sábado, 28 de novembro de 2015

Portugal. SARAR AS FERIDAS



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

1 Portugal tem um novo Governo e as ambições do primeiro-ministro não são poucas. Vai ser difícil, mas é bom para o país que resulte. Nesta altura, é o que todos devemos desejar. A primeira é conquistar pela ação governativa a confiança e a estima eleitoral que lhe escapam pela falta de legitimidade política de que é acusado. A mais relevante é fazer com que o país se reconcilie consigo próprio. Anos de austeridade violenta criaram, de facto, o caldo social propício ao azedume, à inveja, ao fosso entre os que não têm e os que ainda têm alguma coisa, entre velhos e novos, públicos e privados, entre quem tem trabalho e quem não tem.

António Costa disse-o no discurso da tomada de posse. Mas uma coisa é dizer, ser o espelho do que o país sente, outra é conseguir atenuar as desigualdades sociais e dar crescimento ao país, num cenário de conjuntura internacional adversa, que de todo os governos nacionais não controlam. Vai ser preciso muita sorte e o dobro da argúcia. Porque ao primeiro-ministro, já se percebeu, lhe faltará o estado de graça, devido a todos os novos governos quando tomam posse.

E há um outro grande pormenor. As comparações serão inevitáveis. A coligação cessante apanhou um país em cacos. É verdade. E exibe números de crescimento e de melhoria, apesar do tal caldo social. O confronto será rápido entre a tese da austeridade necessária e a das políticas alternativas. Esperemos que ganhe a segunda, para não voltarmos a ter o triplo da primeira.

2 "Malhar no Cavaco" tornou-se um desporto nacional. Sinceramente, alguém esperava que o presidente da República tivesse um discurso diferente? Alguém esperava que não expressasse aquelas que são as suas genuínas preocupações com os caminhos do país? Ninguém. Nem o próprio primeiro-ministro, que ia preparado para responder ponto por ponto às críticas, objeções e alertas de Cavaco Silva. Claro que Costa tinha de levar dois discursos: usou o mais duro.

O presidente da República está de saída. Mas não deixará, até ao fim, de exercer o seu mandato com a responsabilidade própria do político que conhece melhor o país e as instituições do que ninguém. Escusava, sim, de insinuar que se ainda tivesse o poder da dissolução a teria feito. Porque foi Cavaco quem marcou a data das eleições. Quem dominou o tempo político. Mas agora trata-se, tão-somente, de esperar que ele faça o que é expectável, tendo em conta o normal funcionamento das instituições e os poderes que ainda detém. Simples.

Diferente é antecipar deslealdade institucional. E ele referiu-o especificamente. Costa contará com toda a lealdade. Só tem de ser recíproco. Mais simples ainda, se ambos assumirem a moderação necessária, depois destes dias crispados.

*Diretor executivo

Portugal. OE2016 APRESENTADO ASSIM QUE POSSÍVEL. “JÁ SE PERDEU MUITO TEMPO”



“O país precisa de ser governado e não de quezílias institucionais", lê-se numa nota divulgada este sábado pelo governo socialista.

O governo do PS considera que "já se perdeu muito tempo" e apresentará uma proposta de Orçamento do Estado para 2016 "assim que possível", refere uma nota este sábado divulgada pelo gabinete do primeiro-ministro, António Costa.

"O governo apresentará o Orçamento assim que possível. Já se perdeu muito tempo. O país precisa de ser governado e não de quezílias institucionais", lê-se na nota enviada pelo gabinete do primeiro-ministro à agência Lusa.

Lusa, em Jornal i

PORTUGAL EM 12 PENADAS




Romano Prates, Maputo*

AMNÉSIA GAY... ENTRE PORTAS

Agora é assim. Antes, quando eram governo, era o contrário. Atualmente: Centristas dizem que casais gay têm a mesma capacidade para adotar.

