Domingos
de Andrade – Jornal de Notícias, opinião
1
Portugal tem um novo Governo e as ambições do primeiro-ministro não são poucas.
Vai ser difícil, mas é bom para o país que resulte. Nesta altura, é o que todos
devemos desejar. A primeira é conquistar pela ação governativa a confiança e a
estima eleitoral que lhe escapam pela falta de legitimidade política de que é
acusado. A mais relevante é fazer com que o país se reconcilie consigo próprio.
Anos de austeridade violenta criaram, de facto, o caldo social propício ao
azedume, à inveja, ao fosso entre os que não têm e os que ainda têm alguma
coisa, entre velhos e novos, públicos e privados, entre quem tem trabalho e
quem não tem.
António
Costa disse-o no discurso da tomada de posse. Mas uma coisa é dizer, ser o
espelho do que o país sente, outra é conseguir atenuar as desigualdades sociais
e dar crescimento ao país, num cenário de conjuntura internacional adversa, que
de todo os governos nacionais não controlam. Vai ser preciso muita sorte e o
dobro da argúcia. Porque ao primeiro-ministro, já se percebeu, lhe faltará o
estado de graça, devido a todos os novos governos quando tomam posse.
E
há um outro grande pormenor. As comparações serão inevitáveis. A coligação
cessante apanhou um país em cacos. É verdade. E exibe números de crescimento e
de melhoria, apesar do tal caldo social. O confronto será rápido entre a tese
da austeridade necessária e a das políticas alternativas. Esperemos que ganhe a
segunda, para não voltarmos a ter o triplo da primeira.
2
"Malhar no Cavaco" tornou-se um desporto nacional. Sinceramente,
alguém esperava que o presidente da República tivesse um discurso diferente?
Alguém esperava que não expressasse aquelas que são as suas genuínas
preocupações com os caminhos do país? Ninguém. Nem o próprio primeiro-ministro,
que ia preparado para responder ponto por ponto às críticas, objeções e alertas
de Cavaco Silva. Claro que Costa tinha de levar dois discursos: usou o mais
duro.
O
presidente da República está de saída. Mas não deixará, até ao fim, de exercer
o seu mandato com a responsabilidade própria do político que conhece melhor o
país e as instituições do que ninguém. Escusava, sim, de insinuar que se ainda
tivesse o poder da dissolução a teria feito. Porque foi Cavaco quem marcou a
data das eleições. Quem dominou o tempo político. Mas agora trata-se,
tão-somente, de esperar que ele faça o que é expectável, tendo em conta o
normal funcionamento das instituições e os poderes que ainda detém. Simples.
Diferente
é antecipar deslealdade institucional. E ele referiu-o especificamente. Costa
contará com toda a lealdade. Só tem de ser recíproco. Mais simples ainda, se
ambos assumirem a moderação necessária, depois destes dias crispados.
*Diretor
executivo
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