Tendência
anti-Establishment sacudiu tabuleiro que parecia definido. Cinco candidatos têm
chances reais. Eventual vitória de uma esquerda renovada pode ter enorme
repercussão global
Immanuel
Wallerstein - Outras Palavras - Tradução Antonio Martins
Há
um ano, as eleições presidenciais francesas de 2017 pareciam muito seguras.
Havia três partidos importantes: Les Républicains (LR), de
centro-direita, o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda e a Frente
Nacional (FN), de ultra-direita. Como na França há normalmente dois
turnos, com apenas dois candidatos no segundo, a questão central sempre é qual
dos três será eliminado no primeiro turno.
Parecia
certo que a FN estaria no segundo turno, encarnando o sentimento
anti-Establishment. Paracia igualmente certo que o presidente François
Hollando, caso tentasse a reeleição, perderia feio. Isso significa que o
candidato dos LR estaria no segundo turno. Seria ainda mais provável se os LR
escolhecessem Alain Juppé, em vez do ex-presidente Nicolas Sarkozy. A maior
parte das pessoas considerava que Juppé tinha muito maiores possiblidades de
atrair os votos dos socialistas e do centro; e de ganhar a presidência.
Ou
seja, a visão geral, há um ano, era de que os partidos do Establishment
prevaleceriam, e de que Juppé sairia vencerdor. Como estas previsões estavam
erradas! Se a eleição de Trump nos Estados Unidos e a vitória do Brexit no
Reino Unido foram inesperadas, estas surpresas apequenam-se diante do
inesperado da situação atual na França. Há cinco candidatos viáveis para as
eleições presidenciais. Todos eles (sim, todos) dizem ser anti-Establishment.
Além disso, ninguém pode prever quais estarão no segundo turno. O primeiro
turno será em 13 de abril e o eleitorado parece extremamente volátil.
Examinemos
o motivo. O complicado sistema eleitoral francês procura favorecer os dois
principais partidos do Establishment. Em geral, funciona. Presume-se, porém,
que todos os eleitores votarão duas vezes. Desta vez, houve quatro ocasiões de
voto – os dois turnos das primárias de cada partido e, agora, os dois turnos
das eleições. Significa que cada eleitor deveria, já no primeiro turno das
primárias, imaginar o resultado da terceira eleição (o primeiro turno das
eleições presidenciais), para decidir que candidato apoiaria. A consequência
desta missão impossível para os eleitores é que os resultados das primárias
poderiam ser muito surpreendentes – e de fato foram.
As
primárias dos LR foram as primeiras, ocorrendo em 20 e 27 de novembro de 2016.
Nesta disputa, entre eleitores de direita e centro-direita, havia três
candidatos principais. Na aparência, os dois com maior apoio eram Sarkozy e
Juppé. O terceiro, bem atrás nas pesquisas, era François Fillon. Mas este
disputou apresentando-se com um quê de anti-Establishment. Enfatizou o temas
das operações financeiras suspeitas, de que Sarkozy estava sendo acusado e
pelas quais Juppé foi anteriormente condenado. Também mostrou-se
ultra-conservador em temas sociais, apelando ao voto católico.
Fillon
surpreendeu a todos. Nas pesquisas, aparecia em terceiro, com cerca de 10% dos
votos apenas. Na eleição, avançou cerca de 30 pontos e chegou em primeiro. Sua
vitória foi tão flagrante que Sarkozy, o terceiro, passou a apoiá-lo (talvez,
apenas para ferir Juppé). E Fillon venceu Juppé no segundo turno com o dobro
dos votos.
Depois
vieram as primárias da esquerda. Prevendo uma derrota humilhante, Hollande
abandonou a disputa. Seu primeiro-ministro, Manuel Valls, entrou imediatamente
na corrida. Esperava-se que vencesse, ao menos no primeiro turno. Valls
colocou-se como o candidato do Establishment, apoiado pela ala direita da
esquerda francesa e, em silêncio, por Hollande.
Dois
ex-ministros de Hollande apresentaram-se como candidatos de esquerda, contra Valls.
Armaud Montebourg havia renunciado devido às políticas de “austeridade” de
Hollande. Benoit Hamon havia sido demitido por Hollande por se opor a estas
políticas no interior do gabinete. Ambos sentiam que Hollande e Valls haviam
traído a esquerda. Esperava-se que Montebourg fosse o segundo, após Valls, e
que talvez vencesse no segundo turno.