Só pode ter sido amnésia, quando eram governo foi a exclusão gay. Nem por terem caso... entre portas se lembraram. Que desfeita, que descaramento, que insistência em praticar a exclusão dos cidadãos. Que falsos.

AMEAÇAS DE CAVACO

Fútil e inútil foi o Cavaco ameaçador no seu discurso da tomada de posse do governo PS. Estaria a ameaçar não promulgar o Orçamento de Estado? Talvez. Estaria a ameaçar o quê? Ao que parece Cavaco pode ficar pendurado porque o Orçamento poderá ser aprovado já com Cavaco fora de cena.

Ora toma. Para quem já é cadáver mas apesar disso continua ressabiado o antídoto é recomendável. Ignorem-no. Cavaco presidente horribilis. Uma vergonha.

DEMOCRACIA NO PODER

Que o PCP prevê "convergências e divergências". Mas há "soluções"Claro que tem de ser assim. É a democracia a funcionar. A democracia no poder. Diálogo sempre. Até porque Portugal já está a vivenciar momentos de democracia como antes nunca viramos. O objetivo é cada vez mais e melhor democracia, mais e melhores entendimentos. São os portugueses que querem. Foram os portugueses que disseram votando como votaram: “Entendam-se e livrem-nos desta matilha da ultra direita” que nos roubou e empobreceu.

FOSSA DE CAVACO ATERRADA, JÁ

Daquele não seria de esperar outro desabafo para assear Cavaco: Ângelo Correia diz que Cavaco Silva tem direito ao "desabafo".

Ângelo devia saber que é missão impossível. A fossa em que Cavaco se meteu há largos tempos, ao se assumir e comportar como presidente só de alguns, dos seus, não pode ser limpa, não é praticável, só resta uma solução: aterrar a fossa como se faz aos pântanos. Depois então já se poderá construir algo de novo, com solidez e estabilidade. A obra já começou.

RESTAURAÇÃO DA SOBERANIA

O governo ido, de Cavaco-Passos-Portas, acabou com feriados que são efemérides que comemoram atos passados da soberania de Portugal. O novo governo vai derrubar a “invasão” da direita antipatriótica repondo os feriados, como deve. Restaura a nacionalidade e a soberania que o governo dos ultra-direita vinha destruindo. Os cortes eliminados e subida do salário mínimo, como podem ler: Programa do PS repõe feriados, elimina cortes e sobe salário mínimo

OS ABAIXO DE ANIMAIS JÁ CAÍRAM

Os animais nossos amigos não são coisas. Pois não. Mas há os que assim não agem e assim não pensam. Temos pena desses por parecerem ser abaixo de animais que já caíram. Os amigos dos animais nossos amigos apoiam o anunciado: Animais vão deixar de ser "coisas", lê-se no Programa do PS.

IGNORE-SE O IGNARO

Cavaco ainda na baila. Desta vez por Jerónimo de Sousa. Mais uma vez: Cavaco teve discurso "de mau perder" na posse de António Costa.

Cavaco não é só mau-perdedor, como sabemos. É mesquinho, vingativo, antidemocrático. Um ignaro, por opção, da má-vida que ditaram aos portugueses. É uma vergonha, que vai continuar a ocupar Belém, por mais uns três meses. Não respeita os portugueses, todos os portugueses. Provas várias nas políticas dos últimos quatro anos. Prova está no discurso de exclusão de um milhão de portugueses eleitores, de caras, e por inerência de mais de dois milhões que votaram PS. Os eleitores PS só não seriam  excluídos se o PS se dispusesse a apoiar o governo Cavaco com Passos e Portas, para continuarem a fazer florir a fome, a miséria e a vender Portugal ao desbarato. Mais três meses em Belém. O antídoto é deixarem-no a falar sozinho ou com a minoria que representa, os da sua preferência mercantilista. Bando dos cifrões. Ignorem-no.
  
AS SAUDADES QUE ELES JÁ TINHAM

Enganaram-se e desenterraram programa do governo que já não é governo. É o que se pode ler: Parlamento enganou-se e publicou programa do governo de... Passos.

