Rui Peralta, Luanda
Muhammadu
Buhari, presidente da Nigéria, apresentou no parlamento nigeriano, a 22 de
Dezembro de 2015, o Orçamento Geral de Estado para 2016, um documento cujo
discurso é marcado por duas contradições: a) precaução, no que respeita aos
objectivos da reforma administrativa e institucional e á situação económica da
Nigéria; b) o idealismo, com alguns traços irrealistas, no que respeita á
abordagem populista com que no documento se prioriza a reforma administrativa.
As
eleições presidenciais de 2015 foram um importante momento para a democracia
nigeriana, no sentido em que foram eleições que decorreram num período de crise
económica e financeira no país, crise agravada pelos ataques terroristas do
Boko Haram. É bom não esquecer que a arquitectura constitucional nigeriana é um
complexo sistema federal, composto por 36 Estados, mais de 250 grupos étnicos e
cerca de 180 milhões de habitantes. Neste sistema a democracia política
conseguiu sobreviver, apesar de todos os sintomas de desestabilização politica,
social e económica.
Com
o preço do barril – em Dezembro, durante a apresentação do Orçamento Geral de
Estado – a 39 USD/barril (em Junho de 2014 estava a 112 USD/barril) o
petro-dependente governo federal nigeriano tenta, por todos os meios, conseguir
pagar salários aos largos milhares de funcionários públicos que compõem a sua
pesada máquina estatal e administrativa (ou seja ao Estado central, aos estados
federais, para lá das forças armadas, policia, aparelho de segurança de Estado
etc.). Essa é a sua principal preocupação. Em segundo lugar vem a sua
preocupação com a moeda, a naira, com a qual já gastou milhares de milhões para
a manter, para além das restrições impostas ao acesso às divisas e á proibição
de importar 41 categorias de itens, o que representa centenas de itens, para
proteger a naira, o governo nigeriano lançou na falência centenas de empresas
comerciais, industriais e de serviços e colocou no desemprego milhares de
trabalhadores.
No
meio de tudo isto, torna-se difícil (para não dizer desonesto) compreender como
vão ser cumpridos objectivos da administração Buhari, como: o bem-estar social,
as metas de desenvolvimento, o combate ao desemprego dos jovens e o combate á
pobreza. Para cumprir todas estas prioridades, Buhari aponta o caminho da
diversificação da economia. E é aqui que as coisas não batem certo.
A
economia nigeriana tem um grau de diversificação muito superior a economias
como a Argélia ou Angola (duas das economias africanas mais dependentes do
petróleo). Agricultura, banca, serviços, turismo, comércio, industria
extractiva mineira, indústria mediática (cultural, meios de comunicação social,
etc.) são sectores que estão bem internacionalizados e com grande
competitividade nos mercados internacionais. Diversificar mais? É óbvio que é
desejável, mas para diversificar não se pode afundar, ou seja, não se pode
proteger a naira e um Estado inoperacional, burocratizado, minado por
excedentes, ou proteger as empresas petrolíferas ou os empregos gerados noutros
tempos e que hoje são incompatíveis com a actual situação do sector.
As
preocupações sobre os impactos sociais gerados pela desvalorização da moeda e
as implicações que esse facto tenha sobre a estabilidade e a segurança são
reais, mas não podem ser ditas e pensadas enquanto as lágrimas de crocodilo
rolam sob a face. É que, na Nigéria, são milhões de pessoas que já vivem
debaixo dessa pressão. Logo a instabilidade social é já uma realidade. Se a
Nigéria poderá evitar confrontos sociais violentos em 2016, essa é o fundo da
questão. Muito dificilmente a agudização da crise não fará despoletar choques
violentos e maior instabilidade. Mas isso porque os cidadãos não estão
devidamente informados sobre a situação real do país e encontram-se, em muitos
casos, mobilizados por um discurso propagandístico, populista e criador de
ilusões.
O
Boko Haram – que renomeou-se Estado Islâmico do Oeste Africano – continua a
semear o terror através de ataques bombistas suicidas, desvio de crude e
ataques devastadores às comunidades rurais do Nordeste da Nigéria. Entre Junho
e Setembro de 2015 este bando fascista islâmico assassinou cerca de mil e
seiscentas pessoas. Sob pressão do exército nigeriano e da coligação regional,
o bando foi expulso das áreas que controlava no Estado de Borno. O presidente
nigeriano apontou Dezembro de 2015 como o mês final, o mês em que o governo
derrotaria e erradicaria o Boko Haram, O grupo utilizou a sua natureza fluida
para adaptar-se às contingências da ofensiva liderada pelo governo nigeriano e
continuou os seus brutais ataques. Maiduguri, capital do Estado de Borno,
sofreu um ataque terrorista dias após o Natal. O governo nigeriano tem na
erradicação do Boko Haram e do seu rasto de sangue e violência, uma prioridade
para 2016.
Mas
o Boko Haram não é o único problema para a segurança interna da Nigéria. A
região do Delta do Níger, produtora de petróleo, encontra-se sob tensão e
crescem os protestos pró-Biafra. Por outro lado o Sul (onde Buhari perdeu as
eleições), guarda más memórias do tempo em que Buhari era governador militar.
Isto além dos problemas religiosos, étnicos e dos choques entre comunidades
rurais, que são responsáveis por centenas de mortes. Os vectores
socioecónomicos do conflito permanecem. O governo federal pode proclamar,
quantas vezes quiser e com diferentes tons de voz, a indivisibilidade da nação
nigeriana – cuja identidade consiste na diversidade e fragmentação – que
continuará a ser impossível realizar a unidade nacional - muito menos numa
estrutura federal, como a da Nigéria – se não forem utilizadas estratégias inteligentes
e abordagens realistas, que respondam com objectividade às causas que produzem
a instabilidade e a insegurança.
Foi
o discurso anticorrupção – e as credenciais de que o presidente nigeriano
adquiriu no combate á corrupção - que levou Buhari a vencer as eleições. As expectativas
que o eleitorado nigeriano depositou neste combate são elevadas e as exigências
para que o governo cumpra com este objectivo pesam sob o futuro político da
actual administração. 2016 representa um ano em que o governo nigeriano
necessita de implementar políticas que resultem e que sejam soluções para o
mal-estar económico e social, a segurança e a corrupção. Para isso Buhari e a
sua administração necessita de espaço para efectuar as reformas necessárias. De
outra forma a Nigéria padecerá dos velhos males que a afligem, mas sob novas
formas de intensidade e poderá entrar num vórtice de violência que a irá
destruturar como nação.
Desenvolvimento
ou destruturação, eis o desafio nigeriano.
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