Os
resultados das eleições autárquicas em Cabo Verde reafirmaram o MpD como a
maior força política do país, reforçando-o como a estrutura partidária
dominante nas autarquias. Esses mesmos resultados vêm também mostrar o colapso
do PAICV tanto a nível municipal como nacional. Esta é a análise do cientista
político Daniel Henrique Costa, que é também professor e responsável do
Laboratório de Pesquisa em Ciências Sociais (LPCS) da Universidade de Cabo
Verde. Mas o mesmo acredita que o fortalecimento da liderança autárquica do MpD
com o ganho de mais 18 câmaras pode ter muito a ver com o “efeito contágio” das
legislativas. Outro analista, Corsino Tolentino, defende que o MpD explorou
“indevidamente” a dinâmica das legislativas de 20 de Março, “tentou matar simbolicamente
a autonomia do poder local e quase regressou ao partido único” e o PAICV quase
que desapareceu. Entretanto, ambos acreditam que as responsabilidades na
governação do país e nas câmaras serão maiores, porque além da maioria destas
partilharem a mesma cor partidária bastas vezes se prometeu mais recursos e boa
governação na linha do “Djuntu Nos ê Mas Forti”
Carina
David - A Semana
18
câmaras e respectivas assembleias municipais foram ganhas pelo MpD, duas pelo
PAICV, uma pelo Basta (Boa Vista) e outra pelo Grupo Independente Ribeira Brava
(São Nicolau). A abstenção acima dos 41%, o desequilíbrio nos resultados entre
o MpD e o PAICV, mais o desempenho dos grupos de cidadãos foram as novidades
destas eleições. Segundo Daniel Henrique Costa, esses resultados implicam
responsabilidades tanto na gestão do poder central como do poder local. Como de
resto prometeu Ulisses Correia e Silva durante a campanha eleitoral em que deu
a cara pelos candidatos do MpD.
“A
magnitude dessa vitória impõe grandes responsabilidades a esse partido e seus
eleitos, em termos políticos e administrativos, na gestão da governação local
nos próximos anos. As expectativas já são grandes no seio das populações
locais, mas as exigências e as cobranças por resultados tenderão a aumentar,
muito em função das promessas do próprio MpD. Quanto ao PAICV, a derrota é
estrondosa, deixando esse partido numa situação extremamente frágil na arena
política municipal. Mais: com efeitos negativos em termos da sua pujança
política nacional. Para um partido que governou o país, durante quinze anos,
com três maiorias absolutas, estes resultados traduzem um fracasso nas suas
políticas para os municípios, particularmente quando perde todos os cinco
municípios que criou em 2005. Esta situação exigirá um trabalho político penoso
no sentido de recuperar o espaço perdido.”
Por
sua vez Corsino Tolentino defende que para ambos os partidos a situação é de
desconforto, na medida em que o MpD quase regressou ao partido único e o PAICV
quase que desaparece. “Para um e para o outro, a situação é de desconforto.
Entretanto, o presidente do MpD deu o dito por não dito, e, afinal, vai
relacionar-se com as câmaras municipais nos termos da constituição e da lei, a
presidente do PAICV pôs o lugar à disposição e o futuro do partido em debate.
Tudo recomeça.”
Faca
de dois gumes
Para
esses analistas, este resultado eleitoral pode afigurar-se como uma faca de
dois gumes pois pode gerar consequências que poderão afectar a governação do
país e por conseguinte a do poder local, isto tendo em conta a forma como o
Executivo vai relacionar-se com as diferentes câmaras e vice-versa. “Não
acredito que haja muitas alternativas. Governa-se eficaz ou democraticamente ou
a golpes de arrogância. O MpD explorou indevidamente a dinâmica das
legislativas de 20 de Março, tentou matar simbolicamente a autonomia do poder
local e quase instalou o partido único de facto, através de uma maioria, um
governo, as autarquias e provavelmente um presidente da República. Santa Cruz,
Mosteiros, Boa Vista e Ribeira Brava resistem. Há ainda São Filipe, no Fogo, e
São Vicente, que vão ter de aprender a dialogar, a negociar”, explana Corsino
Tolentino para quem “a facilidade de governar sem democracia não compensa”.
