domingo, 16 de agosto de 2015

AS DINÂMICAS DA PAZ



Rui Peralta, Luanda

Reflexão

Existem falsas ambivalências, tais como a morte ser o oposto da vida e a Paz ser o oposto da guerra. Por isso, para muitos de nós, a única paz que conhecemos é a dos cemitérios.

A maioria dos povos das regiões periféricas da economia-mundo não conhece a paz, mas sim um período de cessação das hostilidades, a trégua, o interregno, a acalmia, o intervalo. É a ausência de guerra. Nesta situação existe progresso, é certo, mas um progresso que conduz ao asilo dos pobres, á sopa da misericórdia, aos campos de refugiados e às tendas dos Médicos Sem Fronteiras, ou á carne para canhão…Nestes países o Ministério da Guerra em tempo de ausência da mesma, difundem os triunfos, atirados como ossos para ocultar a morte, a miséria e a tragédia a que estas sociedades foram conduzidas. Os discursos sobre a Paz, nestes países, estão inflamados de ódio e cólera, sendo a palavra Paz martelada letra a letra, assim como o som de uma bofetada.

O Homem necessita de Paz, de viver em Paz. A vida de um homem ou de uma mulher não começa após o triunfo sobre o inimigo. Derrotar o inimigo pode ser um passo para a Paz, mas não é a Paz. A alegria de viver, apenas pode ser obtida na Paz efectiva, na Paz como cultura, ou seja na Paz dinâmica e não na paz estática, pantanosa e lamacenta. A cultura da Paz é a Paz da vida e não a paz da morte, pressentida pelo Homem nos cemitérios.

A paz implica o abandono das trincheiras e das armas mas, em contrapartida, obriga-nos a sair para terreno aberto, armados da razão e dos direitos, como indivíduos, classe, povo ou nação. Os que procuram a Paz não se deixam submeter ou manipular. Sabem que a guerra é uma derrota, uma cerimónia de sangue e angustia, uma manifestação irracional de conflitos que apenas a Paz, no final, resolve. A guerra é a hidra do medo, do nosso medo, do medo do Outro, do medo que temos do Outro e do medo que o Outro tem de nós, mas também do medo que sentimos de nós próprios. Quanto á Paz, ao longo de uma linha, encontra-se em qualquer ponto, mas nunca é um ponto de uma linha. É um contínuo impossível de demonstrar pela demarcação dos pontos.

Mas, o que conduz á Paz? O génio. Já a mediocridade é a condição da paz podre e um atalho para a guerra.

Segredos e sussurros

No pântano da paz podre a paz tem o nome de opressão e de servidão, a mediocridade como norma e a submissão como condição. Os Homens dotados de razão e de dignidade não abandonam os seus direitos e recusam a condição do pântano fedorento que os torna semelhantes ao gado, coordenado pelos cães do pastor, que por sua vez é assalariado do proprietário do gado.

Uma das características identificáveis da paz podre é o desconhecimento que os cidadãos revelam sobre os negócios públicos. A coisa pública é tratada como um assunto privado e o cidadão é alienado desse processo através de artimanhas diversas, como a auscultação, a representação e a campanha eleitoral, ou seja na paz podre o cidadão é transformado em súbdito.

Na Paz efectiva o Estado, imbuído da cultura da Paz, defende os bens públicos e proporciona aos cidadãos meios e formas deste defender os seus negócios privados e participar directamente na gestão da coisa pública. Ao não ambicionar os bens alheios o Estado demonstra o seu esforço em manter a Paz e não teme que o eventual inimigo (interno ou externo) conheça os seus desígnios, ocultando-os ao cidadão, em nome da segurança.

Os que tratam secretamente dos negócios públicos é porque se apoderaram do Estado e utilizam o erário público em função dos seus interesses oligárquicos, estendendo armadilhas aos cidadãos, como se estes fossem inimigos. Que o silêncio seja útil ao Estado ninguém o nega, mas nunca ninguém provou que o Estado não possa subsistir sem o segredo. E isto nunca foi provado porque as oligarquias que assumem o controlo do aparelho de Estado e dos aparelhos políticos impedem o aprofundamento democrático, que permite a participação do cidadão em todas as esferas da coisa pública.

