terça-feira, 29 de março de 2016

A VIRAGEM DO CUITO CUANAVALE



Martinho Júnior, Luanda 

1 – O “apartheid” preparou-se o melhor que pôde para levar a cabo as guerras que encetou por Angola adentro, quando Angola, pela voz do Presidente Agostinho Neto apregoava não só ser“trincheira firme da revolução em África”, como também ia mais longe: “na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”!...

Nessa preparação, visando ultrapassar durante a década seguinte o improviso relativo da Operação Savanah em 1975, o “apartheid” a nível externo contou com conexões que, rompendo o embargo de armas, lhe permitiram obter algumas tecnologias de ponta e a nível interno com meios financeiros mobilizados para a indústria militar, cujas principais capacidades estavam instaladas na ARMSCOR, na SANDOCK-AUSTRAL REUMECH OMC, na KENTRON e na DENEL.

Foi a partir de sua indústria militar que foram absorvidas algumas novidades tecnológicas de ponta, mas também desenvolvidas outras tecnologias inteiramente sul-africanas, dando origem à introdução de novos conceitos de ordem estratégica como de ordem táctica que foram sendo imediatamente introduzidos nos campos de batalha, de onde recolhiam também experiências para introduzir outros novos conceitos.

2 – Foram inúmeras as inovações que a indústria de armamento sul-africana realizou em suporte das guerras do “apartheid”, apesar dos constrangimentos das sanções militares (em alguns casos mera retórica) e entre elas realço:

- Produção em série de veículos de transportes de tropas todo-o-terreno, de várias dimensões, desenhados, construídos com protecção contra as minas e motores Mercedes Benz OM352 produzidos sob licença (Casspir e Buffel); o Buffel foi elaborado a partir de chassi da Unimog;

- Produção em série de blindados ligeiros equipados com artilharia de 60mm, 90mm ou 20mm e motores da General Motors (por exemplo o Eland Mk-7);

- Produção de blindados Ratel (incluindo o Ratel-ZT3, equipados de mísseis anti tanque Ingwe, um sucedâneo do BGM-71 Tow, de fabrico norte-americano);

- Produção em série de peças de artilharia de 155mm (para além de peças de artilharia de 105mm), G-5, que levou à produção do G-6 auto propulsado e com chassis assente em rodas, apropriado para percursos no deserto e na savana;

- Produção de tanques Olifant, com introdução de melhorias a partir do conceito-base dos Centurion britânicos;

- Produção do “unnmannned aerial vehicle” para reconhecimento secreto (“drones” para reconhecimento Denel Dynamics Seeker);

- Produção de helicópteros Oryx (a partir dos Puma franceses);

- Produção de mísseis contra blindados de última geração na segunda metade da década de oitenta (mísseis anti tanque Ingwe, um sucedâneo do BGM-71 Tow, de fabrico norte-americano);

- Seis bombas atómicas.

 A indústria militar sul-africana foi um elemento-chave para contrariar as sanções, os equipamentos produzidos permitiram introduzir novos conceitos tácticos e estratégicos e visavam criar superioridade militar, provocando o prolongar da guerra e com isso permitir a sobrevivência do próprio “apartheid” com seu cortejo de desequilíbrios e injustiças sociais, entre elas a exploração coerciva e desenfreada de mão-de-obra barata na própria África do Sul, bem como o protelamento das independências da Namíbia e do Zimbabwe.

A batalha do Cuito Cuanavale, que alastrou por toda a frente sul de Angola, permitiu no seu início (Operação Saudando Outubro das FAPLA) às South Africa Defence Forces tirar partido de algumas das suas vantagens tácticas e só se assistiu a uma viragem, quando a aliança angolano-cubana introduziu novos armamentos que permitiram partir para o contra ataque.

3 – De entre os novos conceitos introduzidos no campo de batalha, as SADF procuraram superioridade no solo: com blindados que garantiam manobra rápida e segura (com estrutura anti mina), com artilharia de longo alcance adaptada ao terreno e com boa manobrabilidade, com tanques Olifant com níveis elevados de combate, com inovadoras capacidades de luta anti tanque e com um reconhecimento que recorreu não só a um bem treinado e equipado manancial humano, mas também a inovadores “drones”.

A combinação do uso de “drones”, com um excelente nível de reconhecimento apeado, o apoio de helicópteros e o emprego de forças terrestres bem equipadas, permitiu vantagens iniciais no início da batalha do Cuito Cuanavale, quando as FAPLA fizeram a ofensiva sobre a Jamba e as SADF, em socorro de Savimbi, passaram à contra ofensiva (Operações Moduler, a que se seguiram as Operações Hooper e Packer).

Para esse efeito as SADF refizeram o 10º Esquadrão da Força Aérea Sul Africana, que esteve activo primeiro entre 1939 e 1943 (equipado com bombardeiros instalados junto à costa sul-africana), depois reactivado a partir de 25 de Maio de 1944, para os bombardeiros serem utilizados na Síria, na Líbia, no Mar Egeu e por fim na Itália (altura em que findou a sua actividade durante a IIª Guerra Mundial).