Nada
disso ocorreu. Valls, favorito, chegou em segundo no primeiro turno. O vencedor
foi Hamon, e não Montebourg. Hamon recusou-se a apoiar o legado do governo de
Hollande e Valls, e insistiu em debater novas políticas, propondo uma
especialmente importante. De repente, a ala esquerda tornou-se importante nas
primárias dos socialistas. Hamon obteve apoios de múltiplas correntes de
esquerda e atropelou Valls no segundo turno com quase 58% dos votos.
Dois
outros candidatos estão na disputa. Um é Emmanuel Macron, um ex-ministro de
Hollande para quem as políticas do presidente não foram neoliberais o bastante.
Ele recusou-se a disputar as primárias dos socialistas e formou seu próprio
partido, En Marche! Aposta em seu programa – muito neoliberal em
temas econômicos, mas muito progressista em questões sociais. O outro candidato
é Jean-Luc Mélenchon, que há anos apresenta-se como a esquerda da esquerda. Seu
partido chama-se “A França Insubmissa”, em referência àqueles que resisitrão e
não se deixarão subjugar. Por isso, classifica como não esquerdistas todos os
que serviram ao governo de Hollande, mesmo que tenham renunciado ou sido
demitidos.
Macron
espera que seu programa atraia eleitores de classe média à esquerda e à
direita. Após as primárias dos socialistas, muitos eleitores de Valls,
descontentes com as posições de esquerda de Hamon, ameaçaram apoiar Macron.
Este parecia, então, representar uma ameaça a Fillon no primeiro turno das
eleições. Mélenchon não tem ilusões de que possa vencer desta vez, mas está se
preparando para o futuro. É muito improvável que atenda aos apelos de Hamon
para a unidade da esquerda.
Subitamente,
surgiu um grande fato novo. O suposto comportamento financeiro exemplar de
Fillon foi questionado. Ele colocou sua mulher e seus dois filhos na folha de
pagamentos do governo, no que parece ter sido trabalho fictício. Não é uma
prática incomum na França, mas os volumes de dinheiro são muito grandes e os
fatos muito contrários ao que a candidatura de Fillon pregava. Os LR começaram
um grande debate sobre um possível Plano B – que implicaria substituir Fillon.
Ocorre
que trocar Fillon seria ainda pior para os LR do que mantê-lo candidato. Não há
nenhum substituto óbvio e uma nova disputa racharia o partido. Além disso,
Fillon contra-atacou, pedindo desculpas por seus malfeitos e sustentando que
ainda pode vencer. O Plano B desapareceu e Fillon permanece candidato dos LR. A
questão é saber quantos votos ele perdeu no primeiro turno devido às
transgressões.
Como
eu disse, todos os candidatos dizem ser anti-Establishment. É difícil para
Fillon e Macron desempenhar este papel. Isso faz de Hamon o mais credenciado a
representar mudança real. Mas para vencer o primeiro turno das eleições, ele
precisa manter o Partido Socialista unido (até agora, ele conseguiu), atrair os
eleitores de Mélenchon, conquistar os eleitores ecologistas (até agora,
conseguiu) e puxar parte dos votos do centro. É muito difícil.
Onde
estamos? Marine Le Pen, da FN, aparece nas pesquisas, há mais de um ano, com
cerca de 25% dos votos. Parece ter estacionado, mas num patamar alto. Tenta
atrair os apoiadores desiludidos de Fillon. Macron cresce nas pesquisas, assim
como Hamon. Mélenchon não se move. E, como brincam os cartunistas, o
Establishment são os outros.
Uma
vitória de Hamon, no entanto, seria um grande acontecimento mundial. Seria a
primeira vez, nos últimos anos, em que um candidato de esquerda, abertamente de
esquerda, vence um grande disputa na Europa (ou em outra eleição relevante).
Isso poderia reverter uma tendência global por partidos e candidatos à direita.
À
medida em que a crise econômica continua a se espalhar, a ideia de que é
possível vencer com um programa de esquerda pode ganhar nova legitimidade.
Equivale ao que teria sido uma vitória de Bernie Senders nas primárias do
Partido Democrata, nos EUA. Mas vale lembrar: tudo isso depende de os eleitores
adivinharem quais serão os candidatos no segundo turno das eleições. Assumindo
que Marine Le Pen tem 25% dos votos, restam 75% a dividir entre quatro outros
candidatos.
Até
23 de abril, há muito tempo para que os eleitores decidam. As pesquisas mostram
que a intensidade do apoio é pequena, especialmente para Machon. Por isso, pode-se
esperar grande volatilidade nas pesquisas. É impossível assegurar que obterá os
20% provavelmente necessários para estar no segundo turno das eleições, em 7 de
maio.
Na
foto: Benoit Hamon, o candidato mais surpreendente: ele disputou as primárias
socialistas renegando políticas neoliberais do partido e propondo, como
bandeira central, a renda básica da cidadania.
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