Entregar às oligarquias a res publica e procurar direitos e liberdades (bases da Paz) é como evitar um mal menor para admitir um mal maior. A palavra de ordem dos que ambicionam o Poder foi e é que eles, os detentores naturais, são os mais habilitados a tratar dos negócios públicos e que estes devem ser tratados secretamente.

São as coberturas e as camuflagens das oligarquias, para manter o pântano, a trégua e impossibilitar a Paz. E para isso o cidadão é reduzido á condição de súbdito submisso e serviçal.

Continua

PARA LER EM 2050




É estranho que uma época que começou como só tendo futuro tenha terminado como só tendo passado.


Quando um dia se puder caracterizar a época em que vivemos, o espanto maior será que se viveu tudo sem antes nem depois, substituindo a causalidade pela simultaneidade, a história pela notícia, a memória pelo silêncio, o futuro pelo passado, o problema pela solução. Assim, as atrocidades puderam ser atribuídas às vítimas, os agressores foram condecorados pela sua coragem na luta contra as agressões, os ladrões foram juízes, os grandes decisores políticos puderam ter uma qualidade moral minúscula quando comparada com a enormidade das consequências das suas decisões. Foi uma época de excessos vividos como carências; a velocidade foi sempre menor do que devia ser; a destruição foi sempre justificada pela urgência em construir. O ouro foi o fundamento de tudo, mas estava fundado numa nuvem. Todos foram empreendedores até prova em contrário, mas a prova em contrário foi proibida pelas provas a favor. Houve inadaptados, mas a inadaptação mal se distinguia da adaptação, tantos foram os campos de concentração da heterodoxia dispersos pela cidade, pelos bares, pelas discotecas, pela droga, pelo facebook. 

A opinião pública passou a ser igual à privada de quem tinha poder para a publicitar. O insulto tornou-se o meio mais eficaz de um ignorante ser intelectualmente igual a um sábio. 

Desenvolveu-se o modo de as embalagens inventarem os seus próprios produtos e de não haver produtos para além delas. Por isso, as paisagens converteram-se em pacotes turísticos e as fontes e nascentes tomaram a forma de garrafa. Mudaram os nomes às coisas para as coisas se esquecerem do que eram. Assim, desigualdade passou a chamar-se mérito; miséria, austeridade; hipocrisia, direitos humanos; guerra civil descontrolada, intervenção humanitária; guerra civil mitigada, democracia. A própria guerra passou a chamar-se paz para poder ser infinita. Também a Guernika passou a ser apenas um quadro de Picasso para não estorvar o futuro do eterno presente. Foi uma época que começou com uma catástrofe mas que em breve conseguiu transformar catástrofes em entretenimento. Quando uma catástrofe a sério sobreveio, parecia apenas uma nova série. 

Todas as épocas vivem com tensões, mas esta época passou a funcionar em permanente desequilíbrio, quer ao nível coletivo, quer ao nível individual. As virtudes foram cultivadas como vícios e os vícios como virtudes. O enaltecimento das virtudes ou da qualidade moral de alguém deixou de residir em qualquer critério de mérito próprio para passar a ser o simples reflexo do aviltamento, da degradação ou da negação das qualidades ou virtudes de outrem. Acreditava-se que a escuridão iluminava a luz, e não o contrário. 

Operavam três poderes em simultâneo, nenhum deles democrático: capitalismo, colonialismo e patriarcado; servidos por vários sub-poderes, religiosos, mediáticos, geracionais, étnico-culturais, regionais. Curiosamente, não sendo nenhum democrático, eram o sustentáculo da democracia-realmente-existente. Eram tão fortes que era difícil falar de qualquer deles sem incorrer na ira da censura, na diabolização da heterodoxia, na estigmatização da diferença. O capitalismo, que assentava nas trocas desiguais entre seres humanos supostamente iguais, disfarçava-se tão bem de realidade que o próprio nome caiu em desuso. Os direitos dos trabalhadores eram considerados pouco mais que pretextos para não trabalhar. O colonialismo, que assentava na discriminação contra seres humanos que apenas eram iguais de modo diferente, tinha de ser aceite como algo tão natural como a preferência estética. As supostas vítimas de racismo e de xenofobia eram sempre provocadores antes de serem vítimas. Por sua vez, o patriarcado, que assentava na dominação das mulheres e na estigmatização das orientações não heterossexuais, tinha de ser aceite como algo tão natural como uma preferência moral sufragada por quase todos. Às mulheres, homossexuais e transsexuais haveria que impor limites se elas e eles não soubessem manter-se nos seus limites. 

