Ao
discriminar Islã, Trump amplia rejeição ao Ocidente no mundo muçulmano,
demonstra que pode ser facilmente provocado e dá ao ISIS e Al-Qaeda,
encurralados, nova chance de sobrevida
Patrick
Cockburn – Outras Palavras - Tradução Cauê Seignemartin Ameni
A proibição da entrada de refugiados e visitantes de
sete países muçulmanos proposta por Donald Trump faz com que os ataques
terroristas contra os norte-americanos, dentro de seu país e no exterior, sejam
mais prováveis. Será assim porque um dos maiores propósitos da Al-Qaeda e ISIS
na realização de suas atrocidades é provocar reações exageradas contra
comunidades e Estados muçulmanos. Essas punições comunitárias aumentam
consideravelmente o apelo e a simpatia pelo movimentos jihadistas entre
o 1,6 bilhão de muçulmanos, que compõem um quarto da população mundial.
O
governo Trump justifica sua medida alegando que está apenas seguindo as lições
aprendidas com 11 de Setembro e a destruição das Torres Gêmeas. Mas aprendeu
exatamente a lição errada: o grande sucesso de Mohammed Atta e seus dezoito
sequestradores não foi o dia em que eles e outras 3 mil pessoas morreram, mas
quando o presidente Geroge W Bush respondeu ao ataque deflagrando as guerras
dos EUA contra Afeganistão e Iraque – que continuam acontecendo.
A
Al-Qaeda e seus clones eram apenas uma pequena organização com cerca de mil
militantes no sudeste do Afeganistão e no noroeste do Paquistão. Mas, graças à
decisão calamitosa de Bush após o 11 de Setembro, agora tem 10 mil combatentes,
bilhões de dólares em fundos e células em diversos países. Poucas guerras
falharam de forma tão comprovada como a “Guerra ao Terror”. Os milicianos do
ISIS e da Al-Qaeda são supostamente inspirados pela simpatia numa variante
demoníaca do Islã – e isso é central em como Trump descreve suas motivações –,
mas na prática foi o excesso da repressão antiterrorista (com tortura, prisões
ilegais, Guatanamo e Abu Ghraib), que formou a ponte para os novos movimento jihadistas.
Trump
está agora enviando uma mensagem para Al-Qaeda e ISIS: a de que Washington é
facilmente provocada para responder com repressão desajeitada e
contraproducente, visando os muçulmanos em geral. Os afetados são, até agora,
limitados em número e, provavelmente, as últimas pessoas com inclinação para se
engajar no terrorismo. Entretanto, o impacto político da medida já é imenso. Os
líderes jihadistas podem ser monstros cruéis e fanáticos, mas não são
estúpidos. Eles verão que se Trump, mesmo sem ser provocado por qualquer
ultraje terrorista, age com tal vigor para se autodefender, algumas bombas e
tiroteios direcionados aos alvos norte-americanos levarão a mais perseguição
contra os muçulmanos mais dispersos.
Como
os governantes mundiais, os comandantes do ISIS vão se perguntar quão
desvairado Trump realmente é. A ordem que proíbe imigrações pode, em parte, ser
uma forma rápida para garantir que os eleitores de Trump sintam que suas
promessas serão cumpridas. Mas os demagogos tendem a se tornar prisioneiros de
sua própria retórica e certamente as palavras e ações de Trump serão
apresentadas como declarações sectárias de guerra por muitos muçulmanos mundo
afora. O ISIS também verá que seus ataques eles aprofundar as divisões na
sociedade norte-americana.
Bush
mirou Saddam Hussein e o Iraque, como resposta ao 11 de Setembro, apesar de ser
evidente que o líder iraquiano e seu regime não tinham nenhuma participação no
atentado. Era notório que 15 dos 19 sequestradores eram sauditas, Osama bin
Laden era saudita e o dinheiro da operação veio de doadores sauditas. Ainda
assim, à Arábia Saudita foi dada carta branca, embora haja fortes evidências de
sua cumplicidade no ataque.
O
mesmo mal-entendido bizarro com países muçulmanos, acusados de enviar
terroristas em 2001, está acontecendo em 2017. Embora o 11 de Setembro seja
apontado como uma explicação para a ordem de Trump, nenhum dos países cujos
cidadãos estavam envolvidos (Arábia Saudita, Emirados Arabes, Egito e Líbano)
enfrenta qualquer restrição. As pessoas barradas vêm do Irã, Iraque, Síria,
Líbia, Sudão, Iêmen e Somália. Além disso, o alvo principal da Al-Qaeda e do
ISIS são muçulmanos xiitas — que estão no Iraque, mas também em outras partes
do mundo. O Irã seria o último lugar onde os atuais terroristas construiriam
alguma base.
Desde
as grandes vitórias do ISIS em 2014, quando capturaram Mosul e conquistaram
vasta área no Iraque e Síria, a organização vem sendo atacada por uma miríade
de inimigos. Apesar de estarem lutando duramente, sua eventual derrota pareceu inevitável.
Mas, com Trump alimentando a guerra sectárias entre muçulmanos e
não-muçulmanos, que o ISIS e a Al-Qaeda sempre quiseram acentuar, suas
perspectivas parecem mais oportunas hoje do que nunca.
Sem comentários:
Enviar um comentário