terça-feira, 1 de março de 2016

UM MPLA “DAS CATACUMBAS”!



Martinho Júnior, Luanda 

Há alguns que sacrificaram tudo pela causa do MPLA em estreita identidade com o povo angolano.

Poderão dizer: há mas esses alguns até estão carregados de defeitos e tendo sido usados, “portaram-se mal” e a seu tempo mereceram ter sido deitados fora!...

Desses houve quem colocasse ao MPLA e só ao MPLA questões que por qualquer tipo de razão, ou de razões, jamais mereceram resposta, ou se a mereceram, não passaram de respostas que foram, ou que são muros e muros de silêncio!...

Há que lembrá-lo hoje, quando se recorda a memória e os ensinamentos dos maiores do MPLA, por que o acto doloroso de trazer à luz o MPLA feito de anónimas sombras, o MPLA “das catacumbas”, é algo que tem a ver com a construção ética do enorme mérito histórico do MPLA, enquanto comprometido Movimento de Libertação em África, que assume a responsabilidade dos resgates que vão muito para além do exercício de independência e soberania!

 Há um MPLA não manipulável pela ingerência capitalista neoliberal, que alguns dão por morto, mas que vive naqueles que mesmo presos, mesmo marginalizados, mesmo vilipendiados, mesmo desaparecidos, mesmo na sepultura do anonimato, não abdicaram nunca de ser como Agostinho Neto e Lúcio Lara, ou um pouco como o Che, mesmo nas circunstâncias mais adversas e perante provas de vida que colocaram, quantas vezes, sua sobrevivência e dos seus em causa!...

Imaginam sequer a existência desse MPLA, que mais parece um MPLA "das catacumbas"?!

Ilustração: Um manuscrito das “catacumbas”, por que ainda não morreu “o homem novo do MPLA”!

OS OLEODUTOS DA MORTE E DA DESTRUIÇÃO



 Rui Peralta, Luanda

Especiais agradecimentos, pela sua colaboração, aos jornalistas Ashraf al-Falahi (al-Monitor) e Nafeez Ahmed (Middle East Eye).

Taiz, outrora uma próspera cidade do Sul do Iémen, é um pesadelo onde impera a morte e a destruição. Desde Abril de 2015, quando se iniciaram os combates entre as forças Houthi e as falanges do deposto presidente Ali Abdullah Saleh, a dor e a tristeza tornaram-se o quotidiano dos cidadãos de Taiz. O cenário é, no que respeita ao drama humano, idêntico ao de muitas cidades sírias. A situação catastrófica levou o Programa Mundial para o combate á Fome, das Nações Unidas, a considerar urgente a sua intervenção na cidade.

Cerca de 70% dos 600 mil habitantes da cidade partiram para zonas seguras fora da cidade. A situação humanitária é trágica e na cidade não há alimentação nem medicamentos. Os bombardeamentos constantes provocam um cenário de caos e destruição e semeiam a morte. Feridos e refugiados formam colunas aguardando por um momento de tréguas para saírem da cidade. A ajuda internacional, quando chega, não cobre mais de 5% das necessidades dos que se encontram cercados na cidade.

Taiz, em 2011, rebelou-se contra Saleh. Quando as forças governamentais tomaram a cidade, esta tornou-se num bastião de resistência contra o anterior presidente. As forças Houthis cercam a cidade, controlada pelas milícias fieis a Saleh, e as forças leais ao actual presidente Abed Rabbo Mansour Hadi – suportado pela Arábia Saudita e com o apoio dos USA – não conseguem retomar a cidade. Aos poucos as forças Houthis – apoiadas pelo Irão – apertam o cerco sobre as milícias de Saleh e avançam para o controlo da cidade. 

Quanto ao exército leal ao actual presidente Abed Hadi, encontra-se em divergências internas devido a um desentendimento entre os Emiratos Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Os sauditas apoiam o Islah (Partido da Congregação iemenita para a Reforma), que faz parte da Irmandade Muçulmana (IM), enquanto os Emiratos consideram que a IM é um inimigo a combater e tão perigoso como os xiitas Houthis apoiados pelo Irão.

A situação de Taiz é um espelho da situação em que se encontra o Iémen. Um milhão de refugiados já foram gerados por esta guerra. Mais de 14 milhões de pessoas padecem de má nutrição. 3 Milhões de crianças estão subnutridas. Por todo o país calcula-se que cerca de 20 milhões de pessoas carecem de água potável. A força aérea Saudita bombardeia sistematicamente a infra-estrutura civil. Um relatório das Nações Unidas, enviado para o Conselho de Segurança, refere que os sauditas efectuam ataques aéreos contra civis e objectivos civis, incluindo campos de refugiados, além de bombardearem indiscriminadamente hospitais, escolas, mesquitas e mercados. Estes bombardeamentos já destruíram o aeroporto de Sanaa, o porto de Hudaida e grande parte das estradas e vias de comunicação. O relatório conclui que estas acções são crime de guerra, posição que já foi, timidamente, assumida pelo secretário-geral da ONU.

Os governos norte-americano e britânico fornecem armas á Arábia Saudita não querem responsabilizar-se por estes crimes de guerra, afirmando que apenas prestam assessoria militar e que não estão directamente envolvidos nas operações da coligação liderada pela Arábia Saudita. Mas estas afirmações entram em contradição com as declarações do ministro das relações exteriores do reino saudita, Adel al-Jubeir, que revelam a participação de militares britânicos e norte-americanos nas operações e ao nível do centro de comando dos ataques aéreos contra o Iémen. Em Abril de 2015 o vice-secretário de Estado norte-americano Anthony J. Blinken afirmou, em Riade, que os USA aumentaram os intercâmbios ao nível dos serviços de inteligência com a Arábia Saudita e criaram um centro de planificação conjunta de coordenação que incluía a selecção de objectivos militares.

Os objectivos da coligação encabeçada pelos sauditas são baseados no pressuposto de que os houthis são uma força dominada pelo Irão e que a rebelião houthi é um componente do cerco estratégico a que o Irão tenta submeter os Estados do Golfo, cerco que foi iniciado no Iraque e que se encontra agora reforçado pela participação iraniana na Síria e no Líbano. A esta dedução a Arábia Saudita acrescenta o acordo nuclear que permitiu ao Irão integrar-se na economia-mundo, abrindo a este país os poços petrolíferos e de gaz, consolidando a sua posição regional.

Mas estes pressupostos tornam os objectivos dos sauditas pouco claros. Bernadette Meehan, porta-voz do Conselho Nacional de Segurança da administração Obama afirmou que o Irão não controla a rebelião houthi. Por sua vez Jamal Benomar, enviado especial da ONU para o Iémen, afirmou, ao Wall Street Journal, que os ataques aéreos sauditas impediram um acordo de paz, encabeçado pelo Irão, que teria permitido um acordo entre os grupos políticos rivais e uma repartição do Poder politico entre os beligerantes, criando condições para uma transição que permitisse criar condições para implementar um Iémen democrático.

Uma resolução de paz que encaminhe o Iémen para uma democracia é algo que contrasta com os interesses norte-americanos na região. Para os USA o Iémen tem uma importância estratégica relativa, em função da estabilidade da Arábia Saudita e das restantes petro-monarquias do Golfo. O território e as ilhas iemenitas desempenham um papel-chave na segurança de um ponto de passagem obrigatório localizado no extremo-sudeste do Mar Vermelho, a Porta das Lágrimas (Bab al-Mandab), um estreito que é passagem obrigatória entre o Corno de África e o Próximo-Oriente e de importância estratégica para o controlo do fluxo entre o Mar Mediterrâneo e o Oceano Indico. Pela Porta das Lágrimas circulam a maioria das exportações provindas do Golfo Pérsico, que passam pelo Canal do Suez, além do oleoduto SUMED, na linha Suez-Mediterrâneo.