O 10º Esquadrão das SAAF, voltou ao activo em Janeiro de 1986, agora equipado com os “drones”Seeker de reconhecimento e de fabrico inteiramente sul-africano, que foram utilizados nas Operações Moduler, Hooper e Packer, ou seja, ao longo de toda a batalha do Cuito Cuanavale, sendo a unidade dissolvida só a 31 de Março de 1991.  

O 10º Esquadrão estava em comunicação com as forças envolvidas em operações no terreno e demonstraram a sua eficácia enquanto guias de fogos de artilharia de longo alcance (G-5 e G-6).

Deste modo a batalha do Cuito Cuanavale assistiu ao primeiro emprego de “drones” da história, ainda enquanto armas de reconhecimento e sem capacidades ainda de ataque ao solo, ou bombardeamento.

 4 – Para garantir a sua superioridade o “apartheid” desencadeou um programa nuclear que produziu 6 bombas atómicas e terá mesmo realizado uma experiência atribuída ao “apartheid” no Índico Sul próximo da Antárctida (a sul das ilhas Prince Edward), experiência que foi detectada pelo satélite Vela 6911, a 22 de Setembro de 1979.

A observação feita pelo Vela 6911, uma vez que gerou controvérsia, foi conhecida a nível internacional, pelo que de então e até ao fim da guerra (que terminou com a batalha do Cuito Cuanavale), havia o risco do “apartheid” utilizar seu poderio nuclear, ainda que estivesse sob constante pressão internacional em função das sanções a que a África do Sul estava sujeita.

De acordo com o Comandante Fidel, o programa de armamento nuclear sul-africano só foi possível com o apoio norte-americano, mas depois da viragem da batalha do Cuito Cuanavale, o“apartheid” perdeu a oportunidade de as utilizar por que entretanto havia perdido finalmente o domínio do ar.

Na sua “Mensaje a los participantes en el XVII Festival Mundial de la Juventud y los Estudiantes en Sudáfrica” de 13 de Dezembro de 2010, o Comandante Fidel revelaria: 

… “Como prueba de la total falta de escrúpulo yanki, es necesario recordar que el Gobierno de Estados Unidos entregó armas nucleares al régimen del apartheid, que los racistas estuvieron a punto de usar contra las tropas cubanas y angolanas, que después de la victoria de Cuito Cuanavale avanzaban en la dirección Sur, donde el mando cubano, sospechando ese peligro, adoptó las medidas y tácticas pertinentes que le daban el dominio total del aire.

Si intentaban usar tales armas, no habrían obtenido la victoria. Pero es legítimo preguntarse: ¿qué habría ocurrido si los racistas sudafricanos hubiesen utilizado las armas nucleares contra fuerzas de Cuba y Angola? ¿Cuál habría sido la reacción internacional? ¿Cómo habría podido justificarse aquel acto de barbarie? ¿Cómo habría reaccionado la URSS? Son preguntas que debemos hacernos”...

5 – Para ultrapassar o nível alcançado pelas SADF no campo de batalha, era necessário introduzir armamento superior ao da bitola utilizada pelas SADF, assim como efectivos frescos, para e passar ao contra ataque.

O pedido de ajuda feito por Angola a Cuba, foi decisivo pois garantiu o manancial requerido e estimulou o volte face da batalha sob o comando do Presidente José Eduardo dos Santos e do Comandante Fidel.

Um dos garantes foi a superioridade aérea conseguida com a introdução de caças-bombardeiros MIG-23 no teatro operacional, o que retirou aos sul-africanos a iniciativa, até por que suas unidades no solo começaram a ficar atascadas nos campos de minas envolvente ao triângulo de Tumpo e sujeitas aos fogos de barragem da artilharia aliada angolana-cubana.

As unidades das SADF perderam capacidade de movimento e nem os pesados Olifant conseguiram romper, pelo que a sua paragem possibilitou desencadear o contra ataque em direcção a Calueque e Menongue, começando a colocar em risco as pistas de aviação das SAAF instaladas no norte da Namíbia, que ficavam à mercê das eventuais incursões dos MIG-23 com as cores angolanas da FAPA/DAA.

Os MIG-23 chegaram mesmo a sobrevoar faixas a norte da Namíbia ocupada pelo “apartheid”.

A viragem da batalha do Cuito Cuanavale estava garantida, a possibilidade das forças angolano-cubanas-namibianas (da SWAPO) entrarem da Namíbia começava a colocar-se e o “apartheid” só tinha como saída reconhecer que já não conseguia ganhar a batalha tecnológica, perdera a iniciativa sem a poder mais recuperar e estava efectivamente a perder a batalha do Cuito Cuanavale, pelo que só tinha uma saída: sentar-se rapidamente à mesa de negociações, cumprir com as Resoluções da ONU e iniciar transformações importantes no ambiente sócio-político da própria África do Sul.

As independências do Zimbabwe e da Namíbia, assim como o fim do “apartheid”, comprovam claramente qual foi o lado vencedor na África Austral a partir do próprio teatro de operações…

Ilustrações:
- Foto do “drone” de reconhecimento Seeker que equipava o 10º Esquadrão das SAAF;
- Ratel ZT3 Ingwe (equipados com mísseis anti tanque, que causaram estragos aos tanques T-55 das FAPLA);
- Duas unidades auto propulsadas G-6, equipadas com canhões de 155mmm.

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