domingo, 16 de agosto de 2015

AS DINÂMICAS DA PAZ



Rui Peralta, Luanda

Reflexão

Existem falsas ambivalências, tais como a morte ser o oposto da vida e a Paz ser o oposto da guerra. Por isso, para muitos de nós, a única paz que conhecemos é a dos cemitérios.

A maioria dos povos das regiões periféricas da economia-mundo não conhece a paz, mas sim um período de cessação das hostilidades, a trégua, o interregno, a acalmia, o intervalo. É a ausência de guerra. Nesta situação existe progresso, é certo, mas um progresso que conduz ao asilo dos pobres, á sopa da misericórdia, aos campos de refugiados e às tendas dos Médicos Sem Fronteiras, ou á carne para canhão…Nestes países o Ministério da Guerra em tempo de ausência da mesma, difundem os triunfos, atirados como ossos para ocultar a morte, a miséria e a tragédia a que estas sociedades foram conduzidas. Os discursos sobre a Paz, nestes países, estão inflamados de ódio e cólera, sendo a palavra Paz martelada letra a letra, assim como o som de uma bofetada.

O Homem necessita de Paz, de viver em Paz. A vida de um homem ou de uma mulher não começa após o triunfo sobre o inimigo. Derrotar o inimigo pode ser um passo para a Paz, mas não é a Paz. A alegria de viver, apenas pode ser obtida na Paz efectiva, na Paz como cultura, ou seja na Paz dinâmica e não na paz estática, pantanosa e lamacenta. A cultura da Paz é a Paz da vida e não a paz da morte, pressentida pelo Homem nos cemitérios.

A paz implica o abandono das trincheiras e das armas mas, em contrapartida, obriga-nos a sair para terreno aberto, armados da razão e dos direitos, como indivíduos, classe, povo ou nação. Os que procuram a Paz não se deixam submeter ou manipular. Sabem que a guerra é uma derrota, uma cerimónia de sangue e angustia, uma manifestação irracional de conflitos que apenas a Paz, no final, resolve. A guerra é a hidra do medo, do nosso medo, do medo do Outro, do medo que temos do Outro e do medo que o Outro tem de nós, mas também do medo que sentimos de nós próprios. Quanto á Paz, ao longo de uma linha, encontra-se em qualquer ponto, mas nunca é um ponto de uma linha. É um contínuo impossível de demonstrar pela demarcação dos pontos.

Mas, o que conduz á Paz? O génio. Já a mediocridade é a condição da paz podre e um atalho para a guerra.

Segredos e sussurros

No pântano da paz podre a paz tem o nome de opressão e de servidão, a mediocridade como norma e a submissão como condição. Os Homens dotados de razão e de dignidade não abandonam os seus direitos e recusam a condição do pântano fedorento que os torna semelhantes ao gado, coordenado pelos cães do pastor, que por sua vez é assalariado do proprietário do gado.

Uma das características identificáveis da paz podre é o desconhecimento que os cidadãos revelam sobre os negócios públicos. A coisa pública é tratada como um assunto privado e o cidadão é alienado desse processo através de artimanhas diversas, como a auscultação, a representação e a campanha eleitoral, ou seja na paz podre o cidadão é transformado em súbdito.

Na Paz efectiva o Estado, imbuído da cultura da Paz, defende os bens públicos e proporciona aos cidadãos meios e formas deste defender os seus negócios privados e participar directamente na gestão da coisa pública. Ao não ambicionar os bens alheios o Estado demonstra o seu esforço em manter a Paz e não teme que o eventual inimigo (interno ou externo) conheça os seus desígnios, ocultando-os ao cidadão, em nome da segurança.

Os que tratam secretamente dos negócios públicos é porque se apoderaram do Estado e utilizam o erário público em função dos seus interesses oligárquicos, estendendo armadilhas aos cidadãos, como se estes fossem inimigos. Que o silêncio seja útil ao Estado ninguém o nega, mas nunca ninguém provou que o Estado não possa subsistir sem o segredo. E isto nunca foi provado porque as oligarquias que assumem o controlo do aparelho de Estado e dos aparelhos políticos impedem o aprofundamento democrático, que permite a participação do cidadão em todas as esferas da coisa pública.

Entregar às oligarquias a res publica e procurar direitos e liberdades (bases da Paz) é como evitar um mal menor para admitir um mal maior. A palavra de ordem dos que ambicionam o Poder foi e é que eles, os detentores naturais, são os mais habilitados a tratar dos negócios públicos e que estes devem ser tratados secretamente.

São as coberturas e as camuflagens das oligarquias, para manter o pântano, a trégua e impossibilitar a Paz. E para isso o cidadão é reduzido á condição de súbdito submisso e serviçal.

Continua

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