Nunca as leis gerais e universais foram tão impunemente violadas e selectivamente aplicadas, com tanto respeito aparente pela legalidade. O primado do direito vivia em ameno convívio com o primado da ilegalidade. Era normal desconstituir as Constituições em nome delas.

O extremismo mais radical foi o imobilismo e a estagnação. A voracidade das imagens e dos sons criava turbilhões estáticos. Viveram obcecados pelo tempo e pela falta de tempo. Foi uma época que conheceu a esperança mas a certa altura achou-a muito exigente e cansativa. Preferiu, em geral, a resignação. Os inconformados com tal desistência tiveram de emigrar. Foram três os destinos que tomaram: iam para fora, onde a remuneração económica da resignação era melhor e por isso se confundia com a esperança; iam para dentro, onde a esperança vivia nas ruas da indignação ou morria na violência doméstica, no crime comum, na raiva silenciada das casas, das salas de espera das urgências hospitalares, das prisões, e dos ansiolíticos e anti-depressivos; o terceiro grupo ficava entre dentro e fora, em espera, onde a esperança e a falta dela alternavam como as luzes nos semáforos. Pareceu estar tudo à beira da explosão, mas nunca explodiu porque foi explodindo, e quem sofria com a explosões ou estava morto, ou era pobre, subdesenvolvido, velho, atrasado, ignorante, preguiçoso, inútil, louco – em qualquer caso, descartável. Era a grande maioria, mas uma insidiosa ilusão de óptica tornava-a invisível. Foi tão grande o medo da esperança que a esperança acabou por ter medo de si própria e entregou os seus adeptos à confusão. 

Com o tempo, o povo transformou-se no maior problema, pelo simples facto de haver gente a mais. A grande questão passou a ser o que fazer de tanta gente que em nada contribuía para o bem estar dos que o mereciam. A racionalidade foi tão levada a sério que se preparou meticulosamente uma solução final para os que menos produziam, por exemplo, os velhos. Para não violar os códigos ambientais, sempre que não foi possível eliminá-los, foram biodegradados. O êxito desta solução fez com que depois fosse aplicada a outras populações descartáveis, tais como os imigrantes, jovens das periferias, toxicodependentes, etc. 

A simultaneidade dos deuses com os humanos foi uma das conquistas mais fáceis da época. Para tal bastou comercializá-los e vendê-los nos três mercados celestiais existentes, o do futuro para além da morte, o da caridade, e o da guerra. Surgiram muitas religiões, cada uma delas parecida com os defeitos atribuídos às religiões rivais, mas todas coincidiam em serem o que mais diziam não ser: mercado de emoções. As religiões eram mercados e os mercados eram religiões. 

É estranho que uma época que começou  como só tendo futuro (todas as catástrofes e atrocidades anteriores eram a prova da possibilidade de um novo futuro sem catástrofes nem atrocidades) tenha terminado como só tendo passado. Quando começou a ser excessivamente doloroso pensar o futuro, o único tempo disponível era tempo passado. Como nunca nenhum grande acontecimento histórico foi previsto, também esta época terminou de modo que colheu todos de surpresa. Apesar de ser geralmente aceite que o bem comum não podia deixar de assentar no luxuoso bem estar de poucos e no miserável mal-estar das grandes maiorias, havia quem não estivesse de acordo com tal normalidade e se rebelasse. Os inconformados dividiam-se em três estratégias: tentar melhorar o que havia, tentar romper com o que havia, tentar não depender do que havia. Visto hoje, a tanta distância, era obvio que as três estratégias deviam ser utilizadas articuladamente, ao modo da divisão de tarefas em qualquer trabalho complexo, uma espécie de divisão do trabalho do inconformismo e da rebeldia. Mas, na época, tal não foi possível, porque os rebeldes não viam que, sendo produto da sociedade contra a qual lutavam, teriam de começar por se rebelar contra si próprios, transformando-se eles próprios antes de quererem transformar a sociedade. A sua cegueira fazia-os dividir-se a respeito do que os deveria unir e unir-se a respeito do que os devia dividir. Por isso, aconteceu o que aconteceu. O quão terrível foi está bem inscrito no modo como vamos tentando curar as feridas da carne e do espirito ao mesmo tempo que reinventamos uma e outro.  

