sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

SAHARA OCIDENTAL: A ÚLTIMA COLÓNIA DE ÁFRICA



O Sahara Ocidental está sob ocupação marroquina há mais de 40 anos e as instâncias internacionais têm adiado a resolução do problema em função de um labirinto de interesses políticos e económicos que têm impedido a realização de um referendo que permita ao povo saharaui pronunciar-se sobre o seu futuro. Dossier organizado por Pedro Ferreira.

Marrocos e o saque dos recursos do Sahara Ocidental

O veredito do Tribunal de Justiça da União Europeia de dezembro de 2016 é um marco na história que o povo saharaui tem empreendido na defesa dos seus recursos naturais. Mas a pilhagem persiste porque a lei continua a ser violada.

“Quaisquer que sejam os acordos de associação e liberalização comerciais entre a União Europeia e Marrocos, não podem incluir o Sahara Ocidental”, determinou o tribunal, o que representa uma vitória muito importante para os saharuis.

Recorde-se que o que o Advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, Melchior Wathelet, já em setembro passado se tinha pronuniciado no mesmo sentido.

O Tribunal de Justiça da União Europeia veio assim dar razão a Melchior Wathelet, anulando o acórdão do Tribunal Geral que tinha decidido em sentido contrário, negando ainda provimento ao recurso de anulação interposto pela Frente Polisário contra a decisão do Conselho de celebrar o acordo de liberalização comercial.

Este desfechom é uma vitória para os saharauis que a celebraram entusiasticamente, uma vez que a União Europeia demonstrou que não respeita o Direito Internacional já que ela própria o violava. Para além de Marrocos, a França saiu também derrotada, enquanto Espanha é descredibilizada, bem como todos os Estados membros em especial os que interpuseram recurso.

Relembramos que em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho da União Europeia interpôs um recurso contra a sentença emitida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia que em 10 de Dezembro de 2015 anulou o acordo agrícola entre a UE e Marrocos.

Resta ainda o Acordo de Pescas firmado entre a União Europeia e Marrocos, que levou a Frente Polisário pedir igualmente a sua anulação por incluir as águas territoriais do Sahara Ocidental e cuja sentença deverá ser conhecida nos próximos meses.

E, porque a exploração económica tem sido uma poderosa arma que se interpõe entre o cumprimento da lei e a realização do referendo de autodeterminação dos saharauis, bastaram apenas alguns dias para que Marrocos desafiasse o Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em janeiro deste ano,o barco batizado com o nome “Key Bay” entrou no porto de El Aaiun. Há muitos anos que esta embarcação faz o transporte de peixe e óleo de peixe desde o Sahara Ocidental até à Europa.

Segundo a Western Sahara Resource Watch (WSRW) (link is external)- um observatório internacional de defesa dos recursos do Sahara Ocidental - , o “Key Bay” fez escala em Tan Tan uma cidade ao sul de Marrocos, possivelmente para fazer um carregamento rumando depois até El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental, onde esse trabalho terá terminado.

O importador destes produtos feitos a partir dos territórios ocupados é provavelmente a Olvea, uma empresa francesa que se negou a responder a qualquer pergunta relacionada com este caso.

O navio em questão é fretado pela Sea Tank Chartering e pertence à empresa Gezina AS, que são duas empresas norueguesas e o seu envolvimento nestas operações ilegais já tinha sido denunciado nos órgãos de comunicação social escandinavos.

Na altura, o navio recolhia os certificados de origem em Tan Tan mas transportava a mercadoria partir de El Aaiun.

Em janeiro, enquanto o navio estava ancorado ao largo do porto de El Aaiun, a WSRW enviou uma carta ao fretador do navio pedindo-lhe para não entrar no porto.

Anteriormente, mais concretamente a 31 de dezembro, o Comité de Apoio da Noruega ao Sahara Ocidental enviou uma carta à Sea Tank, pedindo-lhe para não participar nesta rede de comércio que visa subtrair as riquezas naturais do Sahara Ocidental. A embarcação dirigiu-se então para sul mas manteve-se na costa marroquina.

Em 2010, o transporte de óleo de peixe para a Noruega foi alvo de um documentário feito pela cadeia sueca de televisão SVT, tendo recebido um prémio.

No debate político que se seguiu, o Governo norueguês declarou que os produtos não poderiam entrar na Noruega devido do acordo de comércio entre a EFTA e Marrocos, porquanto o Sahara Ocidental não faz parte do território marroquino

Alterar as rotas para continuar a pilhagem

Para continuar a contornar as determinações superiores, os operadores dos navios alteraram as rotas optando por seguir por França abandonando as águas territoriais dos países nórdicos.

Mas que fazer quando o tribunal diz o mesmo que a Noruega, ou seja, que o Sahara Ocidental não faz parte do acordo?

A Izquierda Unida Canaria (IUC) solicitou às autoridades competentes a inspeção do "Key Bay", que pretendia chegar ao porto de Las Palmas suspeitando-se que podia transportar recursos do Sahara Ocidental, em especial óleo de peixe numa tentativa de exportação ilegal para a União Europeia (UE).

