quinta-feira, 7 de abril de 2016

Documentos do Panamá. Hong Kong é via para contornar restrições no continente chinês



A operação "Papéis de Panamá", que revelou um alegado esquema gigantesco de evasão fiscal, evidenciou Hong Kong como um centro de criação de empresas "offshore", utilizadas por chineses do continente para transferir capital além-fronteiras.

Segundo novos dados revelados hoje pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa), os escritórios na China da Mossack Fonseca, a firma de advogados panamiana no centro do furacão, criaram 16.300 empresas de fachada.

O caso reacendeu o debate sobre os meios utilizados pelas classes abastadas da China para salvaguardar as suas fortunas e fugir às restrições cambiais impostas por Pequim.

Devido à proximidade ao continente chinês e à liberdade que caracteriza o seu sistema financeiro, a ex-colónia britânica funcionará mesmo como uma plataforma.

"Os chineses estão a transferir o seu dinheiro para fora devido ao abrandamento da economia", disse à agência France Presse Andrew Collier, diretor do centro de investigação Orient Capital Research, com sede em Hong Kong.

"O mercado imobiliário está em declínio em muitas zonas do país e existe apreensão com a campanha anticorrupção e o impacto que poderá ter na segurança do capital na China", explicou.

Através da subfaturação de bens exportados a partir de Hong Kong ou da subvalorização das importações para a cidade, é possível gerar dinheiro extra, que é depois colocado em contas "offshore", explica Collier.

"Muita gente refere que existem imensas faturas falsas de produtos transacionados entre a China e Hong Kong, e que Hong Kong está a ser utilizado como uma via para retirar capital do país", descreve.

As empresas chinesas podem então obter dinheiro em moedas estrangeiras junto dos bancos chineses, destinado a pagar produtos importados, mas sobrestimando o montante necessário, que é depois movimentando para contas na cidade.

"É muito difícil para um banco distinguir quais faturas são verdadeiras ou falsas", considera Collier.

Pequim limita o montante de capital que pode ser transferido por pessoa além-fronteiras a 50.000 dólares (43.896 euros) por ano, mas através de contas secretas em Hong Kong é possível superar esses valores, explica à AFP o investidor David Webb.

Webb argumenta que a cidade carece de transparência no seu mercado de capitais e nas empresas que aí se registam, em parte porque não quer afastar o negócio alimentado pela China.

"Adotaram a política do 'não perguntes, nem digas nada', sabendo que a epidémica corrupção no continente é a origem de muitos dos negócios", refere.

"Estão preocupados que [mais regulação] reduza a quantidade de negócios e a atratividade de listar empresas em Hong Kong".

A China limita a quantidade de dinheiro que cada turista pode levar para fora do país a um máximo de 20.000 yuan (2.712 euros) e o equivalente a 5.000 dólares (4,387 euros) em moedas estrangeiras.

As restrições geram, entretanto, o fenómeno designado de "mulas do dinheiro": contrabandistas que carregam cintas de notas coladas ao corpo ou em malas através das alfândegas.

Outro esquema envolve a emissão de cheques em moeda estrangeira por bancos ilegais na China em troca de yuan, a moeda chinesa.

Lojas de câmbio em Hong Kong servem também de facilitadores para transferir dinheiro para fora.

"Enquanto maiores são as restrições impostas pelo Estado, em qualquer país, à movimentação de capital, maiores são os fluxos financeiros ilegais", conclui Webb.

JOYP // PJA - Lusa

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