Porque teimamos, depois de tudo? Porque estamos a reaprender a alimentar-nos da erva daninha que a época passada mais radicalmente tentou erradicar, recorrendo para isso aos mais potentes e destrutivos herbicidas mentais – a utopia.

Brasil. SETE RAZÕES PARA A QUEDA DE POPULARIDADE DE DILMA ROUSSEFF




Conheça os principais motivos para a queda na aprovação da presidente, que superou o recorde negativo de Fernando Collor e é aprovada por apenas 8% dos brasileiros, segundo o Datafolha.

A popularidade da presidente Dilma Rousseff caiu para o pior nível já alcançado por um chefe de Estado brasileiro desde que o Instituto Datafolha começou essa medição.

Na pesquisa divulgada nesta quinta-feira (06/08) pelo jornal Folha de S. Paulo, o governo Dilma é reprovado por 71% dos entrevistados. Apenas 8% consideram o governo bom ou ótimo.

De acordo com o Datafolha, 66% dos entrevistados defendem que o Congresso abra um processo de impeachment da presidente, mas apenas 38% acreditam que Dilma será afastada do cargo.

Até agora, o recordista de impopularidade entre os presidentes avaliados desde 1990 era Fernando Collor de Mello, que às vésperas de seu impeachment, em setembro de 1992, tinha 9% de aprovação e 68% de reprovação.

A DW Brasil lista as sete principais razões que explicam esse recorde negativo de Dilma.

Mau desempenho da economia

Quando o bolso dos cidadãos reclama, fica difícil manter em alta a popularidade de qualquer presidente. E, no Brasil, a situação da economia está especialmente difícil – o país caminha a passos largos para a recessão. "Tem muita gente desesperada e insatisfeita", comenta o cientista político David Fleischer, da UnB.

O Produto Interno Bruto (PIB) está caindo – recuou 0,2% no primeiro trimestre, e o governo espera queda de 1,2% no ano. A inflação, que diminui o poder de compra dos salários, está em alta, com as previsões se aproximando dos 10% ao ano. A taxa de desemprego sobe a cada mês, e especialistas já falam que ela pode alcançar os dois dígitos nos próximos meses.

Tudo isso contrasta fortemente com a situação herdada por Dilma do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No governo Lula, o PIB cresceu, o desemprego caiu, e a inflação estava controlada. O bom desempenho da economia impulsionou a popularidade do ex-presidente.

Escândalo de corrupção na Petrobras

"Dilma é uma pessoa honrada e não está envolvida em corrupção", afirmou recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. E a própria presidente declarou à DW: "Um dos ônus [de combater a corrupção] é acharem que nós é que a fazemos."

Mas, honradez à parte, quando o partido da presidente é apontado como um dos principais beneficiários de um esquema milionário de corrupção numa estatal do porte da Petrobras, é impossível essa situação não respingar na imagem e não se refletir na popularidade do mandatário, seja ele quem for.

E o caso de Dilma tem ainda um agravante: a ligação dela com a Petrobras. A petrolífera é subordinada ao Ministério de Minas e Energia, que Dilma ocupou de 2003 a 2005. Além disso, ela foi presidente do conselho de administração da Petrobras de 2003 a 2010. Quando já era presidente, Dilma escolheu uma pessoa muito próxima para comandar a estatal, Graça Foster, que só deixou o cargo com o início do atual escândalo.

"Ela foi ministra de Minas e Energia, da Casa Civil e depois presidente. Muita gente acha impossível que ela não soubesse o que acontecia", comenta Fleischer, que também destaca não haver sinais de que Dilma tenha lucrado pessoalmente com a corrupção.

Dificuldades na comunicação

Calada, gerentona, durona, inflexível – esses são alguns dos adjetivos que costumam acompanhar a presidente. Dilma está muito longe do estilo carismático e próximo do povo cultivado pelo ex-presidente Lula. No Brasil, carisma faz a diferença para um prefeito, governador ou presidente, e um estilo como o de Dilma não ajuda a melhorar a popularidade de ninguém.

