PAUL CHAN WAI CHI – Hoje Macau,
opinião
Até
ao presente momento, o novo Governo da RAEM tem vindo a desempenhar as suas
funções há já mais de oito meses. Porém, mais e mais defeitos têm vindo a ser
identificados, devido a “deficiência genética ou mesmo fraco acompanhamento
médico após o parto”. Visto tratar-se de uma administração que não necessita de
prestar contas a ninguém, as políticas por si formuladas continuam, tal como no
passado, a dar prioridade ao sector empresarial, ao mesmo tempo que inundam a
sociedade com um populismo desmedido, especialmente impulsionado por certos
políticos da chamada oposição democrática. Tendo tudo isto em consideração,
pode-se então afirmar que, até agora, o Governo “tem colhido aquilo que
semeou”.
Devido
ao fracasso das tentativas de transformação estrutural da economia depois da
transferência de poderes, os dirigentes da RAEM têm-se encontrado na
necessidade de depender das receitas provenientes da liberalização da indústria
do jogo, assim como da política de vistos individuais para visitantes oriundos
do continente. Aliado a isto, o enorme crescimento da economia chinesa derivado
por uma série de reformas domésticas tem ajudado a indústria do jogo de Macau a
cimentar a sua posição como um dos mais conhecidos destinos a nível mundial
para entusiastas dos jogos de fortuna e azar.
Ao
mesmo tempo, o território tem-se tornado num dos principais centros para
transferências de capital e nem sempre dirigido a indivíduos de renome. Todo
este dinheiro, proveniente da China, mas de origem duvidosa, tem dinamizado a
economia local, reflectindo-se principalmente no mercado imobiliário, que tem
gozado de um crescimento espectacular. Mesmo estando cientes da aberração
constituída pela nossa estrutura económica, que carece de uma lógica funcional,
o Governo não tem permanecido vigilante nem tão pouco tomado precauções para
tudo isto, optando em vez disso por se orgulhar dos lucros fáceis até agora
conseguidos.
Entretanto,
e não obstante todos os sectores da administração terem vindo a registar cada
vez mais despesas ou, por assim dizer, necessitarem de orçamentos cada vez mais
avultados, vários mega-projectos estruturais têm sido iniciados um após o
outro, apesar de cada um deles conseguir sempre ultrapassar as projecções
orçamentais, assim como a esperada data de conclusão das obras.
Cria-se
assim a impressão de que alguns funcionários públicos não são responsáveis
pelas suas próprias acções, acabando assim estes por desperdiçar o dinheiro dos
contribuintes, além de outros recursos comunitários. Na superfície, Macau está
em alta, embriagado pelas receitas do jogo, mas sempre dependente da boa
fortuna dos vários casinos que operam na região especial. Mas se viermos a
encontrar uma situação em que as receitas obtidas através do imposto cobrado
sobre o jogo, como poderia então a RAEM sobreviver nesse cenário?
Após
a transição de soberania, o número de funcionários públicos empregados pela
RAEM cresceu significativamente, tendo estes gozado igualmente de sucessivos
aumentos salariais derivados das crescentes reservas financeiras oriundas do
imposto sobre o jogo. Mas, com o passar do tempo, a administração viu-se
forçada a realizar ajustes nos contratos estabelecidos com estes funcionários.
Assim, primeiro procederam a mudanças no “Regime das Carreiras dos Dirigentes e
Chefias dos Serviços Públicos”, passando de seguida a analisar todos os
funcionários públicos, agrupados nas respectivas diferentes categorias a que
pertencem.
Há
dois anos atrás, o salário dos titulares de cargos políticos foi reajustado,
enquanto que os benefícios e os salários dos funcionários públicos foram
recebendo aumentos anuais e tudo isto acabou por se materializar numa enorme
despesa para os cofres públicos.
Mas
até com o grande público os nossos governantes têm sido generosos, atribuindo a
todos os residentes uma ajuda pecuniária anual, assim como implementando uma
série de subsídios e revendo em baixa os impostos taxados sobre a população.
Isto faz com que os cidadãos esqueçam os seus problemas, no mínimo uma vez ao
ano quando os cheques pecuniários são distribuídos pela população, e contribui
para uma falsa ilusão de prosperidade eterna. Mas, na realidade, o Governo
pouco ou nada faz para melhorar a situação e toda a conversa sobre a
diversificação da economia não passa de nada mais do que conversa.
