quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Portugal. O POST SCRIPTUM DE CAVACO



Miguel Guedes – Jornal de Notícias, opinião

Enquanto a clonagem não for um dado científico adquirido, não se pode dizer que Marcelo Rebelo de Sousa será um presidente à imagem de Cavaco Silva. Apesar das dúvidas sobre a agenda política de Marcelo serem mais do que muitas, sustentadas e adensadas pelo seu passado político e por mais de uma década de comentários televisivos curvilíneos, há algo que os diferencia enormemente: Marcelo quer ser amado e Cavaco está-se nas tintas para o amor. A maior prova disso é o veto de Cavaco à adopção por casais do mesmo sexo e às alterações na interrupção voluntária da gravidez e, por outro lado, a garantia dada por Marcelo a Marisa Matias, em debate televisivo, de que promulgaria os dois diplomas. Quando se podia pensar que Marcelo era o post scritptum que Cavaco quis deixar, o presidente que deixa Belém com um índice de impopularidade histórico quis mesmo escrever o seu post scriptum pessoal antes de fechar o livro. Cavaco sai por uma porta pequenina sem se querer esconder.

Cavaco Silva vetou os diplomas no dia de reflexão e anunciou a decisão no dia seguinte às eleições. O seu sentido de oportunidade confunde-se com mero oportunismo mas, na realidade, não se afasta muito da lógica da nomeação meteórica de "boys" antes de um partido deixar o poder. Tem de ser antes que seja tarde. A tumefacção. Lamentavelmente, este post scriptum de Cavaco mexe bem mais do que com "boys and girls" e afecta directamente as famílias e as crianças, deixando intacta a imagem de um homem fora do seu tempo ao deixar o seu espaço.

Com Marcelo na presidência, esqueçam os livros e vamos aos filmes. Curtas. Marcelo ganhou à primeira volta e é o grande vencedor da corrida às Presidenciais-simpatia-2016. Mérito indiscutível de quem fez uma campanha atípica e pela certa, sem boicotar debates e sem que, por vergonha, PSD e CDS desenrolassem as bandeiras da PàF. Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias são dois protagonistas para o presente (ambos com resultados muito relevantes e Marisa com uma campanha sempre em crescendo, onde realmente se falou de política). Maria de Belém atira culpas subvencionadas contra tudo e todos no PS, mas esquece-se de que apresentou a sua candidatura na mesma hora em que António Costa dava uma grande entrevista à televisão. Edgar Silva, indeciso quanto à Coreia do Norte, acabou a noite eleitoral envolvido num "sound byte" macho de Jerónimo de Sousa e com apenas mais 30 000 votos do que Tino de Rans. O PCP foi ao osso da sua militância e Jerónimo de Sousa não deveria ter a sua base social de apoio em tão má conta: uma cara bonita ou "engraçadinha" não altera o sentido de voto de um comunista. Longa-metragem para cinco anos.

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