"O governo tem um grave problema de comunicação", comenta o analista político Gaspard Estrada, ligado ao Instituto de Ciências Políticas de Paris. Dilma não gosta de dar entrevistas e passou meses em silêncio. Só há pouco mudou de atitude, falando inicialmente com alguns veículos estrangeiros – entre eles a DW – e depois com a imprensa brasileira.

"Sem declarações, não há como a imprensa repercutir o ponto de vista do governo. Assim o ambiente parece dominado por opiniões da oposição, que sempre tem interesse em falar", diz Estrada.

Já Lula falava regularmente com a imprensa no seu segundo mandato, após um período de silêncio no primeiro. "Lula também ouvia mais os marqueteiros. Dilma é muito convencida de que sabe tudo e que está sempre certa. Marqueteiro tem a vida difícil com ela", diz Fleischer.

Crise política

A crise política pode não ter um efeito direto sobre a popularidade da presidente, mas indiretamente influencia. Sem diálogo com os líderes do Congresso, o governo não consegue aprovar as políticas que deseja para recolocar o país nos trilhos. Como resultado, a economia não deslancha, e o desempenho econômico é crucial para a aprovação de qualquer presidente.

A crise política tem ainda outro efeito: lideranças políticas, mesmo dentro do PT, começam a se afastar da presidente, que fica cada vez mais isolada. "Nenhum político quer se associar seu nome a um presidente com tanta reprovação", comenta Fleischer.

Desgaste do PT no governo

Ser governo desgasta mais a imagem de um partido governante do que ser oposição – essa é uma regra não escrita da política. O PT já está há 13 anos no Palácio do Planalto, e Dilma participa do governo desde o primeiro dia, inicialmente como ministra de Lula e mais tarde como presidente. É natural que parte da queda da popularidade venha do desgaste de ser governo.

Polarização política

O Brasil saiu tão polarizado da última eleição, vencida por Dilma com uma pequena margem, que uma boa parte da população vai simplesmente ser contra a presidente, não importa o que ela faça. E a polarização estimula os movimentos contrários à presidente a sair para as ruas. Protestos em larga escala, como os vistos neste ano no Brasil, também tem um efeito negativo na popularidade de Dilma.

Movimento cíclico

É incomum, em qualquer parte do mundo, um presidente manter um alto nível de popularidade ao longo de um longo período. Mesmo no Brasil, é raro o caso de um presidente que tenha se mantido sempre popular – Lula é exceção e não regra. O sobe e desce da popularidade têm também, portanto, um elemento cíclico natural.

"Raros são os presidentes que não enfrentam uma queda de popularidade. Dilma saiu de um patamar muito alto em 2013, era esperado que o número fosse cair. Atípicos mesmo são presidentes como Lula, que conseguem manter os números altos por tanto tempo", comenta Estrada.

O cientista político Frédéric Louault, da Universidade Livre de Bruxelas, concorda. "Esses números de popularidade, apesar de chamativos pela velocidade com que se consolidaram, muitas vezes são cíclicos, mesmo em outros países da região."

Ele lembra ainda outro aspecto muito característico da democracia brasileira: a centralização na figura do presidente, que passa a ser o responsável por tudo o que acontece, ainda que não governe sozinho o país nem possa resolver todos os problemas sozinho.

"No Brasil, o povo tende a concentrar todas as suas expectativas no presidente, que é uma figura que alimenta a imaginação. Isso é bom para o presidente quando as coisas vão bem, já que as pessoas vão ligar esse bom momento ao governo que está no poder. Mas, quando algumas coisas vão mal, o presidente é responsabilizado por tudo que está acontecendo", afirma Louault.

Alexandre Schossler / Jean-Philip Struck – Deutsche Welle

"Brasileiro fazia vista grossa para corrupção quando economia ia bem"




Especialista argentino Rodrigo Salazar lembra que FHC, Lula e Dilma enfrentaram escândalos, mas afirma que indignação popular só apareceu quando economia piorou. "Eleitor respaldou o PT quando ele dava bons resultados."

A indignação com a corrupção que assola o sistema político brasileiro é seletiva e brota em momentos de declínio econômico. Essa é a opinião do professor argentino Rodrigo Salazar, coordenador do curso de governança e assuntos públicos na unidade mexicana da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO).

Para ele, a maioria dos brasileiros foi extremamente tolerante com irregularidades durante períodos de crescimento econômico nos mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e no início da gestão de Dilma Rousseff.

Confira os principais trechos da entrevista concedida à DW Brasil, a terceira e última da série com especialistas em Brasil e América Latina de todo o mundo. O primeiro entrevistado foi o americano Peter Hakim. O segundo, o austríaco Bernhard Leubolt.

DW Brasil: Como o senhor avalia a situação atual do Brasil?

Rodrigo Salazar: O Brasil, assim como outras democracias da América Latina, ficou mais estável nas últimas décadas, mas o problema é que isso ainda depende muito do estado da economia – e as economias da região ainda continuam vulneráveis.

Um governante pode passar de uma hora para a outra de um cenário em que goza de muita popularidade para outro em que passa a existir um clamor pela sua saída.

A natureza dos regimes presidencialistas na América Latina joga muito peso na figura do chefe do Executivo, que é responsabilizado pessoalmente pelo estado das coisas, em especial na economia. A popularidade de um presidente ainda é muito ligada ao ciclo econômico.

O que estamos presenciando no Brasil é um prenúncio do que vai acontecer em outros países da região, à medida que as economias começarem a ser afetadas pelos problemas da China e pela queda do preço das commodities. O Brasil não é o único, é só o primeiro. O Uruguai, a Argentina e outros países vão experimentar situações semelhantes, que misturam crise econômica com instabilidade política.

Os escândalos de corrupção não estão sendo determinantes para a crise no governo?

FHC, Lula e Dilma – em seu primeiro mandato – enfrentaram escândalos de corrupção, mas a população estava disposta a fazer vista grossa por causa dos bons resultados econômicos. Isso não é uma exclusividade do Brasil, pode ser observado na Argentina, na Bolívia e em outros países.

Quando as coisas vão mal, as pessoas do nada começam a dizer "como é possível que a coisa toda seja administrada dessa maneira, como é possível tanta corrupção?". Esse discurso é muito volátil. E isso piora no caso do PT, que sempre teve em sua história um discurso moralizador. Agora, quando se vê confrontado com seu antigo discurso, vira um alvo fácil da opinião pública.

O atual modelo de presidencialismo de coalizão brasileiro está esgotado ou o problema foi como este governo lidou com esse sistema?

É um modelo que combina um presidencialismo com um sistema partidário muito fragmentado. Bem ou mal, por 30 anos, apesar dos problemas, diferentes governos conseguiram lidar com essa fragmentação. Ele tem algumas virtudes, como deixar claro quem é governo e quem é oposição.

O problema é que muitas das alianças formadas são puramente programáticas. É só ver o caso do PMDB; um partido em que não existe um programa, mas facções e personalidades. Isso abre a porta para o clientelismo em que os governos são obrigados a fazer pactos com o diabo. E isso acaba alimentando um padrão de escândalos de corrupção, em que o governo tem que pagar políticos para conseguir aprovar qualquer coisa e preservar maiorias parlamentares. E, para piorar, o modelo brasileiro se sustenta em alianças que são insustentáveis quando há pressões econômicas.

Por que a política brasileira se tornou tão problemática e polarizada? Existe um clima de ódio na política?

Parece-me que é um fenômeno esperado em uma situação na qual o governo sente o desgaste por causa do declínio econômico. Por anos, quando os presidentes brasileiros eram populares, a oposição não tinha um discurso convincente.

Os eleitores são pragmáticos na América Latina, em especial no Brasil. Não é um eleitorado em sua maioria ideológico, que respaldava o PT pelas suas ideias e pela sua ideologia. Só respaldava o PT quando ele dava bons resultados. Quando isso passa, a oposição enxerga uma oportunidade para tentar reconquistar o terreno político perdido.