Ramon Trujillo da IUC, foi alertado para a carga que este navio transportava pela WSRW. No entanto, a Autoridade Portuária de Las Palmas informou que o "Key Bay" é um petroleiro com  bandeira de Gibraltar que geralmente chega ao porto de La Luz, na capital da Gran Canaria, carregado com combustível e “cumpre todos os requisitos legais” para exercer a sua atividade.

Fontes da Autoridade Portuária confirmaram que o navio chegou na altura prevista tendo procedido à descarga do combustível em El Aaiun. E completou a informação anunciando um novo carregamento na capital da Gran Canaria numa operação acompanhada pelo transitário Viking Star, que não fornece informações sobre os seus clientes.

De acordo com a IUC, o navio poderá estar a desrespeitar o recente acórdão do Tribunal de Justiça da UE, que foi claro na proibição de incluir produtos saharauis no acordo de comércio comunitário com Marrocos.

A embarcação chegou a Las Palmas de Gran Canaria depois de carregar o óleo de peixe a 6 de janeiro em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, navegando depois para a Mauritânia de onde partiu para a Europa para que não se soubesse que estava a violar a lei, de acordo com informações prestadas pela WSRW.

Por seu turno, a IUC lembra em comunicado que a exportação de produtos saharauis por Marrocos significa, em conformidade com o direito internacional e a recente decisão europeia, a subtração ilegal de recursos de um território que está sob ocupação ilegítima e por essa razão as autoridades espanholas devem intervir para não permitir que esta situação continue.

Esquerda.net

“Estamos cercados por um muro de indiferença”

Anseiam pela liberdade mas por enquanto enfrentam a discriminação, a violência e a prisão. Lutam por um futuro diferente pautado pela dignidade e pelo respeito dos seus direitos. Sabem que o caminho tem muitos obstáculos mas isso não os faz desistir.

O povo saharaui não suporta mais sofrimento”

É muito duro viver num país ocupado, sofrendo diariamente violações dos direitos humanos, detenções, torturas e maus tratos . Este país está submetido a um bloqueio militar e informativo.

O Sahara Ocidental está sob colonização há 40 anos por causa dos interesses económicos dos países aliados de Marrocos, como a França e Espanha.

Na minha opinião, os meios de comunicação social podiam e deviam ter um papel fundamental para romper este bloqueio informativo e assim mostrar ao mundo o que está a acontecer nesta região do mundo mas esta é uma zona fechada aos jornalistas e aos observadores independentes e somos nós que desempenhamos esse papel e por essa razão somos vítimas da violência das autoridades marroquinas.

Gostaria de pedir às instâncias internacionais que se empenhem mais na resolução deste conflito porque o povo saharaui não suporta mais sofrimento”.  (Ahmed Ettanji, 28 anos, nasceu em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental ocupado)

“Todas as famílias saharauis têm um membro que está preso ou desaparecido”

O que vou contar é tudo aquilo que se passou comigo desde os 7 anos quando andava na escola. Antes de entrar no estabelecimento de ensino obrigavam-nos a cantar o hino nacional marroquino e quando entravámos na sala de aulas o professor  tratava-nos de forma diferente em relação aos meninos marroquinos, porque tinha uma atitude racista em relação a nós. Por causa dessa situação começamos logo em crianças a pensar porque é que existe essa diferença  e aí nascem todas as dúvidas.

Na rua se uma marroquina discute com uma saharaui, a marroquina chama-lhe logo "saharaui, a suja da Polisário". As ruas estão sempre cheias de militares e policias à paisana. A partir daqui vamo-nos apercebendo que a nossa terra está ocupada. Percebes também que todas as famílias saharauis têm um membro da família que está preso ou desaparecido.

Quando passei para a escola secundária as coisas mudaram. Um dia o professor disse-me: "Se faltares à escola, não há problema, eu dou-te na mesma uma boa nota". Mas ele dizia isso para que eu não tivesse estudos e cultura, como fez Hassan II com os saharauis em 1988 e 1989 levando-os para o Norte de Marrocos. Se tivessem estudado, poderiam ter sido engenheiros ou jornalistas, mas Hassan II destruiu-lhes a vida hipotecando-lhes desde muito cedo o futuro.

Esta política é exercida por Marrocos com os saharauis desde que ocupou o Sahara em 1975. Desde essa altura percebemos que Marrocos não quer que os saharauis tenham cultura, nem estudos e nenhum cargo importante na sua terra.

Esta situação manteve-se até 2005, quando não podias dizer que eras saharaui nem mesmo perguntar por algum filho que estivesse preso. A partir desse ano, no entanto, as coisas mudaram e começaram as Intifadas, as manifestações e as concentrações e o regime marroquino teve de se habituar a viver com esta situação.

