Rui Peralta, Luanda
Reflexão
Existem
falsas ambivalências, tais como a morte ser o oposto da vida e a Paz ser o
oposto da guerra. Por isso, para muitos de nós, a única paz que conhecemos é a
dos cemitérios.
A
maioria dos povos das regiões periféricas da economia-mundo não conhece a paz,
mas sim um período de cessação das hostilidades, a trégua, o interregno, a
acalmia, o intervalo. É a ausência de guerra. Nesta situação existe progresso,
é certo, mas um progresso que conduz ao asilo dos pobres, á sopa da
misericórdia, aos campos de refugiados e às tendas dos Médicos Sem Fronteiras,
ou á carne para canhão…Nestes países o Ministério da Guerra em tempo de
ausência da mesma, difundem os triunfos, atirados como ossos para ocultar a
morte, a miséria e a tragédia a que estas sociedades foram conduzidas. Os
discursos sobre a Paz, nestes países, estão inflamados de ódio e cólera, sendo
a palavra Paz martelada letra a letra, assim como o som de uma bofetada.
O
Homem necessita de Paz, de viver em
Paz. A vida de um homem ou de uma mulher não começa após o
triunfo sobre o inimigo. Derrotar o inimigo pode ser um passo para a Paz, mas
não é a Paz. A alegria de viver, apenas pode ser obtida na Paz efectiva, na Paz
como cultura, ou seja na Paz dinâmica e não na paz estática, pantanosa e
lamacenta. A cultura da Paz é a Paz da vida e não a paz da morte, pressentida
pelo Homem nos cemitérios.
A
paz implica o abandono das trincheiras e das armas mas, em contrapartida,
obriga-nos a sair para terreno aberto, armados da razão e dos direitos, como
indivíduos, classe, povo ou nação. Os que procuram a Paz não se deixam submeter
ou manipular. Sabem que a guerra é uma derrota, uma cerimónia de sangue e
angustia, uma manifestação irracional de conflitos que apenas a Paz, no final,
resolve. A guerra é a hidra do medo, do nosso medo, do medo do Outro, do medo
que temos do Outro e do medo que o Outro tem de nós, mas também do medo que
sentimos de nós próprios. Quanto á Paz, ao longo de uma linha, encontra-se em
qualquer ponto, mas nunca é um ponto de uma linha. É um contínuo impossível de
demonstrar pela demarcação dos pontos.
Mas,
o que conduz á Paz? O génio. Já a mediocridade é a condição da paz podre e um
atalho para a guerra.
Segredos
e sussurros
No
pântano da paz podre a paz tem o nome de opressão e de servidão, a mediocridade
como norma e a submissão como condição. Os Homens dotados de razão e de
dignidade não abandonam os seus direitos e recusam a condição do pântano
fedorento que os torna semelhantes ao gado, coordenado pelos cães do pastor,
que por sua vez é assalariado do proprietário do gado.
Uma
das características identificáveis da paz podre é o desconhecimento que os
cidadãos revelam sobre os negócios públicos. A coisa pública é tratada como um
assunto privado e o cidadão é alienado desse processo através de artimanhas
diversas, como a auscultação, a representação e a campanha eleitoral, ou seja
na paz podre o cidadão é transformado em súbdito.
Na
Paz efectiva o Estado, imbuído da cultura da Paz, defende os bens públicos e
proporciona aos cidadãos meios e formas deste defender os seus negócios
privados e participar directamente na gestão da coisa pública. Ao não ambicionar
os bens alheios o Estado demonstra o seu esforço em manter a Paz e não teme que
o eventual inimigo (interno ou externo) conheça os seus desígnios, ocultando-os
ao cidadão, em nome da segurança.
Os
que tratam secretamente dos negócios públicos é porque se apoderaram do Estado
e utilizam o erário público em função dos seus interesses oligárquicos,
estendendo armadilhas aos cidadãos, como se estes fossem inimigos. Que o
silêncio seja útil ao Estado ninguém o nega, mas nunca ninguém provou que o
Estado não possa subsistir sem o segredo. E isto nunca foi provado porque as
oligarquias que assumem o controlo do aparelho de Estado e dos aparelhos
políticos impedem o aprofundamento democrático, que permite a participação do
cidadão em todas as esferas da coisa pública.
Entregar
às oligarquias a res publica e procurar direitos e liberdades (bases da Paz) é
como evitar um mal menor para admitir um mal maior. A palavra de ordem dos que
ambicionam o Poder foi e é que eles, os detentores naturais, são os mais
habilitados a tratar dos negócios públicos e que estes devem ser tratados
secretamente.
São
as coberturas e as camuflagens das oligarquias, para manter o pântano, a trégua
e impossibilitar a Paz. E para isso o cidadão é reduzido á condição de súbdito
submisso e serviçal.
Continua
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