Na atual conjuntura está mais fácil para ela encontrar adeptos. Fazem uso de um discurso que já foi feito antes, mas que passa a ser mais atraente. A oposição quer aproveitar o quanto antes, porque Dilma ainda tem mais três anos pela frente. Se eles não agarrarem a oportunidade agora, e promoverem um impeachment, a situação econômica pode melhorar até 2018 e Dilma pode voltar a ser popular – e o momento terá passado, arriscando que Lula ou outro candidato do PT possa ganhar mais uma vez. A oposição sente que é agora ou nunca. Do ponto de vista da direita e da oposição, faz sentido radicalizar agora. Nada garante que o eleitorado vai estar contra o governo em 2018.

O senhor acredita que o impeachment de Dilma pode prosperar?

Parece-me que não. Dilma não é Collor. Ela tem o PT por trás, que é um partido sólido e disciplinado. Essa é a principal diferença. Ela também pode conseguir chegar a um acordo com o PMDB para estabilizar a situação, entregando mais cargos e orçamento. Não parece possível conseguir tantos votos para tirar Dilma.

Alguns oposicionistas apostam que protestos de rua marcados para este mês podem ser o gatilho para forçar o início de um processo de impeachment, como no caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Isso pode se repetir com Dilma?

Talvez, mas teria que ser um cenário de protestos com violência extrema para provocar uma situação em que a própria Dilma chegue a uma conclusão de que não é mais possível continuar. Teria que ser o tipo de coisa que aconteceu na Bolívia e na Argentina nos anos 2000, em que os presidentes saíram por causa da violência generalizada. Mas não parece que esse tipo de coisa vai acontecer no Brasil.

E, se Dilma permanecer, quais são as perspectivas?

Como sempre, um dos principais beneficiados da crise vai ser o PMDB. Por causa da crise econômica, Dilma não tem campo de manobra para expandir os gastos públicos e agradar o eleitorado. Então é possível que a popularidade dela continue baixa. Ela vai ter que procurar uma saída com outros políticos.

E, se as coisas não melhorarem economicamente, em 2018 o Brasil vai liderar uma tendência que vai prevalecer na maioria da América do Sul nos próximos anos: a derrota eleitoral dos partidos que atualmente estão no poder. E, como a maioria dos governos na região é de esquerda, esse vai ser o fim de um ciclo. Forças mais conservadoras vão ganhar. Em países com instituições mais fortes, como o Chile e Uruguai, isso vai ocorrer sem problemas – o governo perde e sai. Mas é possível esperar turbulência na Bolívia e no Equador, onde os governos não estão tão dispostos a deixar o poder.

Jean-Philip Struck – Deutsche Welle

CHINA QUER SABER SE HOUVE NEGLIGÊNCIA EM TIANJIN




O Supremo Tribunal da China anunciou hoje que abriu uma investigação para determinar se houve negligência no caso das explosões no terminal de contentores em Tianjin, na quarta-feira.

"Vamos investigar possíveis atos ilegais, tais como o abuso de poder, negligência nas obrigações ou qualquer prática que constitua um crime", informou o tribunal num comunicado divulgado pela agência oficial de notícias Xinhua.

Até ao momento, nenhum membro do governo local ou da empresa proprietária do armazém, Ruihai International Logistics, foram considerados responsáveis pelo acidente.
Inicialmente, o diretor da empresa e outros funcionários ficaram à disposição da polícia para tentar apurar o que se passou.

O anúncio do tribunal surge quatro dias após a tragédia e após muitos pedidos das famílias das vítimas e da sociedade chinesa para saber o que realmente provocou as explosões, que causaram até agora 112 mortos e, pelo menos, 95 desaparecidos.

A decisão do tribunal também aconteceu depois de os meios de comunicação social locais terem noticiado a hipótese de terem sido cometido irregularidades, como a empresa não ter licença para armazenar produtos químicos perigosos e o terminal estar mais perto de áreas residenciais do que a lei permite, entre outras.

As equipas de resgate limparam hoje centenas de toneladas de restos de cianeto de sódio, químico altamente tóxico, que estavam no armazém, disse hoje o porta-voz do comando militar em Pequim, Shi Luze, em conferência de imprensa em Tianjin.

Shi Luze referiu que os trabalhadores utilizaram peróxido de hidrogénio para neutralizar a toxicidade do cianeto e que estão a ser construídos compartimentos para selar os barris danificados e despejar os que estão intactos.