Um Iémen soberano e democrático seria um sério concorrente que poderia ameaçar o tráfico pelo Canal do Suez, assim como o fluxo diário de petróleo e seus derivados, cujo fluxo foi incrementado substancialmente (de 2,9 milhões de barris/dia em 2009 para 3,8 milhões de barria/dia em 2013), segunda a EIA (Agência de Informação sobre Energia, da administração norte-americana). Por outro lado o Iémen tem um potencial ainda não explorado, que o constitui como alternativa de rotas de transporte marítimo do petróleo e gaz sauditas, evitando o Estreito de Ormuz e o Golfo Pérsico, que poderão ser bloqueados pelo Irão, em caso de conflito.

A Arábia Saudita pretende explorar este potencial construindo um oleoduto, cuja propriedade seria em exclusivo dos sauditas, através de Hadramawt, até a um porto no Golfo de Áden, Saleh sempre se opôs a este projecto, mas a Arábia Saudita conseguiu o apoio de altos oficiais militares iemenitas e comprou a lealdade dos chefes tribais, posicionando-se para garantir os direitos sobre este projecto. Não é por acaso que a província de Hadramawt não sofreu os bombardeamentos sauditas. Esta é a maior província do Iémen, onde se localizam a maior parte do gaz e petróleo produzidos no país e o seu governador é um dos maiores apoiantes iemenitas ao projecto saudita…

O projecto do oleoduto nasce do facto de as monarquias do Golfo viverem no temor de que o Irão bloqueará, num futuro próximo, o Estreito de Ormuz, o que as leva a procurar alternativas, pressionadas pelo seu medo, mas também pressionadas pelos USA, que têm os mesmos receios. Assim, em 2007, Arábia Saudita, Bahrain, Emiratos Árabes Unidos (EAU), Omã e Iémen, empreenderam em conjunto o projecto do Oleoduto Transarábia. Este projecto implicava a construção de diversas linhas de abastecimento, a serem iniciadas na cidade saudita de Ras Tannurah, uma linha nos EAU (no Emirato de Fujairah, ligando-o ao Gofo de Omã), duas linhas em Omã e duas linhas no Iémen (que colocaria o petróleo e o gaz no Golfo de Áden). Em 2012 entrou em funcionamento a conexão Abu Dhabi / Fujairah, nos EUA. No entanto Omã e Irão efectuaram um acordo sobre um projecto bilateral para construção de um oleoduto, o que despertou a desconfiança da Arábia Saudita, aumentando o atractivo pela opção Hadramawt, no Iémen. O presidente Saleh (um firme apoiante do Transarábia) era um obstáculo á opção Hadramawt, por este ser um projecto exclusivo dos sauditas.

As esperanças da Arábia Saudita, residiam no próprio regime de Saleh, como vimos, entre as chefias militares e os chefes tribais, na esperança de pressionarem Saleh, ou de um eventual sucessor no seio do regime mas, em 2011, os levantamentos populares, que exigiam a democracia, frustraram os planos sauditas e obrigaram á passagem do “Plano B”: a al-Qaeda da Península Arábica (AQAP, pelas suas siglas em inglês).

Esta organização foi beneficiada pela estratégia saudita no Iémen. Em Hadramawt o porto e o aeroporto internacional de al-Mukalla estão sob controlo da AQAP, em óptimas condições e nunca sofreram qualquer ataque aéreo saudita. Aliás o exército saudita abastece a AQAP em Hadramawt, com armas, munições e equipamentos. Esta aliança saiu á luz do dia em Junho de 2015, quando o governo de transição de Mansour Hadi, apoiado pela Arábia Saudita, enviou um representante a Genebra, como delegado oficial para as negociações com a ONU. O representante iemenita era Abdulwahab Humayqani, identificado em 2013 pelas autoridades fiscais norte-americanas como um recrutador de apoios financeiros da AQ, embora o seu cadastro remontasse a 2012 quando dirigiu um atentado (carro-bomba) a um quartel da Guarda Republicana iemenita, que causou a morte a 7 pessoas.

A Arábia Saudita e seus aliados armam uma grande quantidade de milícias no Sul do Iémen, Uma grande parte deste armamento e financiamento vão para a AQAP, um delegado útil para os sauditas, na sua guerra contra os houthis. O que levanta uma questão: e o que acontece com o Estado Islâmico? A resposta é simples: é, também um beneficiado da ajuda saudita, embora em menor grau. E em menoridade porque o que está a ser preparado é o caminho para o surgimento do Estado Islâmico no Iémen, assim como para o ressurgimento da AQ.

Existe uma lição a reter no caso do Iémen: a Arábia Saudita não quer um Iémen forte e democrático no outro lado da fronteira (fronteira com mais de mil e 500 km). Para as petro-monarquias do Golfo, em geral, e para os sauditas, em particular, é necessário um Iémen submisso e submetido aos ditames imperiais e neocoloniais. E a guerra, hoje (como o prova a invasão norte-americana ao Iraque, ou a destruturação que a NATO provocou na Líbia), não impede os oleodutos e gasodutos de funcionarem, desde que se pague tributo…e no Iémen os sauditas anteciparam o pagamento e transformaram-no em salário. 

AS REDES SOCIAIS ESTÃO MATANDO A INTERNET?



Há uma década, ela era inteligente e diversa como uma teia global de bibliotecas conectadas. Agora, pode reduzir-se a nova TV: previsível, infantilizante, abovinadora

Hossein Derakhshan*, na Piseagrama, parceiro editorial de Outras Palavras

Há alguns meses, eu me sentei na pequena mesa da cozinha do meu apartamento, no último andar de um prédio em um bairro vibrante de Teerã, e fiz uma coisa que já tinha feito milhares de vezes antes: abri meu laptop e postei no meu novo blog. Aquela, por outro lado, era a primeira vez em seis anos. E quase partiu meu coração.

Algumas semanas antes, eu havia sido abruptamente perdoado e libertado da prisão de Evin, no norte de Teerã. Eu esperava passar um bom tempo do resto da minha vida naquelas celas: em novembro de 2008, fui sentenciado a quase 20 anos de prisão por causa das coisas que eu escrevia no meu blog.

A chegada desse momento foi inesperada. Eu tinha acabado de fumar um cigarro na cozinha com um dos meus companheiros de prisão, e voltei à cela que eu dividia com uma dúzia de outros homens. Estávamos tomando chá quando a voz ao microfone que fazia os anúncios do andar – outro prisioneiro – preencheu as celas e os corredores. Em tom monótono, ele anunciou, em persa: “Queridos prisioneiros, o pássaro da sorte mais uma vez pousou sobre os ombros de um de nossos companheiros. Senhor Hossein Derakhshan, você está livre a partir de agora”.

Naquela noite, eu saí como um homem livre pela primeira vez. Tudo parecia novo: a brisa fresca do outono, o barulho do trânsito vindo de uma ponte próxima, o cheiro, as cores da cidade onde eu tinha vivido a maior parte da minha vida. À minha volta, eu percebia uma Teerã bem diferente daquela à qual eu pensava estar acostumado. Condomínios novos, desavergonhadamente luxuosos, substituíam as pequenas e encantadoras casas antes tão familiares. Havia novas vias, estradas, e hordas invasivas de SUVs. Imensos outdoors anunciavam relógios feitos na Suíça e TVs importadas da Coréia. Mulheres usavam echarpes e casacos coloridos, homens tinham cabelos e barbas pintadas, e centenas de cafés charmosos tocavam música ocidental descolada, com atendentes mulheres. Eram dessas mudanças que vão sendo absorvidas aos poucos pelas pessoas; do tipo que você só percebe mesmo quando é removido da vida normal.