Enganaram-se? Adapte-se a letra: “As saudades que já tinham do velho governinho que tão bem tramava o povinho…”
  
ZITARRADAS

Zita Seabra passou-se. Não é novidade. É de quem dá mais. E assim diz-se amiga dos pobrezinhos. Foleira, para não adiantar mais. Até porque nem merece aqui mais carateres. Leiam: "Amigos dos pobrezinhos somos todos, Esquerda deu o que não tínhamos".
  
BLEFANDO

"Cavaco teimou em fazer bluff com os poderes presidenciais"Pois sim. Já sabemos isso. Não foi só este bluff. Aliás, ele é um verdadeiro bluff da política. Basta. Ignorem-no.
  
AI, AI, AI, AI. LIVRA!

O professor Jorge Miranda já está a assustar-nos. E ele sabe das constitucionalidades e poderes de Cavaco como poucos. Avisa: Cavaco mantém poderes e alguns "extremamente importantes".

Querem ver que ainda vai concretizar o golpe de Estado com que a direita sonha e volver este país à desgraça novamente? Ó senhor professor Miranda! Lembrar isso a Cavaco é o mesmo que estar a lembrar ao diabo como pode voltar a fazer a vida negra aos portugueses. Vire para lá essa boca, senhor Jorge Miranda. Credo! Ai, ai, ai, ai. Livra!

SÉRGIO, MONTADO EM 30 MIL

O vendedor de empresas públicas estratégicas continua a dar que falar. Sérigo Monteiro, aliás, Sérgio Montado em 30 mil euros por mês… Mete nojo, leiam se quiserem: Saída de Sérgio Monteiro da CGD continua a ser polémica. É fartar vilanagem.

*Temporariamente em Portugal

O MITO INTERESSEIRO DA “AUTOREGULAÇÃO”



Aos poucos, Estados transferem poder de regulamentar vida econômica e financeira aos “mercados”. Se não for freada, tendência destruirá direitos sociais e natureza

George Monbiot – Outras Palavras - Tradução: Gabriel Filippo Simões - Imagem:Jack Livine

O que os governos aprenderam com a crise financeira? Eu poderia escrever uma coluna falando sobre isso. Ou poderia explicar com uma única palavra: nada.

Na verdade, nada é muito generoso. As lições aprendidas são contra-lições, anticonhecimento, novas políticas que dificilmente poderiam ser melhor concebidas para assegurar a recorrência da crise, dessa vez com acréscimo de impulso e menos remédios. E a crise financeira é apenas uma das múltiplas crises – de arrecadação, gasto público, saúde pública e, acima de todas, ecológica – que as mesmas contra-lições fazem acelerar.

Volte um pouco atrás e você verá que todas essas crises têm origem na mesma causa. Atores com grande poder e alcance global são liberados do império das leis. Isso acontece devido à corrupção fundamental no núcleo da política. Em quase todas as nações, os interesses das elites econômicas tendem a pesar mais na balança dos governos do que os interesses do eleitorado. Bancos, corporações e proprietários de terras exercem um poder enigmático, operando silenciosamente entre os membros da classe política. A governança global está se tornando algo semelhante a uma reunião infinita do Clube de Bilderberg1.

O professor de direito Joel Bakan, num artigo no Cornell International Law Journal, argumenta que dois movimentos alarmantes estão acontecendo simultaneamente. De um lado, os governos vêm revogando leis que restringem a ação de bancos e corporações, sob o argumento de que a globalização enfraquece os Estados, tornando impossível uma legislação efetiva. Como alternativa, eles dizem, nós devemos confiar na autorregulação daqueles que exercem o poder econômico.