Já
Daniel Costa entende que é um resultado que poderá gerar muitas consequências,
previsíveis e imprevisíveis, que podem ser favoráveis ou desfavoráveis para o
MpD. É que um bom governo local dependerá do desempenho de cada um dos
autarcas, em função das capacidades humanas e técnicas existentes em cada
município e dos recursos financeiros e materiais que estiverem à disposição.
Entretanto, a boa ou má relação com o governo central dependerá da forma como o
governo central avaliar cada governo local e da reputação que cada autarca
construir junto dos munícipes e das autoridades centrais, defende.
“Como
eu já tinha dito antes o facto de o MpD ter ganho a esmagadora maioria das
câmaras impõe muita responsabilidade ao MpD, a nível local e a nível nacional.
A forma como o MpD vai governar dependerá do desempenho de cada um dos níveis e
das relações que se estabelecerão entre os dois níveis. A imagem de um bom
governo do MpD vai depender muito, também, do desempenho dos seus autarcas.
Sabemos que boa parte da história política recente do municipalismo
cabo-verdiano ficou marcada por relações de crispações políticas entre o
governo central e os municípios. Algumas vezes, inclusive, em casos em que os
poderes locais e centrais são comandados por elementos do mesmo partido
político. Ulisses Correia e Silva esteve a patrocinar os candidatos do MpD
durante as campanhas autárquicas, prometendo que trabalhem junto e prometendo
disponibilizar mais recursos.”
Impacto
no futuro do MpD
Detendo-se
sobre como estes resultados vão influenciar no futuro da liderança dos dois
partidos, Corsino Tolentino afirma que “o MpD tem direito ao seu momento de
graça, precisa de tempo para conhecer Cabo Verde, para começar a tirar proveito
das coisas boas da terra e resolver os problemas”. Mas “governar este país é
sobretudo viabilizá-lo, o que nunca foi fácil”, avisa.
Por
sua vez Costa acredita que além do aumento do seu peso político nacional, a
figura de Ulisses Correia e Silva sai reforçada. “Para o MpD, estes resultados
constituirão um reforço para o ânimo nas suas estruturas internas e nas suas
bases sociais de apoio, reafirmando-se como partido dominante na arena
municipal em Cabo Verde, traduzindo-se no aumento do seu peso político
nacional. Mas, particularmente para Ulisses Correia e Silva, significa um ganho
adicional de autoridade política (um combustível) necessário para ele reforçar
a afirmação da sua liderança interna no MpD e na governação do país. Ulisses
Correia e Silva vê a sua reputação reforçada no seio do partido e, por isso, é
muito provável que não venha a ter concorrentes na próxima convenção do MpD,
por isso, facilmente renovará o seu mandato.”
Repensar
o PAICV
O
PAICV continuou nestas eleições a tendência decrescente que iniciou nas
legislativas. O partido teve o seu pior resultado de sempre ao baixar de oito
para duas câmaras, deixando o MpD arrebatar-lhe de uma só vez seis câmaras.
Este desaire soma-se ainda a um partido dividido desde o processo de escolha
dos candidatos à Presidencial de 2011 e que se agudizou com a recente eleição
de Janira Hopffer Almada.
Para
muitos, o estado deste PAICV mostra a descaracterização da sua génese e
ideários enquanto estrutura partidária. Corsino Tolentino vai mais longe, ao
defender que o PAICV actual não é um partido político. “O PAICV actual não é um
partido político, porque este implica, além da liderança, um conjunto de
valores, objectivos e estratégias que visem influenciar o destino de um povo
indefinidamente. Há que reunir os membros da organização para eles descobrirem
o que os une e qual será a sua missão. Talvez, nessa altura, voltemos a falar
de partido político”.
O
analista advoga que o PAICV tem agora uma grande oportunidade de “limpar o
caminho” para fazer a travessia no deserto. “Ou Vai ou Racha. Eu acredito que
os militantes vão conseguir limpar o caminho do futuro. Saberemos daqui a seis
meses”.
Conforme
o académico Daniel Costa, tudo isso é o resultado das falhas da governação do
último mandato do PAICV mas também da cisão do partido desde 2011 que se
agravou na eleição interna do partido. “Acredito que a tendência eleitoral
decrescente do PAICV começa a surgir em decorrência de um conjunto de factos
políticos e governativos durante o seu último mandato na governação do país.