O porta-voz também disse que foram detetados "níveis seguros de gás prejudicial" perto do local das explosões.

Até agora, não há nenhuma explicação oficial do que aconteceu e nem as autoridades nem a empresa confirmaram o conteúdo específico que estava nos contentores, apesar de já se saber que continham cianeto de sódio e outros produtos químicos perigosos.

Lusa, em Notícias ao Minuto

MACAU AO ESTILO GREGO



PAUL CHAN WAI CHI – Hoje Macau, opinião

Até ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração, pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que semeou”.

Devido ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial para entusiastas dos jogos de fortuna e azar.

Ao mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional, o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora conseguidos.

Entretanto, e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras.

Cria-se assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário?

Após a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários. Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que pertencem.

Há dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado, enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme despesa para os cofres públicos.

Mas até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população. Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa.

As preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas.

Esta falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição, verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais.

Quando as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução.

No caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de falta de reservas financeiras?

A maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP” são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder, acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas através do imposto sobre o jogo.

Porém, a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar as políticas implementadas pelo Governo Central?

Pela conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau?

De forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer, assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão pouco o podem Macau e as suas gentes.

AS RELAÇÕES DESIGUAIS ENTRE JAPÃO E EUA - opinião




A herança mais importante da Segunda Guerra Mundial para o Japão é o fato de o país nunca se ter tornado verdadeiramente independente, escreve o jornalista holandês Karel Van Wolferen na publicação The Japan Times.

Segundo o jornalista, especialista em política, “Tóquio não é livre na tomada de decisões benéficas para o país e para a região”. 

“No início do período pós-guerra, os primeiro-ministros Yoshida Shigeru e Kishi Nobusuke decidiram que a subserviência japonesa, junto com o Tratado de Segurança Japão-EUA, era algo provisório, para respeitar apenas até que o país recuperasse a força.”

Segundo o especialista, os atuais políticos japoneses já não podem imaginar o que é uma política externa independente e mesmo as suas tentativas isoladas de conduzi-la estão destinadas ao fracasso. 

Para ilustrar a sua opinião, Wolferen recorda a tentativa do líder do Partido Democrático japonês, Yukio Hatoyama, de estabelecer relações de vizinhança com a China, que resultou na reação imediata e muito negativa de Washington.

“Hatoyama queria reforçar a cooperação regional com o grupo ASEAN+3 que incluiu a China, Coreia do Sul e Japão. Mesmo antes as eleições que conduziram o Partido Democrático (dos EUA – ed.) ao poder, a secretária do Estado Hillary Clinton deixou claro que fosse qual fosse o partido vencedor, os planos sobre a nova base naval de Okinawa não seriam mudados.”

O autor do artigo opina que, deste modo, os Estados Unidos mostraram que são contra o novo curso político de reformas do novo governo japonês.

Enquanto isso, segundo ele, os militares norte-americanos ficam em Okinawa não para proteger o Japão, mas como a força de combate pronta a ser enviada para o Oriente Médio ou Ásia Central.

O especialista holandês também nota que os EUA raramente prestam atenção mesmo aos políticos japoneses fiéis aos interesses de Washington. Ele argumenta este fato pela página interessante na história – quando Shinzo Abe recebeu a pasta de premiê, em vez de visitar a Rússia e resolver as questões de ilhas Curilas e Senkaku, decidiu seguir a tradição e visitar a Casa Branca primeiramente.

"No entanto, Washington, agindo em seu estilo, mandou Abe ficar na fila e esperar vários meses para ser recebido – devido ao calendário muito apertado do presidente Obama", escreveu Wolferen.

Segundo ele, por um lado, Washington considera o Japão como uma ferramenta na luta pelo domínio da parte ocidental do Pacífico. E por outro — os Estados Unidos querem agir como um inspetor de polícia e garantir que a política no Japão não volta aos anos militaristas de 1930.

O autor do artigo opina que, no futuro próximo, o Japão pode perder um chance tendo em conta as mudanças sérias na infraestrutura da Eurásia, tais como a construção de ferrovias de alta velocidade através da Sibéria, ligando as cidades portuárias da China com portos na Europa.

Sputnik – foto: © AFP 2015


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