domingo.
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