Rui Peralta, Luanda
Especiais
agradecimentos, pela sua colaboração, aos jornalistas Ashraf al-Falahi
(al-Monitor) e Nafeez Ahmed (Middle East Eye).
Taiz, outrora uma próspera cidade do Sul do Iémen, é um pesadelo onde impera a
morte e a destruição. Desde Abril de 2015, quando se iniciaram os combates
entre as forças Houthi e as falanges do deposto presidente Ali Abdullah Saleh,
a dor e a tristeza tornaram-se o quotidiano dos cidadãos de Taiz. O cenário é,
no que respeita ao drama humano, idêntico ao de muitas cidades sírias. A
situação catastrófica levou o Programa Mundial para o combate á Fome, das
Nações Unidas, a considerar urgente a sua intervenção na cidade.
Cerca de 70% dos 600 mil habitantes da cidade partiram para zonas seguras fora
da cidade. A situação humanitária é trágica e na cidade não há alimentação nem
medicamentos. Os bombardeamentos constantes provocam um cenário de caos e
destruição e semeiam a morte. Feridos e refugiados formam colunas aguardando
por um momento de tréguas para saírem da cidade. A ajuda internacional, quando
chega, não cobre mais de 5% das necessidades dos que se encontram cercados na
cidade.
Taiz, em 2011, rebelou-se contra Saleh. Quando as forças governamentais tomaram
a cidade, esta tornou-se num bastião de resistência contra o anterior
presidente. As forças Houthis cercam a cidade, controlada pelas milícias fieis
a Saleh, e as forças leais ao actual presidente Abed Rabbo Mansour Hadi –
suportado pela Arábia Saudita e com o apoio dos USA – não conseguem retomar a
cidade. Aos poucos as forças Houthis – apoiadas pelo Irão – apertam o cerco
sobre as milícias de Saleh e avançam para o controlo da cidade.
Quanto ao exército leal ao actual presidente Abed Hadi, encontra-se em
divergências internas devido a um desentendimento entre os Emiratos Árabes
Unidos e a Arábia Saudita. Os sauditas apoiam o Islah (Partido da Congregação
iemenita para a Reforma), que faz parte da Irmandade Muçulmana (IM), enquanto
os Emiratos consideram que a IM é um inimigo a combater e tão perigoso como os
xiitas Houthis apoiados pelo Irão.
A situação de Taiz é um espelho da situação em que se encontra o Iémen. Um
milhão de refugiados já foram gerados por esta guerra. Mais de 14 milhões de
pessoas padecem de má nutrição. 3 Milhões de crianças estão subnutridas. Por
todo o país calcula-se que cerca de 20 milhões de pessoas carecem de água
potável. A força aérea Saudita bombardeia sistematicamente a infra-estrutura
civil. Um relatório das Nações Unidas, enviado para o Conselho de Segurança,
refere que os sauditas efectuam ataques aéreos contra civis e objectivos civis,
incluindo campos de refugiados, além de bombardearem indiscriminadamente
hospitais, escolas, mesquitas e mercados. Estes bombardeamentos já destruíram o
aeroporto de Sanaa, o porto de Hudaida e grande parte das estradas e vias de
comunicação. O relatório conclui que estas acções são crime de guerra, posição
que já foi, timidamente, assumida pelo secretário-geral da ONU.
Os governos norte-americano e britânico fornecem armas á Arábia Saudita não
querem responsabilizar-se por estes crimes de guerra, afirmando que apenas
prestam assessoria militar e que não estão directamente envolvidos nas
operações da coligação liderada pela Arábia Saudita. Mas estas afirmações
entram em contradição com as declarações do ministro das relações exteriores do
reino saudita, Adel al-Jubeir, que revelam a participação de militares
britânicos e norte-americanos nas operações e ao nível do centro de comando dos
ataques aéreos contra o Iémen. Em Abril de 2015 o vice-secretário de Estado
norte-americano Anthony J. Blinken afirmou, em Riade, que os USA aumentaram os
intercâmbios ao nível dos serviços de inteligência com a Arábia Saudita e
criaram um centro de planificação conjunta de coordenação que incluía a
selecção de objectivos militares.