Duas semanas depois, eu comecei a escrever de novo, depois que alguns amigos concordaram em me deixar começar um blog que comporia sua revista de arte. Se seis anos tinham sido um bom tempo de prisão, para a internet, foram uma era inteira. O ato de escrever na internet, em si, não havia mudado, mas a leitura – ou, pelo menos, fazer com que as coisas fossem lidas – mudara drasticamente. Já tinham me contado sobre como as redes sociais haviam se tornado essenciais enquanto eu estive fora, e eu sabia que, se quisesse fazer com que a minha escrita atingisse as pessoas, teria que usá-las a partir de agora.

Então eu tentei postar um link para um artigo meu no Facebook. Descobri que o Facebook não dava a mínima, e o meu artigo acabou parecendo mais um anúncio chato de classificados: sem descrição, sem imagem, sem nada. Três curtidas. Três! Só isso. Naquele momento, ficou claro para mim que as coisas tinham mesmo mudado. Eu não estava equipado para jogar o novo jogo – todos os meus esforços anteriores já não serviam de nada. Eu fiquei devastado.

Blogs valiam ouro e blogueiros eram como estrelas de rock quando eu fui preso em 2008. Naquele momento, embora o Estado bloqueasse o acesso ao meu blog dentro do Irã, eu tinha uma audiência de cerca de 20 mil pessoas por dia. Todo mundo que eu “linkava” nos meus textos passava por um salto repentino e considerável de tráfego no próprioblog: eu podia empoderar ou envergonhar quem eu quisesse.

As pessoas costumavam ler meus posts e deixar comentários relevantes, e até aqueles que discordavam completamente de mim ainda visitavam e liam o blog constantemente. Outros blogs se conectavam ao meu para discutir o que eu dizia. Eu me sentia um rei.

O iPhone tinha pouco mais de um ano naquela época, mas ossmartphones ainda eram mais usados para fazer ligações e mandar mensagens, checar e-mails, e navegar pela internet. Não havia ainda osapps como os de hoje. Não havia Instagram, SnapChat, Viber ou WhatsApp. No lugar deles, havia a web e, na web, havia os blogs: os melhores lugares para encontrar pensamentos alternativos, notícias e análises. A web era a minha vida.

Tudo começou com o 11 de setembro. Eu estava em Toronto e meu pai tinha acabado de chegar de Teerã para uma visita. Estávamos tomando café da manhã quando o segundo avião colidiu com o World Trade Center. Perplexo e confuso, eu buscava explicações e acabei chegando aos blogs. Depois de ler alguns, eu pensei: “É isso! Vou começar umblog e encorajar outros iranianos a fazer o mesmo”. E então, usando o Notepad do Windows, eu comecei a experimentar. Logo eu estava escrevendo no hoder.com, usando a plataforma de publicação Blogger, antes de sua compra pela Google.

No dia 5 de novembro de 2001, publiquei um passo a passo sobre como começar um blog. Aquilo disparou algo que depois chegou a ser chamado de revolução do blog: em pouco tempo, centenas de milhares de iranianos fizeram do Irã uma das cinco nações com maior número de blogs, e o meu papel nessa história sem precedentes da democratização da escrita no país me deixava orgulhoso.

Naquela época, eu mantinha uma lista pública de todos os blogs em persa e, por um tempo, eu era a primeira pessoa que qualquer blogueiro iniciante no Irã procurava, para aparecer na lista também. Chamavam-me de blogfather (uma piada com godfather, que significa padrinho em inglês) quando eu não passava dos meus vinte e poucos – um apelido um tanto bobo, mas que dava pistas de como aquilo tudo era importante para mim.

Todas as manhãs, do meu pequeno apartamento no centro de Toronto, eu abria meu computador e cuidava dos novos blogs, ajudando-os a ganhar exposição e audiência. Tratava-se de um grupo diverso – de autores e jornalistas exilados, passando por mulheres que escreviam diários, experts em tecnologia, a jornalistas locais, políticos, clérigos e veteranos de guerra – e eu me sentia cada vez mais motivado. Convidava mais e mais gente, homens e mulheres, de dentro do Irã, a participar e começar a escrever.

Naquele tempo, a abrangência do que estava disponível impressionava todos nós. E era parte do motivo pelo qual eu promovia blogueiros com tanto afinco. Eu havia deixado o Irã no final de 2000 para experimentar uma vida no Ocidente e tinha medo de estar perdendo todas as tendências que emergiam no meu país de origem. Ler blogsiranianos em Toronto era a experiência mais próxima que eu poderia ter de sentar em um táxi compartilhado em Teerã e escutar as conversas entre um motorista falante e passageiros aleatórios.

Há uma história no Corão sobre a qual pensei muito durante meus primeiros oito meses de confinamento solitário. Nela, um grupo de cristãos perseguidos encontra refúgio em uma caverna. Junto de um cão que os acompanhava, entram num sono profundo e acordam com a impressão de que tinham tirado apenas um cochilo. Na verdade, haviam se passado 300 anos. Uma versão da história narra o momento em que um deles sai para comprar comida – é de se esperar que estejam famintos depois de 300 anos – e percebe que sua moeda é obsoleta, que se tornou um item de museu. É assim que descobrem que estiveram ausentes por tanto tempo.

O hyperlink era minha moeda há seis anos. Oriundo da ideia de hipertexto, o hyperlink promoveu a diversidade e a descentralização que faltavam no mundo real. O hyperlink representava o espírito aberto e interconectado da world wide web – uma visão que teve início com seu inventor, Tim Berners-Lee. Era um modo de abandonar a centralização – os links, linhas e hierarquias – e substituí-la por algo mais distribuído, um sistema de nós e redes.

Os blogs deram forma a esse espírito de descentralização: eles eram janelas para vidas das quais pouco sabíamos, pontes que conectavam diferentes existências umas às outras e, portanto, as transformavam.Blogs eram cafés nos quais as pessoas trocavam ideias diversas sobre qualquer assunto possível. Eram uma versão agigantada dos táxis compartilhados de Teerã. No entanto, desde que saí da prisão, percebi o quanto o hyperlink fora desvalorizado, se tornando quase obsoleto.

Quase todas as redes sociais tratam os links como qualquer outro objeto – como uma foto ou um texto –, ao invés de enxergá-los como uma forma de enriquecer o texto em que se encontram. Somos estimulados a postar apenas um hyperlink e expô-lo a um processo que consiste em receber “curtidas”, sinais de adição ou coraçõezinhos, e é bem comum que não seja sequer permitido adicionar muitos links a um único texto. Os hyperlinks foram objetivados, isolados e despidos de seu poder.

Ao mesmo tempo, essas mesmas redes sociais tendem a tratar textos e imagens nativos, ou seja, diretamente publicados em suas plataformas, com muito mais respeito do que aqueles hospedados em páginas externas. Um amigo fotógrafo me explicou que suas imagens publicadas diretamente no Facebook recebem um grande número de “curtidas”, o que significa que elas aparecem mais para outros usuários. Por outro lado, quando posta um link para uma mesma imagem hospedada fora do Facebook – em seu enferrujado blog, por exemplo – ela é muito menos visível no Facebook e recebe um número muito menor de “curtidas”. O ciclo reforça a si mesmo.

Algumas redes, como o Twitter, por exemplo, tratam os hyperlinks de maneira um pouco melhor. Outras são muito mais paranoicas. O Instagram, propriedade do Facebook, não permite que sua audiência saia do aplicativo. Você pode até colocar um endereço na descrição de suas fotos, mas aquele link não o levará a lugar algum. Muitas pessoas começam sua rotina diária online nessas redes sociais sem saída, e suas jornadas também terminam ali. Muitos nem percebem que estão usando a infraestrutura da internet quando curtem uma foto no Instagram ou deixam um comentário no vídeo de um amigo no Facebook. É só um aplicativo.