Por outro lado, os mesmos governos concebem novas leis draconianas para fortalecer o poder da elite. Às corporações são dados os direitos de pessoas físicas. Seus direitos de propriedade são reforçados. Aqueles que protestam contra elas estão sujeitos ao controle e à vigilância policial. Ah, o poder do Estado continua muito bem a existir – quando é conveniente…

Muitos de vocês já terão ouvido falar sobre a Parceria Transpacífica (TPP) e da proposta da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP). São, supostamente, acordos de comércio – mas pouco têm a ver com comércio e, sim, com poder. Ampliam o poder das corporações, enquanto reduzem o poder dos parlamentos e do Estado de Direito. Tais acordos não poderiam ser melhor concebidos para exacerbar e universalizar nossas múltiplas crises – financeira, social e ambiental. Mas algo ainda pior está por vir, o resultado de negociações conduzidas, mais uma vez, em segredo: um Acordo sobre o Comércio de Serviços (TiSA), cobrindo a América do Norte, a União Europeia, Japão, Austrália e muitas outras nações.

Apenas através do Wikileaks temos alguma ideia do que está sendo planejado. Este acordo poderia ser usado para forçar nações a aceitar novos produtos e serviços financeiros, a aprovar a privatização de serviços públicos e a reduzir os padrões de precaução e provisão. Esta parece ser a maior agressão à democracia arquitetada nas últimas duas décadas. O que significa muito.

O Estado, em sua autoflagelação, proclama que não tem mais poder. Ao mesmo tempo, aniquila sua própria capacidade de legislar – doméstica e internacionalmente. Como se a última crise financeira não tivesse ocorrido, e como se não estivesse ciente de sua causa, o ministro das Finanças britânico, George Osborne, em seu mais recente discurso na Prefeitura de Londres, disse à sua plateia de banqueiros que “a principal exigência na nossa renegociação é que a Europa interrompa a regulação onerosa e prejudicial”. O primeiro-ministro David Cameron vangloriou-se de comandar “o primeiro governo na história moderna que, ao fim de sua legislatura, possui menos regulações em prática do que havia no começo”.

Isso, num mundo de crescente complexidade e onde crescem os crimes corporativos, é pura imprudência. Mas não tenha medo, eles dizem: o poder econômico não precisa se sujeitar ao Estado de Direito. Ele consegue se regular por si próprio.

Alguns de nós há tempos suspeitamos que isso seja uma grande tolice. Mas, até agora, a suspeita era tudo que tínhamos. Esta semana foi publicada o primeiro estudo global sobre autorregulação. Tal estudo foi encomendado pela Britain’s Royal Society for the Protection of Birds2, mas se estende a todos os setores, desde agentes de pequenos empréstimos até criadores de cães. E ele mostra que em quase todos os casos – 82% dos 161 projetos avaliados, medidas voluntárias fracassaram.

Por exemplo, quando a União Europeia buscou reduzir o número de pedestres e ciclistas mortos por veículos, a instituição poderia ter simplesmente votado uma lei instruindo os fabricantes de automóveis a mudar o design dos para-choques e capôs, a um custo aproximado de€30 por carro. Ao invés disso, confiou-se num acordo voluntário com a indústria. O resultado foi um nível de proteção 75% menor do que uma lei teria induzido.

Quando o governo do País de Gales introduziu uma cobrança de 5 centavos para sacolas plásticas, o seu uso foi reduzido em 80% de um dia para outro. O governo inglês afirmou que a autorregulação por parte dos varejistas apresentaria o mesmo efeito. O resultado? Uma grande redução de… 6%. Depois de sete anos desperdiçados, o governo sucumbiu à lógica óbvia e introduziu a cobrança.

Projetos voluntários para coibir a publicidade de junk food para crianças na Espanha, para reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa no Canadá, para economia de água na California, para salvar albatrozes dos barcos de pesca na Nova Zelândia, para a proteção de pacientes de cirurgias plásticas no Reino Unido, para impedir o marketing agressivo de remédios psiquiátricos na Suécia: apenas fracassos. O que o Estado poderia ter feito com uma simples canetada, com baixo custo e de maneira eficiente é deixado de lado em prol de ações desastradas das indústrias que, mesmo quando sinceras, são minadas por aproveitadores e oportunistas.