Eu fui preso conjuntamente com outros jovens seis dias depois da Intifada da Indepedência que ocorreu em maio de 2005. Fomos torturados de uma forma horrível. A mim, partiram-me o braço esquerdo. Nao me prestaram assistência médica. Continuaram a torturar-me de uma forma que não consigo explicar... Fui vendado e algemado, torturaram-me na esquadra. Pedi para me levarem ao médico porque precisava de uma operação, mas não deixaram.

Ainda na esquadra da polícia, continuaram a torturar-me e a interrogar-me. Fui julgado e condenado a quatro anos de prisão. Estive 25 dias na “Carcel Negra” e graças a muitas concentrações e apoios da minha família e do povo em geral, levaram-me para o hospital, onde fui operado para me colocarem uma peça de metal no braço. Passei dois meses no hospital com uma mão engessada e a outra alegamada à cama e por isso não me conseguia mexer.

Ao fim de nove meses de prisão e graças à pressão exercida por várias organizações internacionais que apoiam o povo saharaui, saímos em liberdade.

Desde esse momento vivo permanentemente vigiado e tentam intimidar-me, seja na rua ou no café. A casa da minha família também está vigiada bem como a de todos os meus compatriotas.

A situação mudou e El Aaiun passou a estar cercada, como se fosse uma zona militar. Por este, oeste, sul e norte...enfim em todo o lado. Até em frente às escolas há militares, os meninos de sete anos entram e saem da escola vigiados por militares. (Husein Endour, 37 anos, nasceu na cidade de El Aaiun)

“A colonização serve os interesses de alguns países”

Os meus sentimentos asfixiam-me e a esmagadora maioria das pessoas no meu país está como eu e sente o mesmo. E isso explica bem o domínio que o regime marroquino exerce sobre nós não nos deixando sequer crescer em termos demográficos. Pessoalmente, não sinto ódio nem vontade de vingança contra os marroquinos, mas estou naturalmente contra a ocupação Sahara Ocidental.

Penso que a descolonização ainda não se fez por falta de vontade política da comunidade internacional que não obriga as autoridades marroquinas a ter respeito pela liberdade do nosso povo por causa dos interesses estratégicos e económicos que alguns países membros do Conselho de Segurança da ONU têm com Marrocos.

O papel dos meios de comunicação social é muito importante para dar visibilidade à nossa causa. Se a nível internacional a opinião pública estiver bem informada sobre aquilo se passa terá capacidade para influenciar o curso dos acontecimentos levando a que os Governos dos seus países deixem de apoiar Marrocos. Neste momento, estamos ainda cercados por um muro feito de indiferença.

Sou ativista da causa saharaui e acredito que o futuro será bom se Marrocos cumprir os seus compromissos e deixar o povo decidir livremente através de um referendo justo e transparente.

Em relação à comunidade internacional lamento que ao fim de 26 anos de presença da MINURSO no Sahara Ocidental não se vejam ainda resultados positivos e também por isso os saharauis continuam em sofrimento seja porque muitos são obrigados a viver separados dos seus familiares ou porque se sentem indignados com o roubo dos bens da sua terra. Precisamos de ser respeitados e por isso peço que ajudem este povo que age com princípios. (Amina, 43 anos, nasceu e Ouarzazate e vive em El Aaiun)

“É preciso mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitária marroquina”

A maioria dos marroquinos são utensílios da ocupação marroquina com os civis forçados a estar na linha da frente. Marrocos criou um estado de ódio mútuo entre marroquinos e saharauis

E isto acontece porque a França não tem garantidos os seus objetivos económicos e estratégicos, e também porque o status-quo existente até ao momento define o nosso futuro. Por outro lado, há ainda que ter em conta a falta de seriedade dos membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, mais concretamente o grupo de amigos dos responsáveis máximos da ONU para o Sahara Ocidental.

É bom que se saiba também que a maioria dos órgãos de informação têm medo de mostrar a realidade; daí a proibição de entrada de jornalistas e observadores que não estão comprometidos com a colonização.

A imprensa que não está prisioneira tem ajudado a mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitário marroquina. Assim, precisamos de meios que consigam chegar ao interior dos centros de tortura e às prisões para que as práticas desumanas dos torturadores marroquinos contra os presos políticos saharauis não continuem a ser escondidas.

Em relação ao futuro, penso na paz e liberdade do povo saharaui e ao mesmo tempo na guerra que vai deixar tantos órfãos, viúvas e tragédias para os saharauis e para os marroquinos porque os únicos que tiram proveito desta tragédia são o rei e aqueles que gravitam à sua volta.

Perante a realidade que vivemos, espero que a comunidade internacional e as Nações Unidas façam uma autocrítica sobre a forma como têm tratado a questão do Sahara Ocidental, e não continuem reféns da enganosa publicidade e atitude de Marrocos - falsidades tais como a CORCAS e comités regionais dos " direitos humanos " - e, finalmente, a mentira do investimento e desenvolvimento no Sahara Ocidental. É preciso dizer que estas iniciativas são uma farsa destinada a prolongar a ocupação e a pilhagem dos recursos naturais do povo. (Sidi Mohamed Fadel Bakka, 42 anos, vive em El Aaiun)

Esquerda.net

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