Primeiro, devido à divisão interna verificada durante o processo de escolha de
candidatos a apoiar para as eleições presidenciais de 2011, gerando a desmobilização
de boa parte de militantes e dirigentes políticos. Segundo, devido a diversos
erros políticos e problemas na gestão de projectos de infraestruturação que
envolviam milhões de contos e que levantaram problemas de transparência e
suspeições de corrupção financeira. Por fim, terceiro, devido à nova divisão
interna verificada durante o último congresso do partido, gerando mais uma vez
a desmobilização de militantes e dirigentes durante as eleições legislativas.
Mas, de uma forma geral, a queda eleitoral do PAICV deve-se no essencial à
avaliação tendencialmente negativa feita pelo eleitorado ao longo do último
mandato”.
O
mesmo defende que o partido terá de reavaliar as suas dinâmicas internas, em
termos de disputas por liderança. “Ou optar por uma, já há muito propalada,
união de forças e sensibilidades, pacificando a animosidade interna; ou então
poderá optar por manter e mesmo reforçar as lutas internas entre as
sensibilidades e com isso agudizando a crise interna e fragilizando-se ainda
mais na arena política e eleitoral, enquanto principal partido da oposição, até
que surja um líder (ou uma líder) alternativo forte e capaz de, respeitando o
pluralismo interno, congregar e unir efectivamente o partido nos propósitos de
reerguer-se política, organizacional e eleitoralmente. Por outro lado, para o
PAICV os resultados ditaram a reacção da Janira”.
Liderança
do PAICV em xeque
A
liderança do PAICV saiu ainda mais fragilizada destas eleições autárquicas e
teve de colocar o cargo à disposição. É que Janira Hopffer Almada foi posta à
prova e mais uma vez fracassou - além de perder as legislativas, volta a perder
as autárquicas e o seu partido não tem candidato presidencial. Este cenário
abre a possibilidade de uma disputa à liderança do partido, tal como o A Semana
já tinha desenhado numa das suas edições (nº 1243). Corsino Tolentino defende
que este era o mínimo que a presidente do PAICV podia fazer nessas
circunstâncias. “Não creio que ela tenha tido o comportamento e os resultados
que teve por ser mulher. O factor único, neste caso ser mulher, é mais uma
falácia de que se alimenta a política cabo-verdiana. Arranjemos tempo para
escutar os militantes, aprender e pensar para refazer a política, ou seja,
reorganizar a nação e as suas relações”.
Já
conforme Daniel Costa, ao colocar o cargo à disposição, a JHA assumiu as suas
responsabilidades pela derrota, abrindo espaço para uma avaliação interna no
PAICV e uma decisão sobre o (seu) futuro na liderança do partido. Além disso,
reforça, essa atitude pode querer dizer que a JHA terá feito a leitura dos
resultados das eleições, mas associando também uma leitura do cenário criado
com a recente dinâmica política interna ao PAICV, em termos de disputas de
poder entre as três sensibilidades no último congresso do partido.
“Colocar
o cargo à disposição e não ter-se demitido efectivamente, pode dar lugar a uma
interpretação, entre várias, de que esteja a deixar em aberto a possibilidade
de vir a recandidatar-se na tentativa de se ver relegitimada na liderança do
partido, caso não apareça nenhum candidato ou nenhuma candidata forte capaz de
impor-se como alternativa. A propósito, veja-se que nenhuma das figuras que
lideram as outras duas sensibilidades, que disputaram o congresso com a JHA,
saiu em posição de força dessas eleições autárquicas. Felisberto Vieira (Filú)
que habitualmente aparece como um importante elemento mobilizador de votos no
município da Praia esteve totalmente ausente durante estas campanhas
autárquicas.
Cristina
Fontes Lima que tem um grande potencial, pelo seu percurso, para disputar a
liderança do partido saiu derrotada na corrida para presidir o município da
Praia, o que a limita bastante em termos de argumentos políticos”. Porém,
analisa ainda Costa, Cristina Fontes poderá usar como um dos trunfos para justificar
uma possível entrada na corrida à liderança interna o facto de ter tido a
disponibilidade e a coragem política para entrar numa corrida eleitoral
autárquica numa circunstância política bastante desfavorável para as
candidaturas do PAICV, em função da forte derrota sofrida pelo partido nas
eleições legislativas de 20 de Março último.
