Rui Peralta,
Luanda
I
- O Egipto está preocupado com as incertezas em torno dos objectivos da Etiópia
no que respeita ao armazenamento das águas do Nilo, ou seja, com o projecto
etíope da Grande Barragem Renaissance. A controvérsia continua e são frequentes
os relatórios que demonstram os conflitos em curso – e os latentes – enquanto
tudo indica que a Etiópia está pronta a armazenar água.
As
últimas fotografias via satélite comprovam que a Etiópia está a preparar o
armazenamento, desde que o país tem em funcionamento duas turbinas de
bombeamento de água, de acordo com declarações do vice-presidente do Centro
Regional para os Estudos Espaciais (RCSS, um organismo da ONU), o egípcio Alaa
al-Nahry, que é também representante do Egipto no Comité para usos pacíficos do
Espaço Sideral, que afirmou numa conferência realizada em Dezembro de 2015 que
a Etiópia iniciaria o processo em Junho de 2016, embora não no reservatório
principal.
Entretanto
o ministro egípcio para os Recursos Hídricos e Irrigação, Hossam Moghazi,
contrariou as afirmações de Nahry quando, numa outra conferência de imprensa,
em finais de Janeiro ultimo, referiu que não será iniciado qualquer projecto
enquanto o Egipto e o Sudão não concluírem os estudos técnicos e não reunirem
com a Etiópia. Estas afirmações contradizem não só o representante egípcio do
RCSS como também os estudos efectuados pela Faculdade de Agronomia da
Universidade do Cairo, investigação liderada pelo professor doutor Nader
Noureddine, qua apontam para a Etiópia iniciar a produção de electricidade em
Outubro deste ano.
O
Comité Internacional composto pelos três Estados (Etiópia, Egipto e Sudão),
formado em Agosto de 2014, ainda não assinou os contractos com as empresas de
consultoria técnica que conduzem os estudos sobre o impacto hidráulico, social,
ambiental e económico da barragem. Estes estudos deverão ter uma duração de
cerca de 15 meses e são coordenados pela Universidade de Alexandria. Haitham
Awad, o director do Departamento de Estudos Hidráulicos e de Irrigação da
Universidade de Alexandria, afirmou, em Janeiro, que a Etiópia ainda não
iniciou o processo de armazenamento de água, embora esteja preparada para
iniciar o arranque do processo em qualquer momento.
A
posição do governo egípcio está de acordo com a Declaração de Princípios,
assinada pelos governos etíope, egípcio e sudanês, em Março de 2015. De acordo
com esta declaração nenhum dos três Estados pode iniciar o processo sem acordo
dos restantes. A posição egípcia é fiel á declaração ao considerar que os
estudos têm de ser efectuados e só depois se podem tirar conclusões em relação
a questões como o uso apropriado a dar á água e qual a quantidade de
abastecimento de água e de produção de energia. A posição etíope é
efectivamente contraditória com Declaração de Princípios, pois os etíopes mantêm
os Acordos de Entebe, ratificados em Março de 2010 que o Egipto e o Sudão
rejeitam. Em resposta o Egipto efectuou um acordo de cooperação com a RDC no
projecto de construção da Barragem de Inga (verhttp://paginaglobal.blogspot.pt/2016/04/as-aguas-correm-calmas-no-nilo.html)
Um
olhar desatento faz parecer que os desacordos são meramente técnicos, mas uma
observação mais atenta faz transparecer os conflitos políticos existentes na
região e que estão bem patentes na Declaração de Princípios. Estes factores
estão exemplificados em posições como as ocorridas durante o encontro entre os
três Estados, realizado em Fevereiro último, no qual o Egipto recusou entregar
os mapas fronteiriços e respectivos elementos, às empresas francesas que
efectuarão os estudos. Os mapas referem dados do subsolo da região fronteiriça
entre o Egipto e o Sudão, o Triângulo de Halayeb-Shalateen, uma região
disputada entre os dois países. O encontro terminou sem que se conseguisse
chegar a qualquer acordo com o governo egípcio.
A
única conclusão possível de ser retirada deste projecto é a de que muita água
irá correr até existir – se alguma vez existir – uma posição concertada e de
autêntica cooperação entre os três Estados. Até lá, as ameaças de conflito
permanecem.
II
- Um outro caso de busca de água é o da Arábia Saudita. O reino saudita não tem
rios, lagos ou quedas de água. Metade do território é deserto e tem dos índices
anuais de pluviosidade mais baixa do mundo. Para o agravar a situação
contribuiu a política de auto-suficiência alimentar que gerou um excesso de
consumo de água, um recurso critico para a Arábia Saudita.
Durante
a década de 70 o país iniciou uma política de auto-suficiência alimentar, O
cultivo de trigo, grão e frutas intensificou-se. Em simultâneo a procura
crescente de carne e leite levou á expansão dos pastos e das ganadarias e
vacarias, assim como à subsequente intensificação do cultivo de culturas
essenciais para a alimentação do gado. Em 40 anos o projecto massivo de
cultivar o deserto foi bem-sucedido no que respeita ao asseguramento das
necessidades básicas de alimentos e na transformação da Arábia Saudita num
centro activo de produção alimentar na região do Golfo. Mas todo este processo
foi sustentado pelas reservas aquíferas subterrâneas.