Os objectivos da coligação encabeçada pelos sauditas são baseados no
pressuposto de que os houthis são uma força dominada pelo Irão e que a rebelião
houthi é um componente do cerco estratégico a que o Irão tenta submeter os
Estados do Golfo, cerco que foi iniciado no Iraque e que se encontra agora
reforçado pela participação iraniana na Síria e no Líbano. A esta dedução a
Arábia Saudita acrescenta o acordo nuclear que permitiu ao Irão integrar-se na
economia-mundo, abrindo a este país os poços petrolíferos e de gaz,
consolidando a sua posição regional.
Mas estes pressupostos tornam os objectivos dos sauditas pouco claros.
Bernadette Meehan, porta-voz do Conselho Nacional de Segurança da administração
Obama afirmou que o Irão não controla a rebelião houthi. Por sua vez Jamal
Benomar, enviado especial da ONU para o Iémen, afirmou, ao Wall Street Journal,
que os ataques aéreos sauditas impediram um acordo de paz, encabeçado pelo
Irão, que teria permitido um acordo entre os grupos políticos rivais e uma
repartição do Poder politico entre os beligerantes, criando condições para uma
transição que permitisse criar condições para implementar um Iémen democrático.
Uma resolução de paz que encaminhe o Iémen para uma democracia é algo que
contrasta com os interesses norte-americanos na região. Para os USA o Iémen tem
uma importância estratégica relativa, em função da estabilidade da Arábia
Saudita e das restantes petro-monarquias do Golfo. O território e as ilhas
iemenitas desempenham um papel-chave na segurança de um ponto de passagem
obrigatório localizado no extremo-sudeste do Mar Vermelho, a Porta das Lágrimas
(Bab al-Mandab), um estreito que é passagem obrigatória entre o Corno de África
e o Próximo-Oriente e de importância estratégica para o controlo do fluxo entre
o Mar Mediterrâneo e o Oceano Indico. Pela Porta das Lágrimas circulam a
maioria das exportações provindas do Golfo Pérsico, que passam pelo Canal do
Suez, além do oleoduto SUMED, na linha Suez-Mediterrâneo.
Um Iémen soberano e democrático seria um sério concorrente que poderia ameaçar
o tráfico pelo Canal do Suez, assim como o fluxo diário de petróleo e seus
derivados, cujo fluxo foi incrementado substancialmente (de 2,9 milhões de
barris/dia em 2009 para 3,8 milhões de barria/dia em 2013), segunda a EIA
(Agência de Informação sobre Energia, da administração norte-americana). Por
outro lado o Iémen tem um potencial ainda não explorado, que o constitui como
alternativa de rotas de transporte marítimo do petróleo e gaz sauditas,
evitando o Estreito de Ormuz e o Golfo Pérsico, que poderão ser bloqueados pelo
Irão, em caso de conflito.
A Arábia Saudita pretende explorar este potencial construindo um oleoduto, cuja
propriedade seria em exclusivo dos sauditas, através de Hadramawt, até a um porto
no Golfo de Áden, Saleh sempre se opôs a este projecto, mas a Arábia Saudita
conseguiu o apoio de altos oficiais militares iemenitas e comprou a lealdade
dos chefes tribais, posicionando-se para garantir os direitos sobre este
projecto. Não é por acaso que a província de Hadramawt não sofreu os
bombardeamentos sauditas. Esta é a maior província do Iémen, onde se localizam
a maior parte do gaz e petróleo produzidos no país e o seu governador é um dos
maiores apoiantes iemenitas ao projecto saudita…
O projecto do oleoduto nasce do facto de as monarquias do Golfo viverem no
temor de que o Irão bloqueará, num futuro próximo, o Estreito de Ormuz, o que
as leva a procurar alternativas, pressionadas pelo seu medo, mas também
pressionadas pelos USA, que têm os mesmos receios. Assim, em 2007, Arábia
Saudita, Bahrain, Emiratos Árabes Unidos (EAU), Omã e Iémen, empreenderam em
conjunto o projecto do Oleoduto Transarábia. Este projecto implicava a
construção de diversas linhas de abastecimento, a serem iniciadas na cidade
saudita de Ras Tannurah, uma linha nos EAU (no Emirato de Fujairah, ligando-o
ao Gofo de Omã), duas linhas em Omã e duas linhas no Iémen (que colocaria o
petróleo e o gaz no Golfo de Áden). Em 2012 entrou em funcionamento a conexão
Abu Dhabi / Fujairah, nos EUA. No entanto Omã e Irão efectuaram um acordo sobre
um projecto bilateral para construção de um oleoduto, o que despertou a
desconfiança da Arábia Saudita, aumentando o atractivo pela opção Hadramawt, no
Iémen. O presidente Saleh (um firme apoiante do Transarábia) era um obstáculo á
opção Hadramawt, por este ser um projecto exclusivo dos sauditas.
As esperanças da Arábia Saudita, residiam no próprio regime de Saleh, como
vimos, entre as chefias militares e os chefes tribais, na esperança de
pressionarem Saleh, ou de um eventual sucessor no seio do regime mas, em 2011,
os levantamentos populares, que exigiam a democracia, frustraram os planos
sauditas e obrigaram á passagem do “Plano B”: a al-Qaeda da Península Arábica
(AQAP, pelas suas siglas em inglês).
Esta organização foi beneficiada pela estratégia saudita no Iémen. Em Hadramawt
o porto e o aeroporto internacional de al-Mukalla estão sob controlo da AQAP,
em óptimas condições e nunca sofreram qualquer ataque aéreo saudita. Aliás o
exército saudita abastece a AQAP em Hadramawt, com armas, munições e
equipamentos. Esta aliança saiu á luz do dia em Junho de 2015, quando o governo
de transição de Mansour Hadi, apoiado pela Arábia Saudita, enviou um
representante a Genebra, como delegado oficial para as negociações com a ONU. O
representante iemenita era Abdulwahab Humayqani, identificado em 2013 pelas
autoridades fiscais norte-americanas como um recrutador de apoios financeiros
da AQ, embora o seu cadastro remontasse a 2012 quando dirigiu um atentado
(carro-bomba) a um quartel da Guarda Republicana iemenita, que causou a morte a
7 pessoas.
A Arábia Saudita e seus aliados armam uma grande quantidade de milícias no Sul
do Iémen, Uma grande parte deste armamento e financiamento vão para a AQAP, um
delegado útil para os sauditas, na sua guerra contra os houthis. O que levanta
uma questão: e o que acontece com o Estado Islâmico? A resposta é simples: é,
também um beneficiado da ajuda saudita, embora em menor grau. E em menoridade
porque o que está a ser preparado é o caminho para o surgimento do Estado
Islâmico no Iémen, assim como para o ressurgimento da AQ.
Existe uma lição a reter no caso do Iémen: a Arábia Saudita não quer um Iémen
forte e democrático no outro lado da fronteira (fronteira com mais de mil e 500
km). Para as petro-monarquias do Golfo, em geral, e para os sauditas, em
particular, é necessário um Iémen submisso e submetido aos ditames imperiais e
neocoloniais. E a guerra, hoje (como o prova a invasão norte-americana ao
Iraque, ou a destruturação que a NATO provocou na Líbia), não impede os
oleodutos e gasodutos de funcionarem, desde que se pague tributo…e no Iémen os
sauditas anteciparam o pagamento e transformaram-no em salário.
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