Em diversos casos, as empresas imploraram por novas leis que elevassem os padrões na indústria. Por exemplo, aqueles que produzem embalagens plásticas para silagem para fazendeiros tentaram fazer com que o governo do Reino Unido elevasse a taxa de reciclagem. Empresas de jardinagem queriam regulamentações para eliminar gradualmente o uso de turfa. Os governos recusaram. Teria sido o resultado de ideologia cega ou escusos interesses próprios – ou ambos? Os maiores doadores de partidos políticos tendem a ser os piores empresários, usando seu dinheiro para manter as más práticas legais (vide o caso Enron).

Como os partidos que eles financiam se curvam aos seus desejos, todos são forçados a adotar seus baixos padrões. Suspeito que os governos, assim como qualquer um, sabem que a legislação é mais eficiente e eficaz que a autorregulação e que por isso mesmo não a empregue.

Imobilizar o eleitorado, liberar os poderosos: essa é a fórmula perfeita para uma crise multidimensional. E nós estamos colhendo seus frutos.

1N. T.: As reuniões do Clube de Bilderberg acontecem anualmente com o objetivo de fomentar os diálogos entre EUA e Europa. A conferência conta com a presença de líderes políticos, acadêmicos, empresários discutindo informalmente tendências globais. A lista dos participantes é divulgada, mas ninguém tem acesso ao conteúdo da conferência. Ver mais em: http://ow.ly/V5rzK.

2 N. T.: Sociedade Real Britânica de Proteção dos Pássaros

A FRANÇA E ISRAEL LANÇAM UMA NOVA GUERRA NO IRAQUE E NA SÍRIA




Thierry Meyssan*

Com uma mão, o governo francês mobiliza todos os seus média para focar a atenção da sua população sobre os atentados de 13 de novembro. Com a outra, ele lança com Israel uma nova guerra no Iraque e na Síria. O seu objectivo não é, mais, o de derrubar o regime laico sírio, nem o destruir o seu exército, mas, agora, o de criar um Estado colonial a cavalo sobre o Iraque e a Síria, gerido pelos Curdos, afim de prender em tenaz os Estado árabes. O sonho de uma potência israelita do Nilo ao Eufrates está de volta.

No G20, Moscovo e Washington impõem corte de financiamento do Daesh

A cimeira do G20, em Antalya (Turquia), preocupou-se é certo com a economia, mas, sobretudo, com a situação no Próximo-Oriente. No decurso da cimeira tiveram lugar numerosas negociações bilaterais, e, nós ignoramos os detalhes do que foi discutido e concluído durante estas conversas particulares.

Entretanto, o presidente russo Vladimir Putin denunciou, sem os nomear, os Estados participantes na conferência que patrocinam o Daesh. Ele mostrou aos seus colegas fotografias de satélite de comboios de camiões-cisterna atravessando a Turquia para vender o petróleo roubado pela organização terrorista no Iraque e na Síria [1]. Publicamente posto em causa o seu financiamento do Daesh (E.I.), o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan acusou o golpe, pelas suas violações das resoluções do Conselho de Segurança. De acordo com o Partido Socialista turco, Bilal Erdoğan (o filho do presidente) dirige pessoalmente este tráfego [2].

Os presidentes Putin e Obama puseram-se de acordo para destruir os camiões-cisterna da família Erdoğan e pôr assim um fim ao tráfico petrolífero. No próprio dia, o U.S. CentralCommand bombardeava, pela primeira vez desde há um ano e meio, os camiões-cisterna no Iraque, enquanto o exército russo destruía uma enorme quantidade deles na Síria [3].