Mas os hyperlinks não são apenas o esqueleto da internet: são seus olhos, um caminho até sua alma. Uma página web cega, ou semhyperlinks, não pode olhar para outras páginas – e isso tem consequências sérias nas dinâmicas de poder na web. Muitos teóricos pensam a relação entre olhar e poder, e a maioria em um sentido negativo: o observador desnuda o observado e o transforma em um objeto sem poder, destituído de inteligência ou ação. Mas no mundo das páginas web, o olhar funciona de um modo diferente: ele traz empoderamento. Quando um site poderoso, como o Google ou o Facebook, lança seu olhar ou cria um link para outras páginas, ele não só se conecta a elas, mas confere existência a elas. Metaforicamente, sem esse olhar empoderador, sua página não respira. Não importa quantos links você tenha colocado numa página: até que alguém olhe para ela, ela está morta e cega e, portanto, incapaz de transferir poder a outras páginas web. Por outro lado, as páginas mais poderosas são aquelas que têm muitos olhos sobre elas. Como celebridades – que estabelecem um tipo de poder graças aos milhares de olhos humanos que as observam o tempo todo –, páginas web podem capturar e distribuir seu poder a partir de hyperlinks.

No entanto, aplicativos como Instagram são cegos, ou quase cegos. Seu olhar não leva a lugar nenhum, exceto para dentro de si mesmos, relutante em transferir seus vastos poderes a outros. A consequência disso é que as páginas web fora das redes sociais estão morrendo.

Antes mesmo da minha prisão, os poderes do hyperlink já estavam sendo constrangidos. Seu maior inimigo era uma filosofia que combinava dois dos mais dominantes e superestimados valores de nossos tempos: novidade e popularidade, refletidos na dominação, no mundo real, das celebridades jovens. Essa filosofia é o stream. Ostream domina a maneira por meio da qual as pessoas recebem informação na web. Poucos usuários checam diretamente as páginas na internet; em vez disso, são alimentados por um fluxo infinito de informações que são selecionadas e exibidas por algoritmos complexos – e secretos.

O stream significa que você não precisa mais abrir tantos sites e abas. Você não precisa sequer de um navegador. Você abre o Twitter ou o Facebook em seu celular e ali mergulha profundamente. A montanha chega até você – os algoritmos já escolheram tudo para você. De acordo com o que você ou seus amigos já leram ou viram, eles preveem aquilo que você poderia gostar de ver. É bom sentir que não estamos gastando tempo procurando coisas interessantes na internet. Mas o que estamos perdendo com isso? O que estamos trocando por essa eficiência toda?

Em muitos aplicativos, os juízos que lançamos – as “curtidas”, os “mais”, as estrelas, os corações – estão mais ligados a ícones fofos, fotos de perfil bonitas e ao status de gente famosa do que à substância daquilo que foi publicado. Um parágrafo brilhante de uma pessoa ordinária pode ser deixado de fora do stream, enquanto qualquer texto bobo de uma pessoa famosa ganha presença virtual instantânea.

Os algoritmos por trás do stream não só equiparam novidade e popularidade à importância; eles também tendem a nos mostrar mais daquilo que já curtimos. Esses serviços leem cuidadosamente nosso comportamento e desenham nosso feed de notícias com os posts, fotos e vídeos que acham que gostaríamos de ver.

A popularidade não é algo ruim em si, mas tem seus efeitos colaterais. Em uma economia de livre mercado, produtos de baixa qualidade com os preços errados estão supostamente fadados ao fracasso. Ninguém se sente triste quando um café que serve bebidas ruins e tem garçons mal-humorados vai à falência. Mas opiniões não são como produtos e serviços materiais. Elas não somem se forem ruins. Na verdade, a história vem provando que a maior parte das grandes ideias (muitas delas, más ideias) não foi popular por muito tempo e seu status marginal só serviu para fortalecê-las. Pontos de vista minoritários são radicalizados quando não podem ser expressos e reconhecidos.

Hoje, o stream é a forma dominante de organização da informação nas mídias digitais. Ele está em toda rede social e aplicativo de celular. Desde que ganhei liberdade, vejo o stream em todos os lugares. Imagino que não vai demorar até que vejamos novos sites organizando seu conteúdo inteiro com base nos mesmos princípios. A predominância do stream hoje não só prejudica a qualidade de um bom pedaço da internet, como também contraria a diversidade que a word wide web visionou originalmente.

Não tenho dúvidas de que a diversidade de temas e opiniões na internet é menor hoje do que no passado. Ideias novas, diferentes e desafiadoras são suprimidas pelas redes sociais porque suas estratégias de ranking priorizam o popular e a mesmice – não é à toa que a Apple está contratando editores humanos para seu aplicativo de notícias. Mas a diversidade está também sendo reduzida de outras formas, por outras razões.

Uma delas é visual. Sim, é verdade que meus posts no Twitter e no Facebook se parecem com um blog pessoal: são coletados numa ordem cronológica reversa, em uma página específica, com um endereço webdireto para cada publicação. Mas eu tenho muito pouco controle sobre sua aparência e não posso personalizar nada. Minha página deve seguir a aparência uniforme que os designers daquela rede social escolheram para mim.

A centralização da informação também me preocupa, porque acaba fazendo as coisas desaparecerem. Depois que fui preso, meu serviço de hospedagem online fechou a minha conta, porque eu não conseguia mais pagar sua taxa mensal. Pelo menos eu tinha o backup de todos os meus posts no banco de dados do servidor (a maioria das plataformas de blog costumava permitir que você transferisse seus posts e arquivos para seu próprio espaço web, o que já não é mais permitido por muitas plataformas). Mas o que acontece se a minha conta no Facebook ou no Twitter for deletada por alguma razão? É possível que esses serviços ainda demorem a morrer, mas não é muito difícil imaginar serviços americanos fechando, um dia, as contas de qualquer cidadão do Irã, por exemplo, como resultado de um sistema de sanções. Se isso acontecesse, pode até ser que eu conseguisse baixar meus posts de alguma dessas plataformas. Mas e o endereço único para meu perfil na rede social? Será que eu poderia tê-lo de volta?

Entretanto, o resultado mais sério da centralização da informação nos tempos de mídia social é ainda outro: estamos nos tornando muito menos poderosos em relação a governos e corporações. A vigilância nos vai sendo imposta cada vez mais e parece que a única maneira de ficar longe desse vasto aparato é ir para uma caverna e dormir. Ser observado é algo a que teremos que nos acostumar em algum momento e, infelizmente, não tem nada a ver com o país em que residimos. Ironicamente, os Estados que cooperam com o Facebook e o Twitter sabem muito mais sobre seus cidadãos do que aqueles, como o Irã, em que o governo controla a internet, mas não tem acesso legal às empresas de mídias sociais.

O que é ainda mais assustador do que ser vigiado, no entanto, é ser controlado. Quando o Facebook nos conhece melhor do que nossos pais com apenas 150 curtidas, e melhor que nossos parceiros com 300 curtidas, o mundo se torna muito previsível, tanto para os governos quanto para os negócios. E essa previsibilidade significa controle.

A sociedade parece cada vez mais obcecada por novas tendências. Utilidade e qualidade, usualmente, vêm em segundo lugar. No começo dos anos 2000, escrever blogs fazia de uma pessoa alguém descolado. Então, por volta de 2008, surgiu o Facebook. Depois veio o Twitter. Desde 2014, a moda é o Instagram, e ninguém sabe o que virá a seguir. Mas talvez as minhas preocupações estejam mal endereçadas. Talvez eu esteja preocupado com a coisa errada. Talvez a questão não seja exatamente a morte do hyperlink ou a centralização.

Talvez o texto em si esteja desaparecendo. Afinal de contas, os primeiros visitantes da web passavam seu tempo lendo revistas online. Depois vieram os blogs, e depois o Facebook e o Twitter. Agora é com os vídeos do Facebook, o Instagram e o SnapChat que as pessoas gastam seu tempo. Temos cada vez menos textos disponíveis para leitura nas redes sociais e mais e mais vídeos para assistir e imagens para olhar. Será que estamos presenciando o declínio da leitura na internet em nome do assistir e do escutar?

Será que essa tendência resulta de mudanças de hábitos das pessoas, ou será que as pessoas estão simplesmente seguindo novas regras impostas pelas redes sociais? Eu não sei e deixo para os pesquisadores essas questões, mas me parece que estamos revivendo velhas guerras culturais. Afinal, a web começou imitando livros e, por muitos anos, foi extremamente dominada por textos e hipertextos. Os mecanismos de busca colocaram um grande valor nesses objetos e empresas inteiras foram construídas a partir disso. Mas à medida que o número descanners, fotos digitais e câmeras de vídeo crescem exponencialmente, isso parece estar mudando. As ferramentas de busca estão começando a incorporar algoritmos avançados de reconhecimento de imagem; e dinheiro de propaganda está flutuando por lá.

O stream, os aplicativos de celular e as imagens em movimento, todos eles apontam para uma mudança fundamental: de uma internet-livropara uma internet-televisão. Aparentemente saímos de um modo não linear de comunicação – nós, redes e links – para uma situação linear, com centralizações e hierarquias. Quando foi inventada, a web não foi vislumbrada como uma forma de televisão. Mas, querendo ou não, está rapidamente imitando a TV: linear, passiva, programada e ensimesmada.

Assim que entro no Facebook, começa minha televisão pessoal. Tudo que tenho para fazer é rolar a página para baixo e ver as novas fotos de perfil dos amigos, pequenos trechos de opinião, links para novos textos com legendas curtas, publicidade e, obviamente, vídeos que tocam automaticamente. Às vezes, curto ou compartilho alguma coisa, leio os comentários das pessoas, ou abro algum artigo. Mas continuo dentro do Facebook, e ele continua a me mostrar aquilo que sabe que eu posso gostar. Essa não era a web que eu conhecia quando fui para a prisão. Esse não é o futuro da web, isso é televisão.

Às vezes penso que estou me tornando muito ranzinza com a idade e que talvez essa seja mesmo a evolução natural da tecnologia. Mas não dá para ignorar o que está acontecendo: a perda da diversidade intelectual e tecnológica, e do grande potencial que poderiam ter em tempos tão turbulentos. No passado, a internet era poderosa e séria o suficiente para me levar à cadeia. Hoje, ela não passa de uma ferramenta de entretenimento. Tanto é que o Irã nem considera algumas plataformas, como o Instagram, sérias o suficiente para que sejam alvo de bloqueio.

Sinto falta do tempo em que as pessoas buscavam opiniões diferentes e se preocupavam em ler mais de um parágrafo ou 140 caracteres. Sinto falta dos dias em que eu podia escrever alguma coisa no meu blogpessoal e publicar no meu domínio sem ter que gastar o dobro do tempo promovendo o texto em várias redes sociais; quando ninguém ligava para “curtidas” ou compartilhamentos.

Essa é a internet da qual eu me lembro antes da prisão. Essa é a internet que nós temos que salvar.
*Hossein Derakhshan – Escritor, blogueiro e ativista da internet iraniano-canadense. Foi libertado da prisão de Evin, no Irã, depois de seis anos, em novembro de 2014. (http://hoder.com)

Portugal. O CONCEITO DE AUSTERIDADE E A RESPONSABILIDADE PELA VIDA




Agarrada à austeridade como palavra mágica para jogar a crise do poder financeiro sobre os trabalhadores e suas famílias, a direita sob o comando externo da Comissão Europeia, agora empenha-se em defender os privilégios dos ricos como se fossem os criadores do desenvolvimento da produção, dos empregos e da independência nacional. Não entendeu que a austeridade nacional com adequada distribuição dos meios de sobrevivência terá de acabar com os privilégios de uma elite apátrida. Qualquer pessoa que faça poupança, qualquer gestor(a) da economia familiar, entende o que é austeridade e a diferença em relação à exploração.

Surpreende a cegueira mental de Passos Coelho que diz ter o atual governo "dado com uma mão o que tirou com a outra, para manter a austeridade". Deixa de ver que a população tem dois lados: ricos e pobres, que a política tem dois lados: esquerda e direita, e que a opção de favorecer a maioria dos portugueses e não uma elite privilegiada, ou seja a nação como um todo e não o poder financeiro gerido por uma elite sob o comando de Bruxelas, é uma mudança fundamental no Governo de Portugal. A esquerda no Parlamento abriu o único caminho para que Portugal possa reconstruir as forças produtivas nacionais e superar a via do atolamento em créditos e corrupções adotada como mão única pela direita submissa à União Europeia.

Mas há muitas outras questões que a direita representada pelo PSD de Passos Coelho reduziu à expressão mais medíocre da submissão às ordens da Troika. A formação da União Europeia tem também duas faces: a da solidariedade entre nações e a unificação do poder financeiro nas mãos das elites dos países mais ricos. Com o aprofundamento da crise sistémica a união começou a desvendar as suas contradições que foram cobertas pelo asfalto das grandes estradas, o uso da língua inglesa como idioma predominante, os mega-shows de uma suposta arte global, a transformação do futebol em primeira notícia, a exportação de bens e de mão de obra qualificada em troca do turismo como fonte de renda, tudo com moderna tecnologia em substituição à produção das riquezas e ao desenvolvimento nacionais. Enfim, veio à tona com as consequências das guerras promovidas pela NATO, as verdadeiras intenções da elite mundial que se reuniu em Bildemberg para traçar o caminho da subordinação das nações europeias a um poder financeiro imperial que deu à luz o Euro como símbolo de uma falsa união dos povos, que funciona como algema.

À face rica da UE, que apresenta planos aos governos para aperfeiçoar a gestão económica e financeira e condicionar a administração pública das nações dependentes, que autoriza financiamentos e créditos aos bons alunos, que paga régios salários aos assessores, opõe-se a dramática realidade da escolha oportunista, dentre os que fogem à guerra em busca de socorro, dos que convém serem reconhecidos como sobreviventes nas sociedades europeias. O volume descomunal da emigração desesperada dos refugiados, criada pelas guerras apoiadas pela UE, deixou visível a incapacidade de organizar recursos para salvar pessoas e o desinteresse pelos seres humanos que não se oferecem apenas como mão de obra qualificada e barata aos países de acolhimento, ou seja, a face criminosa e pobre de humanismo que arrasta as nações para um abismo.

Os dois lado da realidade, a direita e a esquerda na ação política, as duas faces de quem exerce o poder, existem sempre para que os seres humanos escolham o seu caminho na vida. Os disfarces para iludir os mais distraidos acabam por cair quando a crise atropela os que se agarram ao poder. Não é novidade para ninguém, a não ser para os distraidos como Passos Coelho e seus seguidores, ou os que julgam que os povos são cegos.

Em Portugal hoje está claro que os créditos recebidos foram aplicados principalmente em bancos que, mal geridos e protegidos pelo Banco de Portugal (que assina em cruz o que Bruxelas manda), pagaram grandes salários aos seus executivos, congelaram os depósitos de clientes populares e foram à falência. A austeridade deveria ter sido aplicada no setor financeiro e nos rendimentos dos mais ricos. Austero quer dizer responsável, controlado, capaz de bem gerir os recursos existentes. E a favor de Portugal independente, não de uma Troika que anda experimentando planos de desenvolvimento financeiro sem conhecer os efeitos econômicos e sociais sobre a população portuguesa, como hoje fazem os laboratórios da indústria química internacional inventando medicamentos que matam e fertilizantes que destroem o solo produtivo.

*Zillah Branco -  Cientista social, consultora do Cebrapaz. Tem experiência de vida e trabalho no Brasil, Chile, Portugal e Cabo Verde.

Portugal. O APOIO À FAMÍLIA



João Galamba – Expresso, opinião

No seu discurso de encerramento do debate na generalidade do Orçamento do Estado, Assunção Cristas, futura líder do CDS, atacou a opção do Governo de pôr termo ao quociente familiar por, alegadamente, prejudicar as famílias com filhos. Quem oiça deputados do CDS (ou do PSD) criticar este orçamento fica com a ideia de que as famílias com filhos saem prejudicadas com as opções políticas deste Governo e da maioria que o sustenta. Acontece que isto não é verdade. Por muito que custe ao CDS admiti-lo, as famílias com filhos ficam com mais, não com menos rendimento.

O fim do quociente familiar, que tanto atormenta o CDS, não implica qualquer redução no apoio às famílias com filhos, mas apenas uma distribuição mais justa desse apoio. Se as famílias com filhos pagavam menos 250 milhões de euros em IRS com a aplicação do quociente familiar, continuarão a pagar menos 250 milhões em IRS após a sua revogação. Com a substituição do quociente familiar pelo reforço da dedução fixa por filho as famílias recebem exatamente o mesmo, mas garantindo que o filho de um rico não vale mais que um filho de um pobre.

Se o fim o quociente familiar se limita a tornar mais justo o apoio dado às famílias com filhos, as alterações feitas nos Abonos e no Rendimento Social de Inserção (RSI) aumentam mesmo o volume total de transferências financeiras para as famílias com filhos. As famílias portuguesas são beneficiadas com este orçamento e veem o seu rendimento disponível aumentar 2.5% em termos reais, mas o rendimento das famílias com filhos aumenta ainda mais.

Os cortes no RSI feitos por um ministro do CDS em 2012 fizeram com que mais de 60 mil crianças perdessem o acesso a esta prestação. As alterações que constam deste orçamento (mas que já entraram em vigor a 1 de janeiro de 2016) pretendem inverter esse corte, procedendo ao reforço da ponderação por filho que é usada para cálculo do valor da prestação.

Nos abonos, que estiveram congelados durante os últimos anos e que continuariam congelados se PSD e CDS se mantivessem no poder, o primeiro, segundo e terceiro escalões serão atualizados a 3.5%, 2.5% e 3%, respetivamente. Também se reforça a majoração monoparental no abono de família, que passa dos atuais 20% para 35%. O abono pré-natal é reforçado indiretamente, por via do aumento dos abonos.

A direita em geral e o CDS em particular gostam muito de se apresentar como os verdadeiros defensores da família e da natalidade. Se ignorarmos a retórica e olharmos para as políticas, facilmente constatamos que, por muito que custe ao CDS, tem sido a esquerda quem mais apoia a família e a natalidade. Este orçamento é mais um passo nesse sentido.

Portugal. Transferência para o filho permitiu descoberta da “conta secreta“ de Orlando Figueira



O Banco Privado Atlântico Europa foi constituído arguido do processo Operação Fizz por suspeitas de branqueamento de capitais. Investigador admite que descoberta de conta secreta do procurador da República foi um “golpe de sorte”

Como no enredo de um filme policial, o novelo da Operação Fizz vai demorar a ser conhecido. Mas todos os dias são reveladas novas pistas: um dos filhos do procurador Orlando Figueira que em 2015 estava a estudar no estrangeiro, num momento de aperto pediu ao pai mais dinheiro. Algo banal à primeira vista, digamos. Mas segundo o "Diário de Notícias" desta terça-feira, foi essa operação que levou os investigadores da Polícia Judiciária a descobrir uma "conta secreta" do magistrado do Ministério Público.

Um “golpe de sorte”, reconhece ao “DN” um investigador, que foi fundamental para chegar até à sociedade Primagest, empresa subsidiária da Sonangol de onde tinha origem o dinheiro transferido para Orlando Figueira. Terá sido através desta empresa que o ex-procurador terá começado a receber as “luvas” após o arquivamento do inquérito relativo a Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e presidente da Sonangol na época.

De acordo com o matutino, a equipa de investigação da Polícia Judiciária terá tentado, através do Banco de Portugal, obter informações sobre as contas bancárias de Orlando Figueira, que está em prisão preventiva, desde a semana passada. Contudo, o Banco Privado Atlântico Europa (BPA) nunca terá revelado a existência da tal conta para onde foram canalizadas as transferências. Isto levou a que esta instituição bancária fosse agora constituída arguida por suspeitas de branqueamento de capitais.

Fábio Monteiro - Expresso

Portugal. MARCELO ESTÁ PRESTES A TOMAR POSSE E O DISCURSO JÁ ESTÁ PRONTO



O Presidente da República eleito, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou hoje que já tem o discurso pronto para a tomada de posse, a 09 de março, referindo que está agradado com o programa definido.

"Já escrevi discurso para tomada de posse e o dia está como devia estar. A cerimónia formal, que é o mais importante, a homenagem a dois grandes vultos que são Camões e Vasco da Gama, um encontro ecuménico para mostrar a importância da aproximação de pessoas com pensamentos muito diferentes, a condecoração do Presidente da República e receber quem vem de vários pontos do país", disse o Presidente eleito.

Marcelo Rebelo de Sousa explicou que depois vai seguir-se um encontro com a juventude, no qual vão atuar, de forma graciosa, alguns artistas.

"Que o concerto sirva para mostrar que não existe tanta distância assim entre a política e os jovens. Podem dizer que é pela música, mas existe muitas formas de aproximar", salientou.

O Presidente da República eleito esteve hoje na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, para cumprir uma promessa que fez a uma idosa durante uma visita enquanto candidato presidencial.

Marcelo Rebelo de Sousa entrou nas instalações com uma garrafa de bagaço e um pacote de chá de camomila. Encontrou-se com Maria Gloria Mendonça, de 89 anos, a quem fez a promessa, bebeu um bagaço com a mulher, comeu arroz doce e bolos, e acompanhou-a numa visita às instalações.

"Nem foi por ter vaticinado a vitória. A senhora impressionou-me muito, foi muito divertida e disse-me o professor depois bebe um chá e eu bebo um bagaço, que adoro. Mas acrescentou que era eleito e não voltava. Isso ficou na minha cabeça, mas fui eleito, voltei, trouxe a garrafa de bagaço, achou muito forte mas quis levar a garrafa para casa. É uma maneira simbólica de dizer que quando se promete se deve fazer tudo para cumprir", explicou.

Lusa, em Notícias ao Minuto

DONALD TRUMP, UM SUCEDÂNEO DE DIARREIA



Algumas vezes ficamos arredios do Expresso Curto. O jejum faz bem à saúde, purifica o sangue (diziam nos tempos da “outra senhora" salazarista), a fome por carências económicas é que não faz nada bem. Mas disso perguntem ao Passos e ao Portas, ou à Cristas já líder do CDS. A fome. A miséria. As mortes a eito por via da “crise”. E diz Passos que agora é social-democrata. A Cristas deve dizer que é democrata cristã…

O Bando de Mentirosos continua em ação e está à coca para saltar para o poleiro e voltar a castigar os portugueses com mais empobrecimento. Eles dizem que não, todos sabemos que mentem.

Quem não mente é o Ricardo Costa neste Expresso Curto que se segue. Fala muito direitinho de americanices. Ele gosta da Big Apple e arredores. Leiam-no porque não aborda só isso. Mas hoje deve ter acordado muito trump. Trump, que, não sei se sabem, também é um sucedâneo de diarreia na língua dos esquimós.

Bom dia, se deixarem.

Redação PG / MM

Bom dia, este é o seu Expresso Curto 

Ricardo Costa - Expresso

Mr. Trump goes to Washington?

Roubo o título a um grande filme de Frank Capra, de 1939. Em Portugal estreou como Peço a Palavra, mas ainda hoje esse filme político protagonizado por James Stewart e Jean Arthur é famoso pelo título original, que leva um improvável cidadão ao Senado dos EUA.

Mr. Smith Goes to Washington merece ser visto em qualquer altura e é uma boa introdução à política americana, aos seus truques e movimentos imprevisíveis, e que hoje pode viver um dia inesperado caso Donald Trump consiga dar um passo sólido na corrida ànomeação presidencial pelo Partido Republicano.

Hoje é a chamada superterça-feira, mais conhecida pelo título original de Super Tuesday. É uma espécie de terça-feira gorda, um dia em que treze estados dos EUA mais o território da Samoa Americana votam nas primárias, distribuindo 1460 delegados, 865 democratas e 595 republicanos.

Ótimo, e o que é que isto tudo tem a ver connosco? Tudo. E se a pergunta fosse feita por um leitor espanhol ou alemão, albanês, nigeriano ou uruguaio, a resposta seria a mesma. Porque o que faz todos termos a ver com o que se passa nesta supre terça-feira, é que hoje a maior potência mundial pode mesmo ver Donald Trump dar um passo definitivo para a nomeação pelo Partido Republicano, caso consiga vencer hoje na maioria dos Estados.

Do lado democrata, Hillary Clinton está bem lançada, depois da última vitória sobre o supreendente Bernie Sanders. Mas do lado republicano, o espanto é enorme, com Trump a esmagar todas as previsões de analistas, apostadores, políticos e todo o tipo de especialistas em previsões. Há uns meses ninguém achava que Trump pudesse chegar à super terça-feira em posição de vencer. Mas chegou e chegou forte, com uma base eleitoral crescente.

Trump desafia quase todos os princípios políticos. Qualquer dos seus adversários não teria sobrevivido a metade das gaffes que ele cometeu. Só que ele é Trump e para Trump as gaffes não são mais que um momento para aproveitar, seja para mudar o discurso seja para o repetir. Ainda nos últimos dias fez um tweet com uma célebre frase de Mussolini e recusou-se a condenar o Ku Klux Klan.

Trump representa a raiva do blue-collar americano, sobretudo masculino, homens que acham que o “sistema” lhes roubou um futuro decente e que se prepara para fazer o mesmo aos seus filhos. E esse movimento não precisa de ter um corpus teórico, uma fundamentação religiosa ou um modelo económico. Precisa apenas de ter um rosto. E tem-no em Trump.

Mr. Trump goes to Washington? Esta noite já vemos o que temos pela frente, num dos mais incríveis, curiosos e inesperados movimentos políticos dos EUA em décadas.

OUTRAS NOTÍCIAS

João Soares levou a sua avante e demitiu António Lamas da presidência do CCB, num processo público bizarro, conduzido na praça pública. O escolhido para o lugar é Elísio Sumavielle, um especialista na gestão de património e colaborador de longa data do ministro da Cultura. João Soares tinha ameaçado Lamas de que o exonerava até ontem se este não se demitisse. E assim foi. Não era preciso era ter sido tudo à nossa frente. Se moda pega na administração pública, mais ninguém vê telenovelas.

A polémica sobre a eutanásia continua lançada, depois de umas dúbias declarações da bastonária dos enfermeiros. Agora, a Justiça abriu um inquérito, vai ter que ouvir a bastonária e a Ordem dos Médicos também já teve que vir dizer que desconhece o caso de um médico que terá ajudado um amigo a morrer. Posso estar enganado, mas a investigação vai dar em nada e continuamos sem discutir o essencial num debate muito complexo e sério.

A taxas nos aeroportos em Portugal já subiram nove vezes desde a privatização da ANA, diz o JN em título esta manhã. O Aumento desde 2013 é de 20%, mas a entidade gestora garante que os valores continuam abaixo da média europeia. O que em bom português quer dizer que estarão previstos mais uns ajustamentos para este ano.

O Jornal de Negócios escolhe para manchete as ameaças do BCE ao português BPI, lembrando que o banco português pode ter que pagar uma multa diária se não resolver o problema que tem com Angola até dia 10 de Abril. As soluções para que o peso da operação angolana seja contabilizada de forma diferente no banco são várias, mas os acionistas estão divididos, com a administração e os espanhóis do La Caixa de um lado e Isabel dos Santos do outro. O relógio está a contar e 10 de abril é já ali…

No Económico, o destaque vai para o facto de o crescimento do último trimestre de 2015 mostrar, uma vez mais, sinais preocupantes no investimento. O consumo privado e as exportações ajudaram, mas a dinâmica de investimento continua preocupante e põe em causa as previsões otimistas de 2016.

Em Espanha, o líder do PSOE prepara-se para o debate de investidura, mas está longe de ter os apoios necessários. O Podemos recusa apoiá-lo e assim vamos assistir a um processo de investidura que antes de o ser já o não era. Para quem acha a política portuguesa meio louca (e é um pouco), a espanhola merece uns minutos de atenção. As eleições foram em 20 de dezembro e ninguém faz a mínima ideia de qual vai ser o governo.

A tensão no campo de refugiados de Callais, no norte de França, está ao rubro, depois de a polícia ter começado a desmantelar várias barracas ilegais. Este campo é o maior em território francês, onde milhares de refugiados e migrantes se amontoam tentando atravessar o Canal da Mancha e chegar ao Reino Unido.

Na fronteira da Macedónia com a Grécia as coisas não estão mais calmas, com disparos de gás lacrimogéneo, depois de milhares de refugiados estarem a chegar a esta zona e de muitos países europeus ameaçarem fechar fronteiras, colocando Atenas numa situação impossível. A Grécia recebe todos os dias dois mil refugiados e só consegue albergar em condições 70 mil.

Enquanto isso, as movimentações europeias são intensas, mas não se percebe que tipo de política comum pode ser seguida, num momento em que a ONU prevê a chegada de mais um milhão de refugiados a solo europeu este ano. Sem uma estratégia comum, de contenção na Turquia, distribuição territorial pelo continente e, nalguns casos, de eventual repatriamento, a situação é ingerível e já está a ameaçar a popularidade de Angela Merkel, que tem sido extremamente corajosa neste processo, recusando fechar as portas a refugiados de guerra, um princípio asilar da União Europeia.

A noite futebolística deu vida acrescida ao dérbi do próximo sábado, depois do Sporting ter empatado em Guimarães e de oBenfica ter ganho em casa ao Uniao da Madeira. As duas equipas estão agora separadas por apenas um ponto.

FRASES

“Dei-lhe uns dias para arrumar as coisas”. João Soares, ministro da Cultura, depois de demitir António Lamas

“Até 9 de março não acho nada”. Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República eleito, recusando-se a comentar o que quer que seja

“O desemprego permanece como uma das dificuldades mais sérias no país”. Vieira da Silva, ministro da Segurança Social, depois de saber que a taxa de desemprego se manteve em janeiro nos 12,2%, inalterada face aos dois meses anteriores

“A sociedade portuguesa não está preparada para este debate”.Miguel Sousa Tavares, no seu habitual espaço de comentário na SIC, sobre a polémica em torno da eutanásia

O QUE EU ANDO A LER

Já aqui foi referido pelo Nicolau Santos, mas calhou estar a ler e a gostar muito de O Torcicologologista, excelência de Gonçalo M. Tavares. É um livro de diálogos, mais de 260 páginas de personagens sem nome mas com muito para dizer e nos fazer pensar. Gonçalo M. Tavares é um dos escritores portugueses mais originais e prolíferos, com um universo inimitável, um Atlas que é só seu. E nosso, porque o podemos ler.

Na sua obra há os dez livros da série O Bairro, dois de Cidades, quatro de O Reino, três da Enciclopédia e um Atlas. Essa teia literária, a que o autor chama Cadernos, vai por aí fora, numa geometria variável, em que este “Torcicologologista” inaugura os Diálogos.

São capítulos, perdão, diálogos curtos, num exercício de lógica levada ao extremo, muitas vezes a roçar o absurdo mas em que todos os elementos isolados fazem sentido, como se as frases fossem construções matemáticas. Gonçalo M. Tavares escreve naquela zona em que a lógica cruza a matemática e a filosofia da linguagem e faz com isso boa literatura, o que não é nada fácil, mas é muito bom.

(…)
- Um homem está numa cidade e orienta-se pelo mapa de outra cidade.
- Sim?
- E esta é uma forma original de estar perdido: orientamo-nos por um mapa, de um modo escrupuloso e sem desvios…
- Isso!
- … porém o mapa é errado. É de uma cidade que está no outro lado do mundo. Penso que quem andar assim pelas cidades descobrirá os mais fabulosos recantos e segredos...
- Eis, pois, uma recomendação de Vossa Excelência: utilizar, por exemplo, o mapa de Atenas em Berlim. É isso?
- Exato. Só assim se encontrará o que ninguém encontra. (…)

No Expresso Online pode encontrar notícias atualizadas ao longo de todo o dia, ao fim da tarde temos pronto o Expresso Diário e amanhã bem cedo chega o Expresso Curto com todas as novidades da Super Tuesday e tudo o que mais houver. Bom dia e tenha uma super terça-feira.

PR DE TIMOR-LESTE ASSUMIU DEVER DE DAR A PEDRADA NO CHARCO




Porque Taur Matan Ruak tem em perspetiva assumir-se como dirigente de um novo partido timorense não foi difícil considerar que estava a fazer oposição ao governo por fins meramente político-partidários. Dispensando a atenção devida ao discurso integral que Taur proferiu no Parlamento timorense e aliando-o à realidade timorense, mudamos de perspetiva e vimos o certo naquilo que julgávamos errado, que seriam só tricas políticas em antecipadissima verborreia eleitoralista. Afinal, após a devida atenção nas palavras do PR de Timor-Leste e a constatação de factos, muito poucos encontrarão modo de desmentir a realidade timorense apontada por Taur Matan Ruak no Parlamento na passada quinta-feira, 25 de Fevereiro. Foi uma pedrada no charco.

A situação política em Timor-Leste anda agitada apesar de a oposição ao governo não existir por parte de partidos não governamentais com representação parlamentar. E não existe porque esses são partidos ínfimos na representatividade que lhes foi entregue eleitoralmente. A grande maioria dos deputados pertence aos partidos no governo após a aliança de Xanana Gusmão com Mari Alkatiri, ou, se quisermos, a aliança entre o CNRT e a Fretilin.

Podemos afirmar com toda a propriedade que no parlamento de Timor-Leste não existe oposição. Xanana e Alkatiri transformaram a casa da democracia numa arrojada associação de compadres e comadres. Acordaram reformular um governo “novo” após Xanana demitir-se com o seu governo. Não se realizaram eleições.

Atualmente Xanana não é primeiro-ministro de facto mas primeiro-ministro sombra. Rui Araújo, da Fretilin, dá a cara como primeiro-ministro. Xanana é ministro do Planeamento Estratégico e Investimento com um orçamento ultra milionário de 67.5 milhões de dólares. Mari Alkatiri, no dizer de muitos timorenses, passou a ser o “dono do Oecussi”. Oficialmente Alkatiri é o presidente da Autoridade da Região Administrativa Especial de Oé-Cusse Ambeno (RAEOA) e das Zonas Especiais de Economia Social de Mercado.

O projeto Zona Especial de Economia Social de Mercado de Timor-Leste (ZEESM) já em curso é dantesco e consome de supetão avultados recursos financeiros ao orçamento timorense, provocando o alienamento de carências prementes no resto do país. Principalmente no interior de Timor-Leste, nas infraestruturas, na educação, na saúde, agricultura, pescas, criação de emprego, apoio social, etc. É isso que “dói” à maioria dos timorenses da totalidade do território.

Sendo facto que a população discorda maioritariamente do projeto Oe-cusse pelo enorme volume de recursos financeiros que está a consumir num curto espaço de tempo, levando à alienação de outras regiões e carências do país, tal não se reflete de modo perentório no parlamento de Timor-Leste. Não existe oposição às decisões do governo. Nada a fazer. A aliança de comadres e compadres CNRT-Fretilin demonstra que os deputados, supostos representantes da transmissão e defesa das vontades dos eleitores que deviam representar, ocupam os cargos com função de encarnarem os “yes man” característicos dos parlamentos de regimes ditatoriais. Ao estilo da Assembleia Nacional de Portugal do tempo colonialista, o tempo colonial-fascista. O unaninismo partidário entre a maioria dos deputados no Parlamento Nacional de Timor-Leste tem vindo a pôr em grave risco a democracia e o que em Timor resta da transparência.

Xanana Gusmão, o contestado, aliou-se ao seu principal contestatário, Alkatiri, e calou-o, fazendo dele seu associado no pôr e dispor em Timor-Leste. Não se compreende como é que alguém pode mudar tanto de um dia para o outro sem que para isso não vislumbre contrapartidas. Falta saber – se é que falta – que contrapartidas. Facto é que aquela aliança está a matar o resto de alguma democracia que existia em Timor-Leste. Antes, para Alkatiri e para a Fretilin, Xanana e o seu governo eram os veículos da corrupção, do conluio, do nepotismo. E agora, já não são? Não. A partir do momento em que Xanana se aliou a Alkatiri e o CNRT à Fretilin. A realidade é essa? É essa a realidade?

O DISCURSO DO PRESIDENTE TAUR

Ler na integra ou escutar o discurso de Taur Matan Ruak na passada quinta-feira (25) no Parlamento de Timor-Leste ajuda-nos a compreender muito do que é a atualidade governativa e parlamentar do país. Não havendo oposição construtiva às decisões unanimistas do governo (leia-se Xanana-Alkatiri), o PR teve de dar um passo em frente em defesa da democracia, em defesa dos interesses dos timorenses. Taur disse isso mesmo, assumiu-se como a oposição à grave situação para que Xanana e Alkatiri conduzem o país. Taur Matan Ruak teve e tem coragem. Está a colocar muito à frente dos seus interesses pessoais e políticos os interesses da democracia, da transparência, da resolução das carências de Timor e dos timorenses. Taur, no Parlamento, foi a voz contra a corrupção, o conluio e o nepotismo que o regime Xanana-Alkatiri estão a fazer florescer ainda mais em Timor-Leste.

Taur Matan Ruak deu a pedrada que urgia dar no charco em que se está a transformar Timor-Leste. Um homem de coragem que está novamente a demonstrá-lo. Primeiro Timor e os timorenses, defende Taur. O PR chegou ao Parlamento e disse o que foi e é preciso dizer e apontar. Deviam agradecer-lhe. Ele cumpriu a função de um despertador de consciências. Acordem.

Deu a pedrada no charco, nas águas estagnadas que urge remover e renovar. É uma boa oportunidade para Timor-Leste dar um passo em frente na democracia vacilante. Falam em destituir o Presidente, que está em marcha o processo. Na verdade Taur falhou ao não cumprir os preceitos constitucionais na substituição do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, mas isso são cartas de outro baralho, não pode ser o pretexto para despoletar uma “guerra” mas sim a formação de um consenso entre governo e PR para corrigirem o que tem de ser corrigido. Governo e PR, não Xanana-Alkatiri e PR. Ou, senão, ficaremos a saber de uma vez por todas quem de facto é o primeiro-ministro e que Rui Araújo é somente um fantoche nas mãos dos “compadres”. Oxalá que não. E que tudo acabe em bem, com justiça e paz.


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