Rafael
Barbosa – Jornal de Notícias, opinião
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Por definição, uma ave de arribação nunca fica muito tempo no mesmo sítio. Não
é certo sequer que arribe, num ano, no mesmo local do ano anterior. É um ser
egoísta, voga ao sabor de interesses exclusivamente particulares, sem prestar
contas, sem preocupações com o impacto que a sua ausência, prolongada ou
definitiva, possa ter sobre o ecossistema.
Um
perfil zoológico que assenta como uma luva a muitos capitalistas que também
protagonizam comportamentos selvagens. É o caso da decisão iminente dos novos
donos da TAP sobre o fim dos voos de longo curso a partir do Aeroporto do
Porto. Como alertou Rui Moreira, em cima da mesa está a concentração dessas
operações em Lisboa, remetendo a aerogare nortenha para o nível de apeadeiro,
com as consequências que isso terá no ecossistema dos negócios e do turismo.
Não foi preciso esperar muito tempo, como se vê, para comprovar as
consequências de transformar uma empresa pública numa empresa privada, ou seja,
uma ave doméstica numa ave de arribação. A TAP é agora livre de trocar o
estuário do Douro pelo do Tejo. E no futuro pela baía de Guanabara. É essa a
natureza das aves e do capital de arribação, alojar-se onde lhes sejam
garantidas maiores probabilidades de reprodução. E é também por essa razão que,
em muitas sociedades evoluídas que optaram pela economia de mercado, há setores
estratégicos que são mantidos na esfera pública, total ou parcialmente. O
alerta de Rui Moreira é importante, mas assenta no equívoco de que o consumidor
tem escolha. Fazer escala em Frankfurt ou Istambul é uma escolha tão má como
fazer escala em Lisboa. Na verdade, nem à TAP devia ser permitido desistir do
Porto, nem o Porto se devia dar ao luxo de desistir da TAP.
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A baía de S. Paio, no estuário do Douro, é um poiso habitual de aves de arribação.
Nem todas, no entanto, têm a graciosidade da garça-real, que por ali aparece no
inverno. Na margem de Gaia, vão nascer três torres de oito e nove pisos. O
projeto inclui nove edifícios, mas é pelos três junto ao rio que a Douro
Habitat - empresa de capital de arribação israelita - quer começar. São os que
têm melhor vista sobre as garças, o que antecipa lucros fabulosos aos
patos-bravos. Uma espécie que gozou da proteção de Luís Filipe Menezes: não só
os premiou com o aumento da área de construção e a possibilidade de
acrescentarem dois andares a cada torre, como permitiu que ocupem leito de
cheia. Decisão que, pasme-se, contou com a autorização da Agência Portuguesa do
Ambiente, cuja única preocupação foi garantir que os prejuízos de futuras
enchentes do Douro sejam "da exclusiva responsabilidade do
requerente". Os patos-bravos também arribaram na Agência do Ambiente. Só
pode ser essa a explicação.
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