A Rússia e os Estados Unidos forçaram a França a juntar-se a esta operação. Fingindo reagir aos atentados de Paris, o presidente Hollande anunciou, sem corar, que dava ordens aos seus exércitos para bombardear o Daesh na Síria, enquanto o presidente Putin dava, publicamente, instruções aos exércitos russos para se coordenarem com a França e para a tratar «como» um aliado [4]. O presidente francês irá, dentro em breve, reunir-se com os seus homólogos norte-americano e russo.

Parece que foram tomadas disposições efectivas para isolar os 24 estabelecimentos bancários que o Daesh utiliza a partir do Iraque para transferir o dinheiro; disposições que o Sub-secretário de Estado dos E.U., David S. Cohen tentava, em vão, impôr desde há meses [5].

A França e os «falcões liberais» organizam uma nova guerra

Apercebendo-se que deveria retirar o Daesh da Síria, o grupo de Estados, de multinacionais e de personalidades dos EU que organizam a guerra decidiram, então, lançar uma terceira.

- A «Primavera Árabe» (fevereiro de 2011 a janeiro de 2013) fora lançada pelo Departamento de Estado dos EUA. Tratava-se de derrubar os regimes árabes seculares, quer fossem aliados ou resistentes aos EUA, e de substituí-los por ditaduras dos Irmãos Muçulmanos. Depois de terem derrubado os presidentes tunisino e egípcio durante as «revoluções» de Jasmin e de Lótus, foi declarada guerra à Líbia e à Síria (tal como previsto pelo Tratado de Lancaster House, de novembro de 2010), mas as potências coloniais não chegaram a atacar a Argélia (tomada de reféns de In Amenas) 

- A Segunda guerra da Síria (julho 2012 a outubro de 2015) fora lançado pela França, os «falcões liberais» dos E.U. (Hillary Clinton, Jeffrey Feltman, David Petraeus, etc.) e Israel, financiada por um grupo de Estados (Turquia, Catar, Arábia Saudita, etc.) e multinacionais (Exxon-Mobil, KKR, Academi, etc.). Já não se tratava tanto de mudar o regime, mas, sim, de «fazer sangrar» o país e de destruir o seu exército (mais de 100. 000 soldados sírios já morreram lutando contra o terrorismo). Ela chegou ao fim com a intervenção militar da Rússia. 

- A Terceira guerra da Síria (desde 20 de novembro de 2015) está a ser desencadeada por alguns membros do mesmo grupo, desta vez tendo em vista criar um novo Estado no Norte da Síria e do Iraque, de maneira a colocar entre tenazes os Estados Árabes que resistem a Israel [6].

Tendo os organizadores da guerra tomado consciência que não lhes será mais possível continuar a agir contra a Síria acordaram em retomar e continuar o programa que levou à criação do Sudão do Sul, em 2012. Este projecto corresponde ao plano de Alain Juppé (Março de 2011) e ao que foi publicado por Robin Wright (Setembro de 2013), o qual previa que, depois de terem apoiado o Daesh para criar um Sunnistão, conviria criar um Curdistão [7].

Não se trata, mais, nem de uma guerra pretensamente ideológica (Primavera Árabe), nem pretensamente religiosa (Segunda Guerra da Síria), mas, sim, pretensamente étnica.

As operações secretas no terreno

Para fazer isso, eles conseguiram desviar o partido curdo sírio marxista-leninista YPG (agora chamado de «Forças democráticas da Síria») e aliá-lo ao clã Barzani do Iraque. É certo que os dois grupos são curdos, mas, não falam a mesma língua, mataram-se entre si durante a Guerra Fria, e reclamam-se de ideologias diametralmente opostas [8].

De passagem, lembremos que, no momento, o Governo Regional Curdo do Iraque é uma ditadura. O seu presidente Massoud Barzani, um agente da Mossad, colocado no poder pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos, se agarra ao poder desde o fim do seu mandato, em junho de 2013 [9].

