Pedro
Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião
Aquilo
que a Direita tem discutido, dentro e fora da Assembleia da República, é a
questão da legitimidade do Governo: um Governo minoritário do Partido
Socialista que conta com o apoio da maioria parlamentar. Trata-se, com
flagrante evidência, de um falso problema. Na perspetiva do direito
constitucional, da ciência política e do mais elementar bom senso - como aliás
é reconhecido pelos espíritos mais lúcidos, até à direita do espetro
político-partidário - não subsiste a menor dúvida sobre a correção da solução
governativa que por fim foi assumida, embora a contragosto, pelo próprio
Presidente da República.
As
democracias constitucionais, na diversidade de modelos em que se
materializaram, exprimem um esforço de aproximação pragmática a uma ideia
utópica: a abolição da diferença entre governantes e governados, traduzida no
princípio constitucional da "soberania popular". No lugar da abolição
dessa diferença inscreve-se o princípio da representação democrática, como
forma de garantir que o Governo corresponda à vontade popular expressa através
do voto livre de todos os cidadãos e que, não podendo satisfazer a totalidade
das preferências expressas, desfrute, ao menos, do apoio da maioria dos
representantes eleitos. É assim que operam as democracias representativas,
através de sucessivas reduções, pela conversão dos votos em mandatos e
substituindo o consentimento unânime pelo debate livre e a vontade da maioria.
Não
se compreende por isso a insistência da coligação de Direita na tese da
"ilegitimidade" deste Governo nem a denúncia de uma suposta
"fraude" que não se vislumbra que possa significar outra coisa senão
a confissão desesperada do seu próprio fracasso. Contudo, por razões de
coerência lógica já se compreenderá que se tenham sentido obrigados a apresentar
agora uma moção de rejeição do programa do Governo, ainda que não passe de mais
um exercício pungente de autoflagelação. Tendo-se obrigado a fazê-lo, porém,
poderão finalmente alcançar o pretexto e a oportunidade para se resignarem às
regras de funcionamento dos sistemas democráticos e assim abandonar, em
definitivo, os argumentos subversivos e irracionais a que têm recorrido,
ditados por sentimentos muito pouco recomendáveis.
Foram
precisos 40 anos para que o Parlamento assumisse, por fim, a plenitude da sua
dimensão democrática. Foi necessária a experiência trágica destes quatro anos
da governação mais reacionária de toda a nossa história democrática para que a
Esquerda se reconciliasse, se entendesse e unisse em torno de um projeto de
governo capaz de responder às aspirações profundas e prementes dos seus
eleitores. Embora não lhes sirva de justificação, é verdade que este
"prodígio" cegou não só a coligação de Direita e o seu Presidente,
como afetou toda uma multidão de "especialistas" e
"comentadores" que apenas recentemente começou a descortinar a
inevitabilidade da nova realidade política que emergiu no nosso quotidiano
político. Como afirmou António Costa perante o Parlamento, este é um "novo
começo". Um "novo começo" que vai continuar a requerer a mesma
coragem e determinação inabalável que permitiu a construção desta aliança
inadiável.
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