As
preocupações imediatas dos nossos dirigentes recaem invariavelmente sobre o
mercado imobiliário, onde muitos funcionários públicos e os seus amigos, ou
abastados homens de negócios, esperam receber lucros avultados como
consequência dos seus investimentos nesta área. Porém, a grande maioria da
população não beneficia da mesma maneira e, na verdade, acaba mesmo por ser
prejudicada pelas rendas elevadas assim como os preços exorbitantes das casas.
Esta
falta de visão e procura de lucros imediatos acaba mesmo por se reflectir por
toda a sociedade, pois as acções indevidas dos nossos governantes acabaram por
imprimir na população uma atitude que espera “receber da vindima sem sequer
semear”, chegando estes a exigir sempre mais e mais subsídios e outras regalias
da parte do Governo. Mesmo quando estes subsídios são colocados à disposição,
verifica-se então uma corrida louca para a obtenção de um lugar na lista de
candidatos. O interesse pessoal e o egoísmo reinam em Macau, chegando mesmo a
fazer hoje em dia parte dos atributos dos residentes locais.
Quando
as receitas do jogo sofrerem uma descida acentuada, vamos certamente encontrar
ressentimento por parte da população local, que através das suas lamentações
vai acabar por obrigar o Governo a apresentar uma série de medidas de contenção
de custos, em virtude de não haver nenhuma outra solução.
No
caso da Grécia, o seu Governo implementou um bom sistema de segurança social de
modo a garantir o voto dos seus apoiantes, mas esta situação criou um défice
estatal que só pode ser remediado através da obtenção de empréstimos da União
Europeia. Ao mesmo tempo, os políticos gregos realizaram um referendo para
enganar os eleitores e exercer pressão sobre os outros estados da comunidade
europeia. Mas mesmo assim os seus líderes foram obrigados a implementar uma
série de medidas de modo a reduzir as despesas do Estado, o que constitui na
verdade um pré-requisito para a obtenção do crédito europeu. O que fariam então
os nossos governantes se a RAEM se encontrasse igualmente numa situação de
falta de reservas financeiras?
A
maior parte dos visitantes que se dirigem aos casinos locais são oriundos da
China continental, enquanto que os jogadores que frequentam os “quartos VIP”
são, na maior parte, abastados homens de negócios do mesmo país. Estes usam
todo o tipo de medidas para ganhar dinheiro no seu país de origem, acabando
depois por investir as suas poupanças através do território de Macau. Se
porventura a China não estivesse a viver a maior campanha anti-corrupção da sua
história ou se não tivessem sido implementadas sérias medidas para impedir a
transacção de capitais através dos cartões da China UnionPay, ou ainda se a
conjectura mundial não tivesse mudado quando Xi Jinping assumiu o poder,
acreditamos os cofres da RAEM ainda poderiam estar cheios de receitas obtidas
através do imposto sobre o jogo.
Porém,
a China sentiu a necessidade de combater a corrupção de forma a garantir a
sobrevivência do Partido Comunista assim como do próprio estado. Conseguiriam
então estes homens de negócios, mas também bons patriotas que amam Macau, mudar
as políticas implementadas pelo Governo Central?
Pela
conquista do dinheiro, existem aqueles que contemplariam até perturbar a
segurança nacional ou a saúde dos funcionários da indústria do jogo e até o
futuro desenvolvimento da RAEM. Se pesquisarmos o paradeiro dos descendentes
desses mesmos indivíduos, quantos deles estarão ainda a residir em Macau?
De
forma a garantir o seu futuro, Macau tem de evitar embarcar pelo caminho
seguido pela Grécia. E, durante este período de redireccionamento, uma pequena
minoria de pessoas com interesses investidos poderia sem dúvida vir a sofrer,
assim como poderiam ficar tristes aqueles habituados “a colher sem sequer
semear”. Mas se a população do território não se livrar do vício que a prende a
este ambiente económico, que mais se assemelha a uma droga, não poderão deter a
clareza intelectual necessária para poder virar uma nova página. Apesar de a
Grécia ser um país conhecido pela sua mitologia, nenhum dos seus cidadãos actuais
pode viver uma vida relaxada como aquela gozada pelos deuses gregos, nem tão
pouco o podem Macau e as suas gentes.
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