Eles pressionaram as «Forças democráticas» (sic) a “curdizar” à força as populações não-Curdas do Norte da Síria (Outubro de 2015), provocando o levantamento de árabes e de cristãos assírios, e a ira de Damasco, mas nenhuma indignação internacional [10]. Também não houve nenhuma reacção, a propósito, aquando da captura dos campos petrolíferos de Kirkuk pelo Governo regional Curdo do Iraque (Verão de 2014), com os olhos da opinião pública internacional só virados para a limpeza étnica praticada pelo Daesh. À época, não só as grandes potências não haviam condenado a guerra de conquista do Governo regional Curdo do Iraque, mas tinham, inclusive, proposto fornecer-lhe directamente armas, sem passar pelo governo central de Bagdad, para pretensamente lutar contra o Daesh.

As partes envolvidas no conflito não confessaram fazer a guerra para criar um Estado colonial de Israel e envolver os Estados árabes resistentes numa tenaz, mas, desde que seja necessário declararão lutar por um Curdistão independente; uma posição grotesca uma vez que o território em causa jamais pertenceu ao Curdistão histórico e que os Curdos são aí largamente minoritários (menos de 30% da população).

A 5 de novembro, a França anunciou o envio do porta-aviões Charles de Gaulle para a zona, alegadamente para lutar contra o Daesh, na realidade para tomar posição tendo em vista a Terceira guerra da Síria [11]. A nave deixou Toulon, o seu porto âncora, a 18 de novembro.

De 13 a 15 de novembro, o Governo regional do Curdistão Iraquiano, apoiado pelas «Forças Democráticas da Síria» expulsaram o Daesh do Monte Sinjar (Iraque). Na verdade, os soldados do Daesh tinham-se retirado deixando apenas 300 homens face a uma coligação de várias dezenas de milhares de soldados. A zona libertada(liberada-br) não foi restituída ao governo iraquiano, mas, sim, anexada pelo Governo regional Curdo do Iraque.

Muito embora finja não apoiar esta operação, e condená-la, a Turquia aprovou-a aquando do Tratado secreto Juppé-Davoutoglu de 2011. Se o pseudo-Curdistão fosse criado, ela não deixaria de para lá expulsar os militantes do PKK.

A resolução 2249 autoriza de facto a nova guerra

A 20 de novembro, a Rússia tentou fazer aprovar, novamente, o projeto de resolução que tinha redigido para a sessão de 30 de setembro, e que ela tinha sido forçada a retirar [12]. Ela modificou o seu texto, quando muito aí incluindo referências aos atentados no Sinai, em Beirute e em Paris, e também mencionando nele o artigo 51 da Carta (direito à legítima defesa). Uma segunda vez ela teve que desistir da sua redacção, e deixar passar uma proposta francesa legalizando toda a intervenção militar contra o Daesh na Síria e no Iraque, o que o Conselho aprovou por unanimidade (Resolução 2249) [13]. Muito embora possa ser interpretada de várias maneiras, a resolução escamoteia de facto a soberania nacional do Iraque e da Síria. Ela autoriza as grandes potências a imiscuir-se lá, desde que elas pretendam estar lutando contra o Daesh [14]. Trata-se, evidentemente, de libertar o Norte da Síria do Daesh, não para o restituir à Síria, mas, sim, para lá proclamar um Estado independente sob autoridade curda.

A Rússia não se opôs a esta resolução e votou-a. Parece que ela deseja, de momento, aproveitar o plano franco-israelita para empurrar o Daesh para fora da Síria sem, no entanto, aceitar o princípio de um pseudo-Curdistão. A criação de um tal Estado não goza de nenhuma legitimidade no Direito internacional (os Curdos da Síria não são oprimidos, gozam, aliás, dos mesmos direitos que os outros cidadãos). Isto reabre a questão dos direitos das minorias já colocado pela criação do Kosovo, pela Otan. Ela encoraja de facto qualquer grupo étnico, qualquer que seja a sua situação política, a reivindicar um Estado independente, o que implica, por consequência, a dissolução da maior parte dos Estados do mundo –-aí incluída a França--- e o triunfo da «globalização».