Entretanto,
lembra que se comenta uma alegada movimentação de um grupo interno onde surge
Júlio Correia, que esteve alinhado com Felisberto Vieira na disputa interna, para
concorrer à liderança do partido. Contudo, ele terá pela frente uma adversária
que ao chamar para si a liderança do grupo parlamentar jogou na prevenção,
apostando na sua sobrevivência política no partido. “Há que se saber quais os
alinhamentos que o Júlio Correia terá conseguido construir até o momento e se
for disputar no congresso, com que força irá, sabendo-se das dificuldades em
afirmar-se como candidato pela lista do partido para o Fogo, tendo sido
“repescado” para a lista de Santiago-Sul. Entretanto, com as novas
circunstâncias criadas com a derrota nas legislativas, a JHA terá feito os seus
cálculos. Antecipou-se na busca de uma posição de relevo para a sua
sobrevivência política no partido, ao optar por disponibilizar-se para assumir
a candidatura a líder do grupo parlamentar do PAICV, acumulando com a
presidência do partido. Essa é uma estratégia que terá sido ditada,
provavelmente, por ter encarado a possibilidade de derrota nas autárquicas.
Estando na liderança do grupo parlamentar e mantendo o apoio da maioria dos
colegas deputados, garante uma posição política importante no partido, caso
venha a perder, definitivamente, a presidência do partido”.
Autonomia
das câmaras
Instados
a pronunciar sobre a possibilidade das câmaras conquistadas pelo MpD ficarem
dependentes do governo já que as propostas que apresentaram foram muito
ancoradas ao Executivo de Ulisses Correia e Silva, Daniel Costa acredita que se
as promessas de UCS forem cumpridas as câmaras ficarão mais autónomas. “Com a
vitória nas legislativas de 2 de Março, o governo do MpD prometeu
descentralizar algumas competências e também transferir mais recursos
financeiros para os municípios. Se essas promessas forem concretizadas, estarão
a ser criadas as condições para uma maior autonomização das câmaras municipais
face ao governo central, mas há o risco de essa autonomização ser limitada
circunstancialmente pelas estratégias de poder e eleitoral das elites
partidárias e governantes a nível central, em função das avaliações que farão
sobre o desempenho de cada autarca.”
Mas
Corsino Tolentino não partilha da mesma opinião, realçando que muitos
candidatos defenderam durante a campanha municípios-bezerros. “Eu já tive ocasião
de dizer que respeito muito a ousadia dos candidatos, mas raros foram os casos
da afirmação da autonomia e da criatividade. Muitas candidaturas defenderam
municípios-bezerros e o presidente do MpD fingiu destrinçar o dirigente
partidário do primeiro-ministro para se apresentar como candidato a presidente
de todas as câmaras do país. Mas os eleitos e o PM merecem aprender durante
quatro anos.
O
“Não às Urnas”
Nestas
eleições, o “Não às Urnas” foi expressivo. A abstenção foi a outra grande
vencedora destas eleições. A nível nacional quase metade dos recenseados –
131.019 (41,7%) – não foram votar. Na cidade da Praia, a abstenção foi mais
acentuada: mais de metade dos eleitores – 45.303 (56.5 %) – ficou em casa. Para
os nossos analistas, tais dados são preocupantes e mostram que o eleitor quer transmitir
um recado de insatisfação aos políticos e à forma de fazer política. “Eu
considero que a expressão “não às urnas” é muito grave. Por isso, tenho
insistido na qualidade da democracia. Ela existirá sem ética, sem moral? Penso
que não. Vi com desgosto o jogo de camisolas. Era um pouco como dizer dá aí uma
camisola porque o voto é secreto!”, analisa Tolentino. Na mesma linha, Daniel
Costa alega que a “alta abstenção verificada nas eleições autárquicas do
domingo passado, 4 de Setembro, deve ser percebida pelos políticos como uma
interpelação sobre o que têm feito ou não e como têm feito. No fundo, é um
recado para que mude a forma de fazer política e de materialização de políticas
públicas, no sentido de mais inclusividade”.
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