Em
2013, um estudo monitorado pelo Instituto de Recursos Mundiais (WRI) concluiu
que a Arábia Saudita se encontra entre os países que fazem face a uma maior
pressão dos seus recursos renováveis de água. Esta pressão, originada pelo
crescente consumo de água na agricultura e na pecuária, levou o governo saudita
a preocupar-se com a gestão da água e a projectar politicas neste sentido. Em
2008 iniciou-se uma redução do cultivo de trigo, para melhor gerir a água. A
auto-suficiência na produção de trigo foi abandonada e em 2016 o país importa
trigo para satisfazer as suas necessidades de consumo. No mesmo ano de 2008 - e
em sequência desta politica - o rei Abdullah iniciou uma iniciativa que
encorajava os investimentos agrícolas sauditas além-fronteiras, principalmente
em países ricos em água e em recursos agrícolas. Desta forma a Arábia Saudita
asseguraria a sua reserva estratégica assegurando alimentos e água.
Contudo
a decisão de parar com o crescente cultivo de trigo não foi bem entendida pelos
agricultores locais. Muitos substituíram o cultivo de trigo pelo de alfafa, que
consome ainda mais água. Este erro foi corrigido em finais de Dezembro do ano
passado, quando o governo saudita mandou suspender todas as culturas agrícolas
por um período de 3 anos.
Em
contrapartida, para fazerem face á crescente procura de água, os sauditas
recorreram ao processo de dessalinização. 28 unidades foram construídas desde
1969, espalhadas por todo o país, da costa ocidental á costa oriental, no Mar
Vermelho e no Golfo da Arábia. Segundo o relatório anual de 2014 do Ministério
da Água e da Electricidade essas unidades produziram mil 685 milhões de metros
cúbicos de água, sendo 34,5% dessa produção responsabilidade do sector privado
e o restante da SWCC, empresa pública. A água dessalinizada satisfaz 59% das
necessidades de água do país, sendo a restante coberta pelas águas subterrâneas
e pelas barragens. A SWCC, segundo os dados que publicitou em Março deste ano,
referiu que incrementou a produção em 13%.
Esta
opção tem custos energéticos. Em 2013 a produção de um milhão de galões de água
dessalinizada consumiu 15 mil KW/hora de electricidade. O custo da energia
representa cerca de metade do custo de dessalinização. A SWCC, a maior das
empresas de dessalinização, consome o equivalente a 80 milhões de barris de
crude por ano. Estes dados levaram a que as empresas iniciassem processos de
racionalização de energia. Uma das inúmeras opções de efectuar estes processos
é o reaproveitamento energético através das tecnologias térmicas. A aplicação
destas políticas permitiu uma redução energética de cerca de 10% no consumo
energético das unidades de produção de água dessalinizada, em 2018.
As
actuais políticas sauditas neste sector estão perante alterações de diversa
ordem. Os principais desafios prendem-se não só com a topografia, mas
essencialmente com décadas de políticas que se revelaram ineficazes e que
geraram novos problemas. Os desenvolvimentos ocorridos na gestão da água na
Arábia Saudita revelam uma relação entre água e segurança alimentar. Esta
relação obriga a desenhar novas estratégias, que levem em conta os erros do
passado e os efeitos adversos criados pelas políticas anteriores.
Por
outro lado este é um factor-chave que nos pode conduzir a uma nova compreensão
das definições geoestratégicas, geopolíticas e geoeconómicas da Arábia Saudita
e dos Estados do Golfo.
III
- A gestão dos recursos hídricos e hidrográficos é também uma questão-chave
para o desenvolvimento de Angola, em particular no actual momento do país. Os
critérios e parâmetros que deverão definira as estratégias de diversificação da
economia tem de levar em conta, entre outros factores, os relacionamentos
geográficos, ambientais e socioculturais, de forma a permitir uma
sustentabilidade a longo-prazo das políticas de desenvolvimento integrado.
Esta
questão-chave tem de ser colocada em função de uma análise critica e autocritica
das políticas implementadas até ao momento e que geraram emprego não-produtivo,
obstruíram a implementação tecnológica, além de baixos níveis de produtividade
e de criação de um cenário ilusório e surreal, completamente afastado das
realidades económico-sociais nacionais e que apenas são vivíveis aos olhos dos
deslumbrados, que não vêm além do umbigo.
Uma
gestão inteligente dos recursos implica uma cultura de “intelligentzia” que
promova alternativas e viabilize estratégia nacionais de desenvolvimento,
sustentável e solidário, ou seja, que estabeleça políticas de curto, médio e
longo-prazo que sejam efectuadas em função das realidades nacionais e que
conduzam á integração do mercado nacional e á sua internacionalização em
diferentes níveis (regionais, continentais, internacionais, inter-regionais,
intercontinentais e globais), para que o país consiga sair da sua posição
periférica (num continente que é assolado pelas ofensivas das geopolíticas
ocidentais que o atiram cada vez mais para um posicionamento ultraperiférico na
economia-mundo) e assumir os seus objectivos históricos.
Numa
altura em que o paradigma de Rhodes (que mais não é do qua a base da Revolução
Industrial no continente africano, sob a perspectiva do capitalismo ocidental)
assente na premissa do Cabo ao Cairo, inverte o sentido mantendo a rota (do
Cairo ao Cabo), urge um levantamento efectivo dos recursos hídricos e
hidrográficos de Angola e a definição de uma gestão inteligente destes
recursos. Inventariar, estudar, investigar e investir. Promover uma
geoestratégia do desenvolvimento sustentável que seja exemplar para África e
para o mundo.
Talvez
este seja um primeiro passo para a diversificação, não da economia (que já
outros passos foram dados) mas da dignidade….
Fontes
I
II
III
De
Martinho Junior ver:
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