Nuno
Álvaro Dala, de 31 anos, completa hoje 31 dias de greve de fome. Está somente a
cinco dias de distância do recorde estabelecido pelo Luaty Beirão, e a seis
dias de ter cumprido um dia de greve de fome por cada ano do ditador José
Eduardo dos Santos no poder.
Rafael
Marques de Morais (*)
Admiro
a coragem de Nuno Dala. Não está em greve por querer ser livre: já o é. A sua
consciência é livre e o regime, por mais brutal e estúpido que seja, não tem
como ganhar ao Nuno. Nuno Dala deixou de comer porque os serventes do ditador
recusam-lhe o direito de alimentar a sua bebé Joaquina, de 10 meses, de
providenciar para a sua esposa Raquel e os seus irmãos, mantendo o confisco dos
seus cartões de crédito, dos seus bens pessoais.
O
MPLA e o seu presidente construíram esse poder, que oprime e desumaniza os
angolanos, com base na violência, na corrupção e na chantagem. Nem a violência
nem a corrupção têm sido eficazes para vergar o espírito de liberdade que Nuno
Dala, Domingos da Cruz, Nito Alves, Luaty Beirão, Laurinda Gouveia, Rosa Conde,
Osvaldo Caholo, Inocêncio de Brito, Arante Kivuvu, Albano Bingobingo, José
Hata, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Benedito Jeremias, Hitler Jessy
Chiconde, Nelson Dibango, Afonso Matias “Mbanza Hamza” e Sedrick de Carvalho encarnam.
Este
grupo de conjurados, no seu conjunto, já cumpriu mais de 100 dias de greve de
fome. Mesmo encarcerados e maltratados, afirmam-se com dignidade, porque são
livres. José Eduardo dos Santos, juntamente com os seus polícias, os seus
juízes, carrascos e partidários que fazem chantagem com os parcos meios de que
Nuno Dala dispõe para comprar leite para a sua filha bebé revelam o pior da
espécie humana. Podem até vestir fatos caros, assumir poses aristocráticas, mas
não deixam de ser bárbaros, desumanos. É apenas isto que são.
Imagino,
todavia, que Nuno Dala sinta em muitos momentos falta de mais manifestações de
solidariedade. O regime de Dos Santos sente-se empolgado porque, como afirma o
seu actual porta-bocas itinerante, o embaixador Luvualu, o povo não saiu à rua:
“Não existe nenhuma manifestação, não existe nenhum levantamento…”
Acontece
que o povo vive esmagado por uma outra guerra, muito mais devastadora e
silenciosa. Basta atentar-se na contagem diária de mortos que entram e saem das
morgues de Luanda e dos enterros nos principais cemitérios. Por dia, morrem
mais angolanos em Luanda do que nas guerras combinadas da Síria, do Iraque e do
Afeganistão, que constituem os mais violentos lugares do mundo na actualidade.
O povo angolano morre à toa, o povo angolano morre em silêncio. E não reage
porquê?
Porque
o povo angolano não sabe defender-se sem ser pela voz maldita do MPLA e de José
Eduardo dos Santos. Há 40 anos que assim é. O povo é apenas uma massa amorfa
desorientada, sem consciência colectiva para o bem comum. Além disso, também
não revela responsabilidade individual para com o Estado. Os angolanos foram
orientados a defender apenas o MPLA e o seu presidente, com a ilusão de que
estavam a defender a pátria, o Estado angolano. A vida de um cidadão angolano
não tem valor.
Agora,
o povo não tem noção do que seja o Estado. Por isso, por mais pessoas que
morram por falta de cuidados básicos de saúde, não culpam o partido que detém o
poder e o presidente que manda no governo. Os angolanos culpam os enfermeiros,
os médicos, os guardas dos hospitais. No fim, ainda se sentem culpados por não
disporem de meios, económicos ou outros, para corromper o pessoal de saúde, de
modo a que possam salvar os seus entes queridos. Daqui resulta que todos
parecem culpados, excepto os verdadeiros culpados. É assim a todos os níveis da
nossa sociedade.
Não
se pode, por isso, esperar solidariedade deste povo. Tem de se educar o povo a
ser solidário, a ser soberano, a defender a pátria acima de qualquer partido
político e de quem quer que seja o presidente. São os nossos pais, irmãos,
primos, tias, tios, vizinhos que funcionam como as principais forças de
desencorajamento da acção individual a favor da cidadania. É no seio das
famílias que o regime do medo tem os seus principais aliados e que a mudança
encontra mais obstáculos.
O
povo angolano há muito que está perdido. No abismo onde nos encontramos, o
exemplo de Nuno Dala, de Domingos da Cruz, de Osvaldo Caholo e dos seus outros
14 companheiros é o que nos dá esperança. É destes filhos que o povo precisa.
Mais do que pelas palavras, eles inspiram pelos seus actos de sacrifício, pela
sua inabalável liberdade de expressão. Simbolizam e propagam um novo conceito
de liderança cívica e social, sem compromisso com os sectarismos partidários e
a cultura dos chefes que só querem mandar, mas que não têm visão para
encaminhar o povo para o bem comum.
Eles
são os filhos do povo que têm sentido de liberdade e de consciência colectiva.
Eles são os filhos do povo que têm noção de Estado. Eles são os filhos do povo
que rompem com o silêncio do povo, entregando sem medo as suas vidas para que
os papa-vidas do poder, os homens do presidente, possam satisfazer o seu
orgulho em destruir os filhos deste povo que alguma vez disseram defender.
Nuno
Dala, meu irmão, tu és um líder e eu estou contigo. A tua coragem é uma
inspiração. Tens a minha solidariedade, a minha admiração, e por ti lutarei.
(*) Maka Angola, em Folha 8
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