Especialista
argentino Rodrigo Salazar lembra que FHC, Lula e Dilma enfrentaram escândalos,
mas afirma que indignação popular só apareceu quando economia piorou.
"Eleitor respaldou o PT quando ele dava bons resultados."
A
indignação com a corrupção que assola o sistema político brasileiro é seletiva
e brota em momentos de declínio econômico. Essa é a opinião do professor
argentino Rodrigo Salazar, coordenador do curso de governança e assuntos
públicos na unidade mexicana da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais
(FLACSO).
Para
ele, a maioria dos brasileiros foi extremamente tolerante com irregularidades
durante períodos de crescimento econômico nos mandato de Luiz Inácio Lula da
Silva (2003-2010) e no início da gestão de Dilma Rousseff.
Confira
os principais trechos da entrevista concedida à DW Brasil, a terceira e última
da série com especialistas em Brasil e América Latina de todo o mundo. O
primeiro entrevistado foi o americano Peter Hakim. O segundo, o austríaco Bernhard
Leubolt.
DW
Brasil: Como o senhor avalia a situação atual do Brasil?
Rodrigo
Salazar: O Brasil, assim como outras democracias da América Latina, ficou mais
estável nas últimas décadas, mas o problema é que isso ainda depende muito do
estado da economia – e as economias da região ainda continuam vulneráveis.
Um
governante pode passar de uma hora para a outra de um cenário em que goza de
muita popularidade para outro em que passa a existir um clamor pela sua saída.
A
natureza dos regimes presidencialistas na América Latina joga muito peso na
figura do chefe do Executivo, que é responsabilizado pessoalmente pelo estado
das coisas, em especial na economia. A popularidade de um presidente ainda é
muito ligada ao ciclo econômico.
O
que estamos presenciando no Brasil é um prenúncio do que vai acontecer em
outros países da região, à medida que as economias começarem a ser afetadas
pelos problemas da China e pela queda do preço das commodities. O Brasil não é
o único, é só o primeiro. O Uruguai, a Argentina e outros países vão
experimentar situações semelhantes, que misturam crise econômica com
instabilidade política.
Os
escândalos de corrupção não estão sendo determinantes para a crise no governo?
FHC,
Lula e Dilma – em seu primeiro mandato – enfrentaram escândalos de corrupção,
mas a população estava disposta a fazer vista grossa por causa dos bons
resultados econômicos. Isso não é uma exclusividade do Brasil, pode ser
observado na Argentina, na Bolívia e em outros países.
Quando
as coisas vão mal, as pessoas do nada começam a dizer "como é possível que
a coisa toda seja administrada dessa maneira, como é possível tanta
corrupção?". Esse discurso é muito volátil. E isso piora no caso do PT,
que sempre teve em sua história um discurso moralizador. Agora, quando se vê
confrontado com seu antigo discurso, vira um alvo fácil da opinião pública.
O
atual modelo de presidencialismo de coalizão brasileiro está esgotado ou o
problema foi como este governo lidou com esse sistema?
É
um modelo que combina um presidencialismo com um sistema partidário muito
fragmentado. Bem ou mal, por 30 anos, apesar dos problemas, diferentes governos
conseguiram lidar com essa fragmentação. Ele tem algumas virtudes, como deixar
claro quem é governo e quem é oposição.
O
problema é que muitas das alianças formadas são puramente programáticas. É só
ver o caso do PMDB; um partido em que não existe um programa, mas facções e
personalidades. Isso abre a porta para o clientelismo em que os governos são
obrigados a fazer pactos com o diabo. E isso acaba alimentando um padrão de
escândalos de corrupção, em que o governo tem que pagar políticos para
conseguir aprovar qualquer coisa e preservar maiorias parlamentares. E, para
piorar, o modelo brasileiro se sustenta em alianças que são insustentáveis
quando há pressões econômicas.
Por
que a política brasileira se tornou tão problemática e polarizada? Existe um
clima de ódio na política?
Parece-me
que é um fenômeno esperado em uma situação na qual o governo sente o desgaste
por causa do declínio econômico. Por anos, quando os presidentes brasileiros
eram populares, a oposição não tinha um discurso convincente.
Os
eleitores são pragmáticos na América Latina, em especial no Brasil. Não é um
eleitorado em sua maioria ideológico, que respaldava o PT pelas suas ideias e
pela sua ideologia. Só respaldava o PT quando ele dava bons resultados. Quando
isso passa, a oposição enxerga uma oportunidade para tentar reconquistar o
terreno político perdido.
Na
atual conjuntura está mais fácil para ela encontrar adeptos. Fazem uso de um
discurso que já foi feito antes, mas que passa a ser mais atraente. A oposição
quer aproveitar o quanto antes, porque Dilma ainda tem mais três anos pela
frente. Se eles não agarrarem a oportunidade agora, e promoverem um
impeachment, a situação econômica pode melhorar até 2018 e Dilma pode voltar a
ser popular – e o momento terá passado, arriscando que Lula ou outro candidato
do PT possa ganhar mais uma vez. A oposição sente que é agora ou nunca. Do
ponto de vista da direita e da oposição, faz sentido radicalizar agora. Nada
garante que o eleitorado vai estar contra o governo em 2018.
O
senhor acredita que o impeachment de Dilma pode prosperar?
Parece-me
que não. Dilma não é Collor. Ela tem o PT por trás, que é um partido sólido e
disciplinado. Essa é a principal diferença. Ela também pode conseguir chegar a
um acordo com o PMDB para estabilizar a situação, entregando mais cargos e
orçamento. Não parece possível conseguir tantos votos para tirar Dilma.
Alguns
oposicionistas apostam que protestos de rua marcados para este mês podem ser o
gatilho para forçar o início de um processo de impeachment, como no caso do
impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Isso pode se repetir com Dilma?
Talvez,
mas teria que ser um cenário de protestos com violência extrema para provocar
uma situação em que a própria Dilma chegue a uma conclusão de que não é mais
possível continuar. Teria que ser o tipo de coisa que aconteceu na Bolívia e na
Argentina nos anos 2000, em que os presidentes saíram por causa da violência
generalizada. Mas não parece que esse tipo de coisa vai acontecer no Brasil.
E,
se Dilma permanecer, quais são as perspectivas?
Como
sempre, um dos principais beneficiados da crise vai ser o PMDB. Por causa da
crise econômica, Dilma não tem campo de manobra para expandir os gastos
públicos e agradar o eleitorado. Então é possível que a popularidade dela
continue baixa. Ela vai ter que procurar uma saída com outros políticos.
E,
se as coisas não melhorarem economicamente, em 2018 o Brasil vai liderar uma
tendência que vai prevalecer na maioria da América do Sul nos próximos anos: a
derrota eleitoral dos partidos que atualmente estão no poder. E, como a maioria
dos governos na região é de esquerda, esse vai ser o fim de um ciclo. Forças
mais conservadoras vão ganhar. Em países com instituições mais fortes, como o
Chile e Uruguai, isso vai ocorrer sem problemas – o governo perde e sai. Mas é
possível esperar turbulência na Bolívia e no Equador, onde os governos não
estão tão dispostos a deixar o poder.
Jean-Philip
Struck – Deutsche Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário