sábado, 9 de janeiro de 2016

A HEGEMONIA UNIPOLAR ESTIMULA A INTERNACIONAL NEOFASCISTA



Martinho Júnior, Luanda 

1 – Os múltiplos aspectos da crise global duma forma ou de outra estão interligados, correspondendo a um processo dialéctico onde domina, mas se vai esvaindo, o império da hegemonia unipolar, arrastando consigo o espectro do capitalismo neoliberal.

A aristocracia financeira mundial, por tabela suas “correias de transmissão” (suas oligarquias e elites agenciadas) chegaram aos limites do caos, desde as políticas de austeridade que foram impostos às “periferias” da União Europeia, à disseminação do terrorismo sobretudo no Médio Oriente e em África, quase sempre a coberto e a pretexto de tão obscuros quão feudais pressupostos religiosos ou (ultra) nacionalistas, ou pressupostos neo coloniais.

A hegemonia unipolar no seu estertor tem recorrido a tudo, procurando mascarar a perversa opção de domínio de 1% sobre a restante humanidade, ao ponto de impulsionar uma verdadeira internacional neofascista, que se distende a partir do seu “cérebro-miolo”, que artificiosamente mina a democracia representativa, como lança o jihadismo onde se ancora o caos, como estende as linhas duma NATO ela própria instrumentalizada e tacitamente implícita nessa disseminação, como recupera o processo colonial!

O colapso artificioso do valor do barril do petróleo inscreve-se também nos expedientes em curso, num momento em que as energias renováveis ganham terreno e as multinacionais energéticas de alinhamento anglo-saxónico transferem suas opções: é sobretudo a Arábia Saudita que pressiona no sentido da baixa de preços, aproveitando o peso dos consumidores e com isso confere espaço a emanações suas e de seus aliados, como a Al Qaeda, ou o Estado Islâmico, o AQMI, o Boko Haram…

2 – A internacional neo fascista mina os Estados Unidos, a União Europeia, Israel, a NATO, assim como os “tentáculos do polvo” que de forma mais velada ou aberta correspondem aos estímulos da hegemonia unipolar implantados durante a “era Bush” e fielmente seguidos pela administração democrata de Barack Hussein Obama.

A internacional neofascista trouxe consigo a reabertura da Guerra Fria agora procurando isolar a Rússia e a China, a fim de inviabilizar as emergências multipolares e continuar a impor tudo o que estiver coberto pelo foro unipolar, recorrendo desde à manobra económica e financeira, até ao uso da força militar e da penetração inteligente, manipuladora e alienadora em todos os recantos da Terra.

É a sua dialéctica de domínio que se expressa na hegemonia unipolar!

Esse campo de manobra tornou-se mais visível nas tensões que cercam a Rússia com maiores evidências agora na Ucrânia e na Turquia (Médio Oriente), assim como na tentativa obcecada da NATO em penetrar na Ásia e em África, tirando partido das alianças com os Comandos do Pentágono dirigido por “falcões” que se identificam com doutrinas e ideologias de “extrema direita”e quase sempre sob cobertura republicana.

Na América Latina, o esforço em prol da projecção das oligarquias agenciadas recupera também terreno, conforme às alterações sócio-políticas em curso na Argentina, na Venezuela e no Brasil, recorrendo desde a sabotagem à chantagem e passando pelo “impeachment”…

3 – Um dos seus “produtos” na região super-sensitiva da Europa Oriental /Médio Oriente, é de facto a Turquia sob mando de Recep Tayyip Erdogan, uma Turquia sintomaticamente refém daqueles que se propõem refundar o espaço otomano não num sentido de inclusão, mas de exclusão de muitas de suas próprias comunidades (como as minorias curdas), no sentido feudal que caracteriza as políticas e orientações neofascistas onde quer que elas se manifestem.

A Turquia tem-se aproximado da Ucrânia e das monarquias arábicas ultra reaccionária nas suas opções correntes e tem sido responsável pela alimentação do terrorismo no Iraque e na Síria, comercializando o petróleo roubado naqueles países pelo Estado Islâmico e pelas emanações da Al Qaeda, de tal modo que isso “adequa” a ênfase militar da coligação liderada pelos próprios Estados Unidos.

O “combate ao terrorismo” levado a cabo pelos Estados Unidos e os seus aliados, tem sido“formatado” levando em estrita conta esse comércio terrorista: se por um lado lançam operações militares ineficazes (chegam até a ser proibidos os bombardeamentos e destruição dos comboios de camiões-cisternas), por outro mantêm o monstro vivo, com a contrapartida do pressuposto da Turquia levar a cabo a guerra contra os curdos.

É ainda sintomática a aproximação da Turquia e das monarquias arábicas aos falcões de Israel, contribuindo para que a causa palestina seja letra-morta e Israel vá aumentando o seu “espaço vital” à sombra das contradições estimuladas nas susizinhanças físico-geográficas.

Os falcões de Israel assistem aos “filmes” sentados nos seus balcões, vendo crescer a contradições entre a Arábia Saudita e o Irão, não queimando cartuxos!

Os passos de Erdogan estão a seguir sem sombra de qualquer dúvida, num sentido contrário aos de Mustafa Kemal Ataturk!... e vão integrando o pelotão do internacionalismo neofascista!

4 – A Rússia ao decisivamente se preparar nos últimos vinte anos para este embate sob direcção do tandém Putin-Medvedev-Lavrov, estimulou a “inteligencia” cultivada nas suas notáveis Academias fundadas pelos Soviéticos, passando a assumir um papel preponderante no suporte à condução da resistência das emergências face à internacional neo fascista que a procura cercar!

É evidente que Putin se socorre duma dialéctica de outro tipo, com outra consistência antropológica e histórica (e por isso com outra consistência doutrinária e ideológica).

O esforço militar da Rússia tem sido apenas um dos instrumentos dessa resistência motivadora, tornando-se cada vez mais evidente a integração dos aspectos económicos, financeiros e político-diplomáticos na articulação das capacidades internas e externas do extensivo pacote de respostas que caracterizam o cômputo da abordagem dialéctica do tandém Putin-Medvedev-Lavrov).

Face à avassalada coligação neofascista que se estende entre a Ucrânia, a Turquia, a Arábia Saudita e o Qatar, a Rússia está a aplicar medidas que correspondem a uma geo estratégia que desgasta a NATO e o “ocidente”, semeando no complexo seio das “democracias representativas dominantes” uma alargada panóplia de contradições e isso a pesar das sanções que contra si foram decididas (que momentaneamente fragilizam, mas não têm possibilidades geo estratégicas de se impor).

Recai agora sobre a NATO e o “ocidente” a responsabilidade dos “fardos” ucraniano e turco, como autênticos abcessos que não podem dar lucro e com repercussões incalculáveis no sistema financeiro atlântico (envolvendo o dólar, a libra e o euro).

A Rússia viu-se em grande parte livre desses “fardos” e “entregou a peste” ao campo ocidental!

Se a Ucrânia está falida, sem soluções estratégicas fora do âmbito da internacional neofascista e correndo o risco de se fragmentar, a Turquia para lá começa a caminhar, enquanto na Arábia Saudita e no Qatar (os mentores do jihadismo caótico) nada poderá ser como antes a partir do momento que o Iémen se está a tornar no seu próprio Vietname, mesmo colado ao seu flanco sul, enquanto o Barhein, a norte, vai também esperando a sua oportunidade.

A inovação da radicalização da contradição da Arábia Saudita para com o Irão, nada poderá conseguir de ganho, se o Irão tiver aprendido com a lição da Rússia em relação aos abcessos da Ucrânia e da Turquia e tratar a Arábia Saudita como um “fardo” mais a ter de ser diluído na densidade das saturadas contradições da hegemonia unipolar!

A coligação ocidental e suas aliadas monarquias arábicas, os tentáculos mais evidentes da internacional neofascista, já não podem recorrer tanto ao petróleo como eixo de sua geoestratégia, pelo que o Pentágono, por via do sistema de vassalagem que propicia a NATO, sabota as iniciativas russas no gás a ocidente, sem possibilidades de o fazer a oriente e a sul.

Os Estados Unidos conseguiram fazer suspender os projectos do South Stream e do Turquish Stream, mas mesmo assim não conseguiram o mesmo êxito com o segundo North Stream que pelo Báltico (tal como o primeiro), aumentará o fornecimento de gás russo directamente à Alemanha, algo que contribuirá para aumentar a malha das contradições no seio da União Europeia e da NATO.

A hegemonia unipolar procura assim, com a absorção de cada vez mais contradições e contrariedades, ganhar espaço para implantar seus próprios projectos relativamente ao gás, o que não deixa de ser um evidente sinal de radicalização e,ao mesmo tempo, de debilitamento.

A internacional neofascista já não pode assumir maior protagonismo em relação a outros recursos mineiros no que à Rússia diz respeito e com isso, nada poderá impedir em relação à emergência russa e chinesa, o que influi também na Índia, o outro componente dos BRICS na Ásia.

Se associarmos a actual situação de fermentação da internacional neo fascista, ao caos que caracteriza a IIIª Guerra Mundial em curso e às disputas dialécticas que rodam à volta do poder energético, então podemos perceber quanto ela reflecte o facto de o petróleo, ao invés de ser alguma vez uma alavanca para o desenvolvimento, se ter tornado efectivamente num autêntico“excremento do diabo”.

Apesar de tudo, nem no tempo da Guerra Fria o império (agora motivado pela globalização unipolar que reforça as premissas do capitalismo neo liberal chegando ao caos provocado pela doutrina de choque) esteve tão debilitado como hoje e isso é um alerta evidente: ele pode ser tremendamente perigoso (para a humanidade e para a Mãe Terra) no seu longo (de várias décadas) estertor! 

Fotos:
- Os “parceiros” Barack Hussein Obama e Recep Tayyip Erdogan;
John McCain, o falcão ultra conservador que domina o Pentágono e terroristas “amigos”;
- O “batalhão Azov”, instrumento “radical” do neo fascismo ucraniano.

ECONOMIA DITA DIPLOMACIA DE ÁFRICA NO MÉDIO ORIENTE



A crise diplomática entre a Arábia Saudita e o Irão estende os seus tentáculos ao continente africano – sobretudo por razões económicas.

A crise começou depois de o clérigo chiita Nimr al-Nimr ter sido executado, a 2 de janeiro, na Arábia Saudita. Horas depois da execução, manifestantes no Iraque, de maioria chiita, atacaram e destruíram parcialmente a embaixada saudita em Teerão. Em consequência, o reino saudita, onde a maioria da população segue o ramo sunita do islão, cortou relações diplomáticas com Teerão.

Alguns países africanos com ligações próximas à Arábia Saudita anunciaram de imediato o seu apoio ao reino, governado desde janeiro de 2015 pelo rei Salman bin Abdulaziz Al Saud. O primeiro a reagir foi o Sudão, onde 97% da população é sunita. O Governo de Cartum deu ordem aos diplomatas iranianos para deixarem o país no prazo de duas semanas.

A Somália e o Djibuti foram igualmente rápidos em expressar solidariedade com a Arábia Saudita. E, na quinta-feira (07.01), a Somália foi mais longe e cortou também relações diplomáticas com o Irão. Mogadíscio ordenou o regresso do seu embaixador em Teerão e deu 72 horas aos diplomatas iranianos para deixarem a Somália.

Países africanos têm muito a perder

Na opinião de Ahmed Soliman, investigador associado da Chatam House, instituição de investigação com sede em Londres, a solidariedade dos países africanos com a Arábia Saudita prende-se, sobretudo, com razões económicas: “No ano passado, foram concluídos acordos nos setores de agricultura e barragens entre os Governos saudita e sudanês. A Arábia Saudita financia também projetos de infraestruturas em países como a Somália que tentam recuperar de duras guerras civis”. Portanto, conclui o especialista, “essas questões foram mais importantes no momento de dar apoio a uma das partes do que aspetos religiosos e sectários.”

O Sudão e a Arábia Saudita assinaram em novembro último, um acordo para a construção de três barragens, avaliado em 1.15 mil milhões de euros. E Riade comprometeu-se a pagar mais 500 milhões de euros em projetos de água e eletricidade.

Proteger a diáspora

Por outro lado, o Sudão envolveu-se também no conflito do Iémen: cerca de 6 mil soldados sudaneses combatem ao lado das forças governamentais, apoiadas pela Arábia Saudita, contra os rebeldes houthi, que têm o apoio do Irão.

Um outro aspeto ajuda ainda a explicar o apoio de países africanos a Riade, sublinha o investigador Ahmed Soliman. “Há uma grande diáspora da Somália, Sudão, Etiópia e de outros países da região que vivem e trabalham na Arábia Saudita. E qualquer ação que possa pôr em perigo essas pessoas é algo que os Governos têm de ter em consideração quando decidem qual das partes apoiam.”

Perigo de alastramento da crise

O politólogo nigeriano Kamilu Sani Fage, da Universidade de Kano, alerta para o agravamento de tensões em países africanos com muçulmanos chiita e sunitas: “Em países africanos, como a Nigéria, em que a comunidade chiita é grande, eu penso que esta situação poderá agravar as relações religiosas entre grupos sunitas e chiita.

Se este impasse não for resolvido corretamente, poderá degenerar em violência sectária.”

Quando começaram os problemas entre o exército nigeriano e os muçulmanos chiitas, há cerca de duas semanas, o Irão foi rápido em condenar a morte de centenas de chiitas. O exército nigeriano disse que as tropas avançaram na região de Zaria, norte da Nigéria, depois de centenas de chiitas terem atacado a caravana de um chefe militar. O líder chiita Ibraheem Zakzaky foi alvejado e detido. O Irão exige a sua libertação.

Privilege Musvanhiri/Glória Sousa – Deutsche Welle

NIGÉRIA: A DESCOLAGEM ADIADA



Rui Peralta, Luanda

Muhammadu Buhari, presidente da Nigéria, apresentou no parlamento nigeriano, a 22 de Dezembro de 2015, o Orçamento Geral de Estado para 2016, um documento cujo discurso é marcado por duas contradições: a) precaução, no que respeita aos objectivos da reforma administrativa e institucional e á situação económica da Nigéria; b) o idealismo, com alguns traços irrealistas, no que respeita á abordagem populista com que no documento se prioriza a reforma administrativa.

As eleições presidenciais de 2015 foram um importante momento para a democracia nigeriana, no sentido em que foram eleições que decorreram num período de crise económica e financeira no país, crise agravada pelos ataques terroristas do Boko Haram. É bom não esquecer que a arquitectura constitucional nigeriana é um complexo sistema federal, composto por 36 Estados, mais de 250 grupos étnicos e cerca de 180 milhões de habitantes. Neste sistema a democracia política conseguiu sobreviver, apesar de todos os sintomas de desestabilização politica, social e económica.

Com o preço do barril – em Dezembro, durante a apresentação do Orçamento Geral de Estado – a 39 USD/barril (em Junho de 2014 estava a 112 USD/barril) o petro-dependente governo federal nigeriano tenta, por todos os meios, conseguir pagar salários aos largos milhares de funcionários públicos que compõem a sua pesada máquina estatal e administrativa (ou seja ao Estado central, aos estados federais, para lá das forças armadas, policia, aparelho de segurança de Estado etc.). Essa é a sua principal preocupação. Em segundo lugar vem a sua preocupação com a moeda, a naira, com a qual já gastou milhares de milhões para a manter, para além das restrições impostas ao acesso às divisas e á proibição de importar 41 categorias de itens, o que representa centenas de itens, para proteger a naira, o governo nigeriano lançou na falência centenas de empresas comerciais, industriais e de serviços e colocou no desemprego milhares de trabalhadores. 
No meio de tudo isto, torna-se difícil (para não dizer desonesto) compreender como vão ser cumpridos objectivos da administração Buhari, como: o bem-estar social, as metas de desenvolvimento, o combate ao desemprego dos jovens e o combate á pobreza. Para cumprir todas estas prioridades, Buhari aponta o caminho da diversificação da economia. E é aqui que as coisas não batem certo.

A economia nigeriana tem um grau de diversificação muito superior a economias como a Argélia ou Angola (duas das economias africanas mais dependentes do petróleo). Agricultura, banca, serviços, turismo, comércio, industria extractiva mineira, indústria mediática (cultural, meios de comunicação social, etc.) são sectores que estão bem internacionalizados e com grande competitividade nos mercados internacionais. Diversificar mais? É óbvio que é desejável, mas para diversificar não se pode afundar, ou seja, não se pode proteger a naira e um Estado inoperacional, burocratizado, minado por excedentes, ou proteger as empresas petrolíferas ou os empregos gerados noutros tempos e que hoje são incompatíveis com a actual situação do sector.

As preocupações sobre os impactos sociais gerados pela desvalorização da moeda e as implicações que esse facto tenha sobre a estabilidade e a segurança são reais, mas não podem ser ditas e pensadas enquanto as lágrimas de crocodilo rolam sob a face. É que, na Nigéria, são milhões de pessoas que já vivem debaixo dessa pressão. Logo a instabilidade social é já uma realidade. Se a Nigéria poderá evitar confrontos sociais violentos em 2016, essa é o fundo da questão. Muito dificilmente a agudização da crise não fará despoletar choques violentos e maior instabilidade. Mas isso porque os cidadãos não estão devidamente informados sobre a situação real do país e encontram-se, em muitos casos, mobilizados por um discurso propagandístico, populista e criador de ilusões.

O Boko Haram – que renomeou-se Estado Islâmico do Oeste Africano – continua a semear o terror através de ataques bombistas suicidas, desvio de crude e ataques devastadores às comunidades rurais do Nordeste da Nigéria. Entre Junho e Setembro de 2015 este bando fascista islâmico assassinou cerca de mil e seiscentas pessoas. Sob pressão do exército nigeriano e da coligação regional, o bando foi expulso das áreas que controlava no Estado de Borno. O presidente nigeriano apontou Dezembro de 2015 como o mês final, o mês em que o governo derrotaria e erradicaria o Boko Haram, O grupo utilizou a sua natureza fluida para adaptar-se às contingências da ofensiva liderada pelo governo nigeriano e continuou os seus brutais ataques. Maiduguri, capital do Estado de Borno, sofreu um ataque terrorista dias após o Natal. O governo nigeriano tem na erradicação do Boko Haram e do seu rasto de sangue e violência, uma prioridade para 2016.

Mas o Boko Haram não é o único problema para a segurança interna da Nigéria. A região do Delta do Níger, produtora de petróleo, encontra-se sob tensão e crescem os protestos pró-Biafra. Por outro lado o Sul (onde Buhari perdeu as eleições), guarda más memórias do tempo em que Buhari era governador militar. Isto além dos problemas religiosos, étnicos e dos choques entre comunidades rurais, que são responsáveis por centenas de mortes. Os vectores socioecónomicos do conflito permanecem. O governo federal pode proclamar, quantas vezes quiser e com diferentes tons de voz, a indivisibilidade da nação nigeriana – cuja identidade consiste na diversidade e fragmentação – que continuará a ser impossível realizar a unidade nacional - muito menos numa estrutura federal, como a da Nigéria – se não forem utilizadas estratégias inteligentes e abordagens realistas, que respondam com objectividade às causas que produzem a instabilidade e a insegurança.

Foi o discurso anticorrupção – e as credenciais de que o presidente nigeriano adquiriu no combate á corrupção - que levou Buhari a vencer as eleições. As expectativas que o eleitorado nigeriano depositou neste combate são elevadas e as exigências para que o governo cumpra com este objectivo pesam sob o futuro político da actual administração. 2016 representa um ano em que o governo nigeriano necessita de implementar políticas que resultem e que sejam soluções para o mal-estar económico e social, a segurança e a corrupção. Para isso Buhari e a sua administração necessita de espaço para efectuar as reformas necessárias. De outra forma a Nigéria padecerá dos velhos males que a afligem, mas sob novas formas de intensidade e poderá entrar num vórtice de violência que a irá destruturar como nação.

Desenvolvimento ou destruturação, eis o desafio nigeriano.

GÂMBIA FORÇA IMPOSIÇÃO DA LEI ISLÂMICA



Roger Godwin – Jornal de Angola, opinião

Conforme se temia, apesar das palavras em contrário expressas pelo presidente Yahya Jammeh, a Gâmbia, aos poucos, vai forçando de forma quase natural a imposição da lei islâmica, no que ela tem de mais radical, sem sequer esperar pela anunciada alteração da Constituição, o que já está a levantar alguns problemas no seio da sociedade.

Depois de ter proclamado o país como uma “República Islâmica”, o presidente Jammeh tem sido fortemente pressionado por líderes religiosos internos e externos para aceitar alguns dos preceitos estipulados na Sharia, a temida e discriminatória lei que rege a aplicação prática da leitura que uma parte dos muçulmanos fazem do Corão.

Para começo da imposição de uma vasta lista de medidas constantes dessa avaliação, a Gâmbia, sem qualquer intervenção do governo, decidiu já tornar obrigatório o uso de véu na cabeça das mulheres que trabalhem na função pública.

Trata-se de uma imposição que resulta directamente da forte pressão que os clérigos radicais estão a exercer sobre o presidente da República levando este, com alguma relutância, a não interceder pela salvaguarda da lei deixando nas mãos da religião a aplicação de uma medida não oficial mas que poucos ousarão contrariar.

A esposa do presidente Jammeh, numa excepção que certamente confirmará a regra, foi das primeiras a reagir e a desafiar esta imposição, tendo mesmo feito questão de visitar diversas instituições públicas com a cabeça descoberta, opção que já lhe valeram fortes críticas por parte de algumas facções religiosas mais radicais.

De acordo com a constituição da Gâmbia, a esposa do presidente da República pertence também ao quadro de funcionários públicos e está, por via disso, obrigada a respeitar o seu código de conduta.

Na altura da declaração da criação desta nova “República Islâmica”, o presidente Jammeh havia garantido, entre outras coisas, que não seria imposto nenhum código de conduta especialmente rigoroso, sobretudo relacionado com o modo das pessoas se vestirem.

Acontece que, como muitos na altura temiam, a força da religião mostrou-se mais forte que o poder do próprio presidente, o que já faz levantar algumas dúvidas sobre se, de facto, vai efectivamente haver uma alteração constitucional sujeita a referendo popular.

Aqueles que na altura discordaram da proclamação da Gâmbia como “República Islâmica” são os mesmos que agora receiam que os líderes religiosos do país imponham, sem qualquer possibilidade de discussão, a Sharia, e passem a ser eles, na prática, a mandar no país.

Esses receios baseiam-se no facto da Gâmbia ser um país extremamente pobre e que vive essencialmente do turismo, uma indústria que não tem qualquer tipo de conciliação possível com restrições às liberdades.

Com as suas famosas praias, a Gâmbia oferece ao visitante preços baratos, lugares tranquilos e a afabilidade das suas gentes que já estão habituadas a conviver e a viver com milhares de pessoas que mergulham nas suas águas, despidas de qualquer tipo de preconceitos.

Ora, esses milhares de pessoas, certamente que não aceitarão passar a conviver com leis que as impedem de usar fato de banho, de beber cerveja nos bares dos hotéis e nas discotecas e, muito menos, de não poderem contactar livremente com a população autóctone.

Temos, pois, um flagrante choque de interesses entre aquilo que pode ser a razão dos 90 por cento de gambianos que são muçulmanos, uns mais radicais que outros, e a força que resulta da necessidade do país não poder viver sem as divisas deixadas durante quase todo o ano pelos visitantes estrangeiros.

Um outro choque que se está a sublinhar é o que resulta do facto de, aos poucos, o poder de Yahya Jammeh estar a escapar para as mãos dos líderes religiosos podendo, a breve prazo, vir a declarar-se um inconciliável conflito de interesses com todos os perigos daí resultantes.

Aliás, o próprio presidente Jammeh, ao longo do seu tempo de permanência no poder, tem evidenciado, pelo seu comportamento, algumas hesitações em relação ao modo de conciliar a convicção religiosa de 90 por cento da população, onde ele próprio se inclui, com as necessidades práticas do país.

Em 2013, por exemplo, decidiu que o seu país deveria abandonar a Commonwealth, organização que congrega os países de língua inglesa, por considerá-la “neo-colonial”.

Porém, em Novembro do ano passado proibiu a circuncisão das mulheres, declarando que essa prática tradicional não se enquadrava no espírito e na letra do Corão.

Acontece que, nas “repúblicas islâmicas”, como a Gâmbia anunciou agora ser, a prática da circuncisão feminina é quase obrigatória e é seguida com devoção na maioria dos países muçulmanos.

A Gâmbia, por tudo isto, parece estar a preparar-se para um incontornável debate em redor da aplicação ou não dos mais rigorosos preceitos islâmicos que resultam desta recente transformação.

Para já, a discussão está aberta entre os que defendem a nova “república islâmica” com tudo o que ela encerra e os que continuam a achar que essa opção acabará por afastar os turistas e tornar o país uma presa demasiado fácil para engrossar as fileiras dos radicais.

O que se espera é que essa discussão seja serena e salvaguarde os direitos que todos têm a ser felizes na sua própria nação. 

Se possível, sem a perda da sua própria dignidade.

ATAQUE À BASE AÉREA DE PATHANKOT – QUEM CONTRAPORIA ÍNDIA E PAQUISTÃO?



Shelley Kasli

O recente ataque contra uma base militar indiana, como ataques anteriores na Índia, tem sido atribuído ao Paquistão. Enquanto ainda está para ser estabelecido se ou não os terroristas estavam trabalhando com o apoio de Islamabad, esses eventos poderiam dificultar a normalização das relações entre os dois vizinhos. Ainda, como Shelley Kasli observou, não há nenhuma evidência de que os terroristas na verdade tenham cruzado a fronteira...

1 de janeiro de 2016, Gurdaspur SP Salwinder Singh foi sequestrado em seu carro na rodovia nacional Jammu-Pathankot, no seu caminho de volta para casa, por volta das 16:00, por pessoas fortemente armadas, vestindo uniformes do exército. Um alerta vermelho foi emitido e uma operação de busca foi lançada sobre o incidente para deter os culpados [1].

Mais tarde, usando o mesmo veículo sequestrado, os terroristas, vestindo uniforme militar, entraram na base aérea, localizada a 50 quilômetros da fronteira com o Paquistão e a 200 quilômetros do Estado de Punjab e da capital do estado de Haryana, Chandigarh. Pathankot é importante porque é a primeira linha de defesa aérea contra qualquer ataque do Paquistão. É uma base aérea MiG 21 e também tem uma divisão do exército.

A mídia já começou a levantar questões relacionando o ataque às relações Indo-Paquistanesas, que pareciam estar a melhorar recentemente. O jornal The Hindu relatou:
"O ataque é o primeiro teste da realidade para os esforços do PM Modi chegar ao Paquistão, e a comunidade global iria vigiar de perto como o governo macho do NDA [NDA: do inglês National Democratic Alliance; coalisão de centro-direita que governa a Índia – NT] em Nova Deli vai reagir ao ataque. Provas dos terroristas vindo do Paquistão não seria difícil de encontrar. Mas, será suficiente para culpar o governo do Paquistão e cancelar os esforços de paz?

O padrão de infiltração de terroristas do Paquistão, e de lançamento de ataque contra alvos de alto perfil poucas horas após essa infiltração, tem sido um padrão novo nos últimos dois anos. Em julho deste ano, um ataque semelhante foi lançado em Gurudaspur por terroristas que chegaram do outro lado da fronteira" [2].

No entanto, ao contrário do que Josy Joseph do The Hindu tem a dizer, ecoando afirmações da Polícia do Punjab de que os terroristas teriam vindo da fronteira do Paquistão, a Força de Segurança da Fronteira (FSF) [do inglês Border Security Force (BSF) – NT] tem refutado tais afirmações.

A FSF teria dito que eles fisicamente verificaram toda a área de fronteira do Punjab, mas não encontraram uma única prova para estabelecer que os terroristas teriam usado a fronteira do Punjab para entrar no território indiano a partir do Paquistão. A alegação da FSF é contrária à da polícia do Punjab [3].

O Inspector-Geral de Polícia da FSF (fronteira do Punjab) Anil Paliwal disse: "a FSF fisicamente verificou toda a área de fronteira do Punjab, mas não encontrou uma única prova para estabelecer que os terroristas teriam usado a fronteira do Punjab para entrar no território indiano vindos do Paquistão". [4] A Polícia do Punjab alegou, após a sua investigação inicial, que a área do rio ao longo da fronteira Indo-Paquistanesa do Punjab foi usada pelos terroristas para entrar na Índia. Como dizem os relatórios recentes, o caso está pronto para ser transferido para a Agência de Investigação Nacional (Agência Indiano Contra o Terrorismo), apesar das reservas da polícia estadual.

Quando o relatório do inquérito público, conduzido pelo Juiz da Subdivisão (JS) [do inglês: Sub-Divisional Magistrate (SDM) – NT] de Gurdaspur Manmohan Singh Kang, sobre o incidente do ataque dos terroristas à delegacia de Dinanagar, em 27 de julho, foi submetido ao Juiz do Distrito de Gurdaspur Abhinav Trikha, até mesmo o Juiz do Distrito Trikha o rejeitou com base no fato de que não concluía nada, de que era apenas um pacote de declarações. Ele retornou o relatório ao JS para conduzir um novo inquérito sobre o incidente, revelando todos os fatos. O relatório foi submetido novamente em novembro [5].

E, então, houve a controvérsia sobre a etiqueta ‘Feita no Paquistão’ e o GPS que foram encontrado. Após a recuperação de dois dispositivos de Sistema de Posicionamento Global [do inglês: Global Positioning System (GPS) – NT] dos terroristas, o foco da investigação mudou para se determinar de onde os terroristas vieram e como eles entraram no país. Uma investigação pós-operação foi lançada para estabelecer a rota que eles possivelmente tomaram a partir do Paquistão [6].

Três dias depois, a polícia alegou que os médicos encontraram uma luva em uma das mãos dos terroristas. A luva tinha a etiqueta ‘Feita no Paquistão’. Esta alegação gerou um problema suficiente. Questionou-se porque a polícia não encontrou a luva no primeiro dia, quando eles conduziram uma inspeção corporal.

A etiqueta ‘Feita no Paquistão’ e as coordenadas do GPS foram prova suficiente para o governo indiano levantar a questão junto ao governo do Paquistão sobre por que e como os três terroristas vieram à Índia a partir do seu território. No entanto, as agências de segurança falharam ao elaborar um relatório final sobre a rota tomada pelos terroristas baseada nas coordenadas alimentadas nos dois dispositivos GPS apreendidos dos terroristas.

Semelhante ao ataque de Gurdaspur [7], os ataques em Mumbai de 26/11 de 2008 [8] têm questões não respondidas com relação ao GPS (esquecido pelos terroristas no barco) e a rota tomada pelos terroristas. As investigações levantaram várias perguntas sobre a última viagem do Kuber, o barco de pesca indiano que os terroristas do Paquistão usaram para chegar a Mumbai.

O juiz no caso de 26/11 concluiu que a acusação não foi capaz de provar que o barco indiano MV Kuber não foi adulterado e levantou questões sobre os GPS e os telefones por satélite recuperados do Kuber. "Eles estão ligados à conspiração principal (com executores no Paquistão)", ele disse.

Há o caso curioso da única testemunha que viu os terroristas desembarcarem do bote de borracha no Parque Badhwar e que até mesmo falou com eles, Anita Uddaiya. Apesar de ela ter provado sua confiabilidade como testemunha, identificando todos os seis no necrotério, ela não só foi eliminada como testemunha, mas foi acusada de ’enganar os investigadores’ como punição por se recusar a mudar sua história sob pressão, depois que foi ’levada’ aos EUA em circunstâncias duvidosas, sem o conhecimento de quaisquer funcionários indianos.

Agora, ela é uma pescadora que não sabia falar inglês e ainda não tinha um passaporte. Ela foi ’levada’ para os EUA em circunstâncias duvidosas e permaneceu desaparecida por quatro dias e, depois que ela voltou, seu testemunho foi rejeitado em razão de sua instabilidade mental.

Como ela foi aos EUA? Quem a levou lá? Houve autorização oficial? Quem aprovou? Se não, por que essa questão não foi sondada ainda mais? Mais importante, o que aconteceu a ela nos EUA?

Por que é que toda vez que as relações entre a Índia e o Paquistão começam a melhorar, e iniciativas são tomadas para normalizar as tensões entre os dois países, um ataque terrorista é presenciado por um dos dois países tendo por resultado a deterioração da relação já delicada?

Que forças estão trabalhando por trás disso? Quem não quer ver as relações entre a Índia e o Paquistão melhorarem? Por que não temos sido capazes de identificar essas forças há décadas? Será que isso não indica que nossas forças de segurança e inteligência não estão equipadas para enfrentar o desafio desse novo tipo de terror, e que precisamos de uma condução nova e mais adaptável no mundo globalizado da liberalização e da privatização? [9]

Certamente, boa parceria estratégica entre os dois países vizinhos significaria um subcontinente forte e estável. Mais importante, quem ganha com um subcontinente asiático enfraquecido e sempre com lutas internas?

Shelley Kasli - Tradução Marisa Choguill - Fonte Great Game India (Índia) – Voltaire.net

Na foto: Quando os britânicos decidiram descolonizar o subcontinente indiano, eles escolheram Gandhi como seu interlocutor. Isto permitiu-lhes, primeiro, usar o tabu religioso contra a violência para ganhar tempo e, em segundo lugar, contrapor as populações hindu e muçulmana. Desde então, o país foi dividido em dois Estados, Índia e Paquistão, que temem um ao outro. O novo primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, respondeu à visita do seu homólogo paquistanês Nawaz Sharif para sua inauguração, em maio de 2014, e foi a Lahore, em 25 de dezembro de 2015, para o aniversário de Sharif. A normalização das relações entre os dois Estados foi considerada. Mas, sem esperar, aqueles que temem um retorno à unidade organizaram o ataque à Base Aérea de Pathankot.

Notas:
[1] “Punjab on alert after Gurdaspur cop’s ’abduction’”, Rohan Dua, Times of India, January 1st, 2016.
[2] “Terrorists storm air force base, first challenge to Modi’s Pak outreach”, Josy Joseph, The Hindu, January 2, 2016.
[4] “’Gurdaspur Ultras Not from Pakistan’”, Harpreet Bajwa, The New Indian Express, December 1st, 2015.
[5] “Magisterial inquiry report submitted to Gurdaspur DM”, Kamaljit Singh Kamal, Hindustan Times, November 14, 2015.
[6] “Post-op probe continues to be tardy”, Jupinderjit Singh, Ravi Dhaliwal, Ruchika M Khanna, Deepkamal Kaur, Shaurya Karanbir Gurung and PK Jaiswar, The Tribune, August 6, 2015.
[7] “Gurdaspur & 26/11 Attacks: Recurring Patterns”, Great Game India, December 2015.
[9] “26/11 – Globalized Terror In A Liberalized World”, Great Game India, July 2015.

ARMAS NUCLEARES: 70 ANOS DE HIPOCRISIA



História do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) revela: por jamais cumprirem cláusulas que preveem seu desarmamento, cinco grandes potências atômicas estimulam projetos como o da Coreia do Norte

Georges la Guelte – Outras Palavras*

Quanto maior o número de países que dispõem de armas nucleares, maior o risco de que elas sejam deliberadamente utilizadas não para dissuadir, mas para aniquilar, ou que um conflito seja desencadeado por engano, ou que um país bombardeie preventivamente as instalações de seus adversários, ou ainda que armas ou matérias físseis caiam nas mãos de grupos criminosos.

A proliferação nuclear é, portanto, um dos perigos mais graves para o futuro da humanidade. No entanto, não foi essa preocupação que inspirou as primeiras medidas tomadas para evitá-la. Desde o lançamento de seu programa nuclear militar, em 1942, os Estados Unidos proibiram a divulgação de qualquer informação concernente à energia atômica, para evitar que a Alemanha nazista fosse a primeira a possuir a bomba. Após 1945, essa restrição foi mantida para atrasar os trabalhos dos soviéticos. Em 1954, depois que a União Soviética experimentou seu primeiro engenho termonuclear, o segredo foi abandonado em benefício de uma política denominada “Átomos para a paz”: os países que desejavam desenvolver seus trabalhos na área nuclear poderiam obter ajuda dos Estados Unidos, com a condição de se comprometerem a utilizá-la para fins pacíficos, ao mesmo tempo que continuariam livres para desenvolver um programa militar se pudessem realizá-lo sozinhos. Vários países beneficiaram-se dessa ausência de regulamentação internacional geral para satisfazer suas ambições militares. Foi assim que, em 1960, sete dos oitos países que atualmente dispõem de um arsenal tinham adquirido os elementos indispensáveis à sua realização1.

Foi sobretudo a crise dos mísseis em Cuba, em 1962, que levou ao estabelecimento de uma política global de não-proliferação: Washington e Moscou constataram, então, que se uma outra potência que dispusesse de armas nucleares entrasse em confronto com elas, talvez não tivessem possibilidade de controlar o desenvolvimento da crise. Originalmente, portanto, o principal objetivo do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) era para que as duas superpotências mantivessem seu controle sobre os países de seu campo. Concluído em 1º de julho de 1968, o TNP divide o mundo em dois: de um lado, os “Estados dotados de armas”, que fizeram explodir algum engenho antes de 1º de janeiro de 1967, aos quais foi demandado não ajudar outro país a adquiri-los2 ; do outro, todos os outros Estados, que deviam se comprometer a não tentar obtê-las e a colocar todas as suas instalações nucleares sob o controle da Agência Internacional para a Energia Atômica (AIEA), encarregada de garantir que respeitem suas obrigações.

Um “atentado à soberania”

Com suas falhas e suas lacunas, o Tratado de Não-Proliferação contém os elementos necessários para impedir a disseminação das armas e, se tivesse sido integralmente aplicado, somente cinco países ainda possuiriam um arsenal nuclear. Seu êxito exigiria sua universalidade, ou seja, que todos os Estados aderissem a ele, que existisse um mecanismo de controle perfeitamente eficaz e que, em caso de violação, medidas enérgicas fossem tomadas para acabar com a infração e dissuadir os outros Estados de imitarem o delinqüente.

Inicialmente, o Tratado foi considerado por diversos países um atentado inaceitável à sua soberania: a Alemanha, o Japão, a Itália, que foram seus primeiros alvos, no começo recusaram-se a se submeter a ele. Se entrou em vigor em 19703, foi graças à assinatura de países como Irlanda, Dinamarca, Suécia e México, que com ele viam um meio de reduzir os riscos de um suicídio coletivo; Estados politicamente muito próximos dos Estados Unidos ou da União Soviética; e também países que nem pensavam ter, algum dia, os meios para fabricarem bombas. Entre os primeiros signatários, encontram-se o Iraque, o Irã e a Síria.

Entre os primeiros signatários do TNP, estão o Iraque, o Irã e a Síria

Em meados da década de 1970, com o aumento dos movimentos antinucleares inicialmente nos Estados Unidos e, sobretudo, com a primeira explosão na Índia em 1974, houve uma mudança importante. A opinião pública se alarmou com os riscos que a segurança no mundo corria com a disseminação, e um grande número de Estados considerou que sua segurança ficaria mais garantida se seus vizinhos não dispusessem de armas. Graças às pressões exercidas pelos Estados Unidos e ao mesmo tempo pela União Soviética, esse movimento permitiu um rápido aumento do número de signatários, aos quais se juntaram os grandes países industrializados – Alemanha, Japão, Itália, Suíça, Holanda. No final de 1979, o número de países que aderiu ultrapassava uma centena. A onda de adesões continuou nos anos seguintes e, apesar da fragmentação da União Soviética, foi ampliada com o fim da guerra fria. Em 1995, os países signatários que decidiram manter o Tratado em vigor por tempo indeterminado já eram 178.

No entanto, por diversos motivos, as grandes potências fizeram o esforço necessário para convencer Índia, Israel e Paquistão a se juntarem a elas. Como sempre tinham se recusado a aderir ao Tratado, esses três países puderam construir seus arsenais sem faltar com suas obrigações. Atualmente, isso não seria mais possível: o tratado conta com 189 países que a ele aderiram4, ou seja, quase todos os Estados, e nenhum país poderia mais fabricar uma arma explosiva sem violar seus compromissos internacionais.

Brasil, Argentina, África do Sul

Entre esses 189 países, encontram-se a Argentina e o Brasil que, nos anos 1970 e 1980, tinham lançado programas de pesquisa cujo objetivo era nitidamente militar. Como na época eles não tinham assinado o Tratado de Não-Proliferação, seus trabalhos não entravam em contradição com suas obrigações internacionais. A Argentina e o Brasil abandonaram seus projetos militares no final dos anos 1990 e aderiram ao TNP, a Argentina em 1995 e o Brasil em 1998. Renunciaram a seus projetos não porque sua segurança externa estivesse então mais garantida do que no passado, mas porque um regime democrático substituiu as ditaduras militares no poder.

O mesmo aconteceu na África do Sul, que fabricou uma meia dúzia de armas nos anos 1970 e 1980, sem ter cometido infração e sem que a AIEA pudesse intervir. Pretória desmantelou suas armas exatamente no momento em que abandonou o regime do apartheid e aderiu ao TNP em 1991.

Em meados da década de 1990, os Estados Unidos quis completar o TNP com um Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares (Treaty of Complete Prohibition of the Nuclear Tests) e uma convenção proibindo a produção de urânio enriquecido e de plutônio de qualidade militar. Os dois acordos visavam unicamente a Índia e o Paquistão, mas os americanos pensavam que esses dois países iam aderir facilmente a um tratado universal.

Na verdade, os dois acordos não têm o menor sentido para os outros países: 184 Estados assumiram o compromisso de não adquirir armas; no que diz respeito à promessa de não explodir as armas que não tinham fabricado não representava um progresso muito significativo! Os cinco países dotados de armas interromperam suas experiências, e a França, que desmantelou o polígono do Pacífico, não poderia mais retomá-las. Quanto aos interessados, a Índia e o Paquistão, que tinham explodido suas armas em 1998, continuaram a produção de matérias físseis militares e se recusaram a aderir ao Tratado de Proibição Completa dos Testes Nucleares e à convenção.

É preciso acrescentar que a impossibilidade de realizar experiências jamais impediu um país de adquirir armas: Israel jamais fez alguma desses testes, mas todos os especialistas reconhecem seu arsenal militar; oficialmente, a África do Sul jamais fez experiências e, no entanto, detinha uma meia dúzia de armas; a existência de vários engenhos no Paquistão era incontestável antes mesmo de 1998. Em suma, esse projeto de tratado que os Estados Unidos se recusam a ratificar não tem outro interesse a não ser a afeição simbólica que lhe concede a opinião pública.

As dificuldades da AIEA

Foi a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que ficou encarregada de controlar o respeito às obrigações contraídas pelos países. Teve de fazê-lo, desde o início, dentro de condições muito complicadas. Os inspetores podiam ir apenas aos países membros do Tratado que tinham assinado com a AIEA e ratificado um acordo particular que especificava seus direitos e seus deveres. É por essa razão, por exemplo, que não puderam entrar na Coréia do Norte antes do mês de abril de 1992, embora a existência do reator e da instalação de retratamento em que foi produzido o plutônio norte-coreano fossem conhecidas pelo menos desde 1990.

Em seguida, o acesso dos inspetores às diferentes instalações foi limitado por inúmeras disposições administrativas: por exemplo, deviam inicialmente solicitar um visto cuja obtenção podia ser mais, ou menos, longa. Além disso, eram autorizados a fiscalizar uma usina somente durante um tempo minuciosamente calculado de acordo com a natureza das atividades e a quantidade de urânio ou de plutônio que nela se encontravam.

Todas as regras às quais os inspetores deveriam se submeter foram definidas em 1971, não por funcionários da Agência que poderiam especificar o que precisavam para realizar sua missão, mas pelos representantes dos governos e, sobretudo, os dos países que, na época, eram os mais avançados na área nuclear. Tomaram muito cuidado para limitar o máximo possível as obrigações que os controles ocasionariam por si só e, sobretudo, a seus industriais. O mecanismo de controle foi assim criado com base no postulado de que programa nuclear não podia ser conduzido clandestinamente, sendo a única fraude concebível o desvio, para usos militares, do urânio ou do plutônio que teriam de continuar no setor civil. Portanto, os inspetores tinham acesso somente às instalações declaradas por cada Estado, e sua tarefa consistia em garantir que todas as matérias físseis que ali fossem introduzidas fossem bem utilizadas para fins pacíficos. Não tinham de fiscalizar se existiam instalações no país que não lhes tivessem sido declaradas.

Essas limitações não eram totalmente absurdas, se levarmos em conta algumas técnicas da época. Elas exigiam, sobretudo para a produção de urânio enriquecido, usinas de dimensões enormes, com formas características, que absorviam quantidades consideráveis de energia e cuja construção e o funcionamento seriam inevitavelmente detectados. É preciso acrescentar que, no início dos anos 1970, somente os países industrializados avançados podiam pensar em atividades nucleares importantes.

Ora, tratava-se de países democráticos, onde as informações circulam livremente e em que a decisão de se dotar de um arsenal não podia continuar clandestina. Com os limites que lhe foram assim impostos, o sistema de controle funcionou de maneira adequada, uma vez que desde 1945 nenhuma arma nuclear explosiva foi fabricada em uma instalação sob a vigilância da AIEA. Não que os controles sejam infalíveis, mas até o presente foram muito eficazes para que os fraudadores prefiram não correr o risco de serem surpreendidos pelos inspetores.

No entanto, logo após a guerra do Golfo, em 1990-1991, foram descobertas instalações, no Iraque, que teriam permitido ao país, poucos anos depois, dispor de um verdadeiro arsenal. Saddam Hussein tinha dados provas de que, pelo menos em um país submetido a um regime ditatorial feroz, atividades nucleares clandestinas são totalmente possíveis. Para isso, os iraquianos haviam utilizado o método de enriquecimento do urânio por centrifugação, uma técnica adotada na Europa em meados da década de 1970, que permite instalações muito menores, podendo ser escondidas em construções de aparência banal, consumindo muito menos energia e que os serviços de informações secretas têm poucas chances de detectar, salvo quando dispõem de informantes no local.

Protocolo Adicional não é garantia

Para tentar adaptar os mecanismos de controle a esse novo tipo de fraude, a AIEA adotou, em 1997, um Protocolo Adicional5, que dá aos inspetores poderes de investigação sensivelmente mais extensos, mas que também deve ser assinado e ratificado por cada Estado antes de o ser.

Para tentar adaptar os mecanismos de controle a esse novo tipo de fraude, a AIEA adotou, em 1997, um Protocolo Adicional5 , que dá aos inspetores poderes de investigação sensivelmente mais extensos, mas que também deve ser assinado e ratificado por cada Estado antes de lhe ser aplicável6 . Os meios assim acrescidos dados à Agência já permitiram resultados consideráveis7 , e poderão dar aos inspetores os meios de detectar a existência de atividades mantidas secretas em um país. No entanto, não se trata de uma panacéia e, salvo se têm muita chance, é pouco provável que os inspetores descubram o lugar em que uma instalação clandestina foi construída, a não ser que lhes tenha sido apontado por um serviço de informações secretas.

aplicável6 . Os meios assim acrescidos dados à Agência já permitiram resultados consideráveis7 , e poderão dar aos inspetores os meios de detectar a existência de atividades mantidas secretas em um país. No entanto, não se trata de uma panacéia e, salvo se têm muita chance, é pouco provável que os inspetores descubram o lugar em que uma instalação clandestina foi construída, a não ser que lhes tenha sido apontado por um serviço de informações secretas.

Uma organização internacional como a AIEA não é uma oficina de espionagem, não dispõe de meio algum para obter informações secretas e deve respeitar os acordos assinados com o país controlado. A localização precisa de uma usina continua a ser de responsabilidade dos serviços de informações, cabe a eles dar à Agência os elementos de que ela precisa.

Nenhum dos cinco Estados dotados de armas assinou esse protocolo adicional: se os inspetores chegassem à conclusão de que existem nos Estados Unidos ou na França, por exemplo, em lugares aliás perfeitamente conhecidos, instalações nucleares militares, não seria uma descoberta muito impressionante. No entanto, a França assinou simbolicamente uma versão adocicada para tratar com prudência a suscetibilidade dos outros membros da União Européia, muito sensíveis à diferença de tratamento entre as duas categorias de Estados.

Da mesma maneira, nenhum tratado proíbe a um desses cinco países fabricar novos tipos de armas: certamente, seria contrário ao espírito do artigo VI do TNP sobre o desarmamento nuclear. Isso não é inteiramente contrário ao texto do Tratado que, muito hipocritamente, faz uma certa ligação entre desarmamento nuclear e desarmamento geral e completo. Desde cerca de quarenta anos até hoje, os cinco países dotados de armas, que são também os principais exportadores de armas convencionais, evitam incitar um desarmamento geral e invocam a ausência de progresso sobre essa questão para ignorar cinicamente os acordos de desarmamento nuclear que fizeram.

Novas armas em Washington

Os Estados Unidos falam regularmente em fabricar novas armas nucleares. Trata-se de uma obsessão para os fabricantes de armas que, há décadas, buscam todos os argumentos possíveis para desenvolverem suas atividades. Esses projetos não têm o menor alcance operacional real, mas concentraram a atenção da opinião pública e ocultaram completamente transformações infinitamente importantes previstas pela Nuclear Posture Review (Revisão da Postura Nuclear) de janeiro de 2002. Particularmente, as armas nucleares não constituem mais uma categoria separada do arsenal norte-americano, são integradas no conjunto das armas ofensivas que o presidente pode, conseqüentemente, utilizar de acordo com sua vontade da mesma maneira que qualquer outra arma, de acordo com a natureza da missão a realizar.

O mesmo documento prevê o recrutamento de uma nova geração de especialistas em armas para substituir aquela que vai se aposentar, a substituição dos mísseis intercontinentais em 2020, dos submarinos em 2030 e dos bombardeios em 2040. Ou seja, o armamento nuclear norte-americano é concebido para um tempo indefinido ou, pelo menos, até o fim do século.

Se a AIEA constata que um Estado não respeitou suas obrigações, ela encaminha o caso para o Conselho de Segurança da ONU, único habilitado a tomar as medidas necessárias para acabar com a infração. A ONU tratou duas vezes de uma violação dos tratados de não-proliferação, e os ensinamentos que podemos tirar dessas experiências foram mitigados. No caso do Iraque, cujas atividades clandestinas só foram descobertas após a guerra do Golfo, em 1991, quando o país foi militarmente vencido e obrigado a aceitar as condições impostas pelo Conselho de Segurança, a AIEA pôde destruir todas as instalações construídas de maneira ilícita.

A República Popular Democrática da Coréia (RPDC; Coréia do Norte) também deu provas, em 1992, de ter violado os acordos que assumiu ao assinar o Tratado. Ela muito rapidamente declarou que considerava qualquer sanção um ato de guerra, e a China se apressou em declarar que a crise deveria ser resolvida por meio de negociações. A atitude de Pequim e o medo de uma guerra que, na península, corria o risco de fazer um considerável número de vítimas na Coréia do Sul, levaram em 1994 a um acordo assinado entre Pyongyang e Washington, segundo o qual a Coréia do Sul deveria construir no Norte dois enormes reatores produtores de eletricidade em troca de uma suspensão das atividades norte-coreanas. Esse acordo foi mantido até que os Estados Unidos decidiram acabar com ele no final de 2002; os norte-coreanos retiraram-se, então, do Tratado de Não-Proliferação, expulsaram os inspetores da Agência, separaram a quantidade de plutônio necessária à fabricação de uma meia dúzia de armas e afirmaram poucos meses depois que, a partir de então, dispunham de armas nucleares.

Nenhuma dessas decisões suscitou a menor reação do Conselho de Segurança e de outros países, se excetuarmos as ameaças terríveis e sem efeito proferidas pelo presidente dos Estados Unidos. Desde então, e de acordo com as resoluções da China, negociações reuniram as duas Coréias, os Estados Unidos, a China, o Japão e a Rússia8 . No final de uma declaração comum assinada em 19 de setembro de 2005, a RPDC prometeu abandonar seus programas nucleares e os cinco países citados anteriormente, em troca, prometeram fornecer uma ajuda energética e garantias relativas à segurança. Mudando de opinião, Pyongyang questionou todavia esse acordo no dia seguinte, exigindo ter reconhecido seu direito de utilização pacífica da energia nuclear antes de moderar sua posição em seguida. Da mesma maneira, em uma resolução adotada por consenso entre 139 Estados membros, no dia 30 de setembro, a AIEA aclamou o anúncio pela RPDC relativo a sua intenção de renunciar à arma nuclear.

No que diz respeito ao Irã, onde nenhuma infração pôde ser constatada, se contentarmos como a AIEA tem o dever de fazê-lo, de uma interpretação literal do Tratado. Mas se as discussões em curso com a Alemanha, a França e a Grã-Bretanha não tiverem êxito, os Estados membros poderão encaminhar a questão para o Conselho de Segurança, baseando-se não em uma interpretação jurídica do texto, mas em um julgamento político.
O papel dos neoconservadores

A política de Não-Proliferação foi profundamente enfraquecida desde a Conferência de 1995, no momento em que o objetivo parecia quase atingido. A necessidade de interromper a disseminação de armas foi atacada nos Estados Unidos pelos neoconservadores que contestavam que seu país mantivesse qualquer obrigação internacional; em seguida, por outros para quem a não-proliferação pertencia à lógica da guerra fria e não tem mais razão de ser desde que ela acabou. Para estes, a resposta às ameaças de disseminação das armas reside na fabricação de defesas antimísseis, que todos os países deveriam comprar dos Estados Unidos. Outros, talvez mais numerosos ou mais influentes, consideram que a proliferação nuclear não é condenável se for feita por países aliados aos Estados Unidos.

O Tratado de Não-Proliferação também é objeto das mais vivas críticas. Há muito tempo vozes se elevam contra um sistema que permite que cinco países possuam as armas mais poderosas e proibam aos outros adquiri-las. Freqüentemente considerada inevitável durante a guerra fria, essa desigualdade de tratamento é muito menos suportada desde o desmantelamento da União Soviética. Ainda mais porque o Tratado contém também disposições que prevêem um desarmamento nuclear que os cinco países dotados de armas ignoram com a maior hipocrisia. Conservando, hoje, arsenais tão importantes quanto em meados dos anos 1970, símbolos de sua potência e de seu prestígio, os cinco países só podem incitar os outros a imitá-los.

Essa falta de ligação com a idéia de não-proliferação manifestou-se de maneira marcante durante a Conferência para análise do Tratado em junho de 2005: em vez de expressar uma reprovação unânime em relação aos fraudadores, os Estados participantes se dividiram sem conseguir chegar a um acordo sobre qualquer questão, refletindo um mundo dividido, desencantado, desorientado. No entanto, esse regime criticado, mas ao qual nenhuma solução de substituição jamais pôde ser proposta, continua em vigor, e talvez a saída das crises norte-coreana e iraniana decidam seu futuro.

Se a Coréia do Norte e o Irã renunciarem às suas ambições militares, assim como um bom número de países fez antes deles, os países que ficarem tentados a imitá-los sem dúvida hesitarão em se lançar em um projeto oneroso e condenado ao fracasso. Se, ao contrário, eles alcançarem seus objetivos, é possível que vários outros países decidam produzir suas próprias armas.

(Trad.: Wanda Caldeira Brant)

1 – A União Soviética experimentou sua primeira bomba A em 1949 e sua primeira bomba H em 1953; a Grã-Bretanha fez explodir sua primeira arma nuclear em 1952 e sua primeira bomba termonuclear em 1957; para a França, as datas são 1960 e 1968; para a China, 1964 e 1967. Além disso, a França forneceu a Israel, em 1956, o reator e a usina de retratamento de Dimona, de onde saiu o plutônio de suas primeiras armas, e o Canadá forneceu à Índia, em 1955, o reator com água pesada que produziu o plutônio das primeiras bombas indianas.
2 – Em ordem cronológica a partir da primeira explosão: os Estados Unidos, a União Soviética (da qual a Rússia é hoje a sucessora), a Grã-Bretanha, a França e a China. Ao contrário de uma idéia amplamente difundida, não há a menor ligação entre o status de membro permanente do Conselho de Segurança e o de Estado dotado de armas nucleares. Os primeiros são os países vencedores da II Guerra Mundial, definidos pela Carta da ONU assinada em 26 de junho de 1945, data na qual nenhum país, nem mesmo os Estados Unidos, dispunha de uma arma nuclear. Os países “dotados de armas” são aqueles que as possuíam por ocasião da assinatura do Tratado.
3 – O texto do Tratado prevê que ele entrará em vigor quando tiver sido assinado e ratificado por 40 Estados.
4 – Essa cifra deveria ser reduzida a 188 se a decisão tomada pela Coréia do Norte, em janeiro de 2003, de se retirar do tratado fosse levada em conta. No entanto, os outros países consideram que essa retirada é inaceitável, pois não se conforma às exigências formuladas pelo tratado para que um Estado possa exercer esse direito.
5 – O título completo é “Protocolo adicional ao acordo entre o Estado de … e a AIEA, relativo à aplicação de garantias”.
6 – O Irã o assinou, mas não o ratificou, e o novo Parlamento certamente não está disposto a aprovar esse documento. Os dirigentes iranianos afirmam às vezes se submeterem a ele voluntariamente, mas apenas parcialmente, com muitas reticências.
7 – Foi assim que, em 2004, os inspetores estabeleceram que a Coréia do Sul e Taiwan, no passado, tinham feito clandestinamente pesquisas sobre as técnicas de enriquecimento do urânio e de separação do plutônio. Esses trabalhos permaneceram secretos, tanto é que esses dois países não aderiram ao Protocolo adicional.
8 – Nessa ocasião, Washington, que até então o recusava, aceitou um diálogo bilateral com Pyongyang.

(Publicado originalmente na edição brasileira do Le Monde Diplomatique, em 1/11/2005)

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