A reter:

- O Kremlin e a Casa-Branca puseram-se de acordo para cortar os financiamentos do Daesh. Eles bombardearam no Iraque e na Síria os camiões-cisternas da sociedade de Bilal Erdoğan e isolaram os bancos do Daesh. 

- Após a captura dos campos petrolíferos de Kirkouk. em junho de 2014, Israel e a França conseguiram prosseguir com a extensão do território do Governo regional curdo do Iraque (captura dos Montes Sinjar), e, em lançar a conquista de território não-Curdo do Norte da Síria pelo YPG, agora nomeado de «Forças democráticas da Síria». Pensam, a prazo, realizar a fusão das duas entidades e proclamar a independência de um Estado pretensamente Curdo. 

- A criação de um pseudo-Curdistão, em territórios não-Curdos, não tem qualquer suporte legal no Direito internacional. Ela visa unicamente, junto com a do do Sudão do Sul, prender em tenaz os principais Estados árabes (Egipto, Síria e Iraque) para concretizar o sonho de uma potência israelita do Nilo ao Eufrates.

- No mapa, publicado por Robin Wright no New York Times, em 2013, distingue-se o Sunnistão que o Daesh criaria, em junho de 2014, e onde ele proclamaria o Califado, e, o Curdistão que a França e Israel querem agora criar. Deve notar-se que este mapa não prevê nada para os cristãos, os quais deveriam ser, ou transferidos para a Europa, ou exterminados.


*Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Notas
[1] “President Putin Responses to journalists’ questions following the G20 summit” («Respostas do Presidente Putin às questões dos jornalistas a seguir à cimeira do G20»- ndT), Kremlin, November 16, 2015.
[2] “O papel da família Erdoğan no seio do Daesh”, Tradução Alva, Rede Voltaire, 3 de Agosto de 2015.
[3] «L’armée américaine a détruit 116 camions-citernes de l’EI» («O exército americano destruiu 116 camiões-cisternas do E.I.»- ndT), Robert Burns, Associated Press, 16 novembre 2015.
[4] «Syrie : Poutine ordonne d’établir un contact direct avec la France et de la traiter comme un allié» («Síria : Putin ordena estabelecer um contacto directo com a França e de a tratar como um aliado»- ndT),Russia Today, 17 novembre 2015.
[5] “Why Is Money Still Flowing to ISIS?” («Porque Continua o Dinheiro Fluindo para o Daesh?»- ndT), The Editorial Board, The New York Times Sunday Review, October 10, 2015.
[6] “Como Israel pretende relançar a guerra no Levante”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Rede Voltaire, 11 de Maio de 2015.
[7] “Imagining a Remapped Middle East” («Imaginando um Redesenhado Mapa do Médio-Oriente»- ndT), Robin Wright, The New York Times Sunday Review, September 29, 2013.
[8] “O Curdistão e o Califado”, “O «Curdistão», versão israelita”, Thierry Meyssan, Tradução Alva, Al-Watan (Síria), Rede Voltaire, 7 e 14 de Julho de 2014.
[9] « Les Kurdes d’Irak s’opposent à la reconduction de leur président » («Os Curdos do Iraque opõem-se à recondução do seu presidente»- ndT,Réseau Voltaire, 20 août 2015.
[10] « Les États-Unis et Israël débutent la colonisation du Nord de la Syrie» («Os E.U. e Israel iniciam a colonização do Norte da Síria»- ndT), Réseau Voltaire, 1er novembre 2015.
[12] “Russian draft resolution on Counterterrorism”, Voltaire Network, 1 October 2015.
[13] “Resolution 2249 on combating ISIS”, Voltaire Network, 20 November 2015.
[14] «Le Conseil de sécurité adopte une résolution appelant à la lutte contre Daech» («O Conselho de Segurança adopta uma resolução apelando à luta contra o Daesh»- ndT), Centre de Nouvelles de l’Onu, 20 novembre 2015.

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