Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Com
um surpreendente golpe de ilusionismo, o primeiro-ministro demitido retirou da
cartola nada mais, nada menos do que uma proposta de "revisão
constitucional"! Porquê e com que objetivo? Porque, diz ele, pretende
eliminar a proibição constitucional que impede o Presidente de dissolver a
Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas, nos
primeiros seis meses após a data das eleições! O primeiro-ministro demitido
sabe que para aprovar uma proposta de revisão constitucional precisa do voto
favorável de pelo menos dois terços dos eleitos. Parece, assim, uma ambição
irrealista e desmesurada para quem, ainda na semana passada, se achou demitido
do cargo e viu o seu programa de Governo rejeitado por maioria absoluta, no
Parlamento. É certo que a concretização de um tal desiderato se apresenta,
liminarmente, como inviável. Além disso, alguns dos conselheiros que convocou,
logo o avisaram que a seriedade de um processo de revisão constitucional não
era compatível com "estados de alma" nem arrebatamentos
circunstanciais. Mas o que pretende, então, Passos Coelho se aquilo que o faz
correr "não lhe fica nada bem" nem o leva a lado nenhum?
O
ainda primeiro-ministro não se conforma com a sua inexorável demissão e só
depois de demitido se lembraria de denunciar a suposta "fraude
eleitoral" que o vitimou e - contra a lei, contra a Constituição e contra
todos - vem agora reclamar novas eleições sendo certo como todos se recordam
que sempre, até aqui, se dera por feliz e contente com os resultados obtidos
pela coligação de Direita nas eleições de 4 de outubro. Passos Coelho não se
resigna a largar o poder e nem sequer admite que a falsa vitória que anunciou
em outubro encobria afinal uma incontornável derrota.
É
grave que assim se deixe apodrecer o pouco que restaria de "sentido de
Estado" a esta Direita triste e derrotada. Primeiro, vieram com a
chantagem da "Oposição séria e responsável" a que queriam confinar o
PS. Depois, o fantasma dos "governos de gestão". Agora, a leviandade
de uma revisão constitucional que caso não passasse de mero truque,
significaria a subversão dos equilíbrios constitucionais e da matriz
parlamentar que do nosso regime democrático. É em nome do respeito pela vontade
democrática e da dignidade dos eleitores que o Presidente da República fica
impedido de dissolver o Parlamento nos seis meses seguintes à sua eleição.
Admitir que o Presidente pudesse convocar sucessivos atos eleitorais até
conseguir um resultado do seu agrado, favorável aos seus correligionários,
equivaleria à transformação da democracia representativa numa tirania
presidencial. Coisas demasiado sérias, enfim, para espetáculos de magia e
truques de prestidigitação.
A
democracia é o Governo da maioria e as maiorias constroem-se em torno de
valores, por objetivos comuns, através do diálogo, do confronto, da concertação
de políticas. Foi isto o que fizeram os partidos da Esquerda, com uma
transparência exemplar, ao longo das últimas semanas. Sabemos o que discutiram
e o que acordaram. Tudo foi submetido a rigoroso escrutínio público. Na curta
história da nossa democracia nunca uma negociação política entre partidos foi
exposta com tanta abertura e clareza aos olhos e à crítica dos cidadãos! O que
sabemos da coligação da Direita? Que cedências permitiram ultrapassar a irrevogável
demissão de Portas, na crise de 2013? Que concessões garantiram a formação da
PàF, em 2015? Donde surgiu a ideia peregrina de uma coligação minoritária, em
outubro?
É
através dos atos eleitorais, pelo princípio da caducidade e da renovação
periódica dos mandatos, que se concretiza a responsabilização política dos
representantes e o dever de prestação de contas - para a maioria e para a
minoria, para o Governo e para a Oposição. Os eleitos souberam corresponder à
vontade de mudança política que a esmagadora maioria dos eleitores lhes exigiu
a 4 de outubro.
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