O
Sahara Ocidental está sob ocupação marroquina há mais de 40 anos e as
instâncias internacionais têm adiado a resolução do problema em função de um
labirinto de interesses políticos e económicos que têm impedido a realização de
um referendo que permita ao povo saharaui pronunciar-se sobre o seu futuro.
Dossier organizado por Pedro Ferreira.
Marrocos
e o saque dos recursos do Sahara Ocidental
O
veredito do Tribunal de Justiça da União Europeia de dezembro de 2016 é um
marco na história que o povo saharaui tem empreendido na defesa dos seus
recursos naturais. Mas a pilhagem persiste porque a lei continua a ser violada.
“Quaisquer
que sejam os acordos de associação e liberalização comerciais entre a União
Europeia e Marrocos, não podem incluir o Sahara Ocidental”, determinou o
tribunal, o que representa uma vitória muito importante para os saharuis.
Recorde-se
que o que o Advogado-geral
do Tribunal de Justiça da União Europeia, Melchior Wathelet, já em setembro
passado se tinha pronuniciado no mesmo sentido.
O
Tribunal de Justiça da União Europeia veio assim dar razão a Melchior Wathelet,
anulando o acórdão do Tribunal Geral que tinha decidido em sentido contrário,
negando ainda provimento ao recurso de anulação interposto pela Frente
Polisário contra a decisão do Conselho de celebrar o acordo de liberalização
comercial.
Este
desfechom é uma vitória para os saharauis que a celebraram entusiasticamente,
uma vez que a União Europeia demonstrou que não respeita o Direito
Internacional já que ela própria o violava. Para além de Marrocos, a França
saiu também derrotada, enquanto Espanha é descredibilizada, bem como todos os
Estados membros em especial os que interpuseram recurso.
Relembramos
que em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho da União Europeia interpôs um
recurso contra a sentença emitida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia
que em 10 de Dezembro de 2015 anulou o acordo agrícola entre a UE e Marrocos.
Resta
ainda o Acordo de Pescas firmado entre a União Europeia e Marrocos, que levou a
Frente Polisário pedir igualmente a sua anulação por incluir as águas
territoriais do Sahara Ocidental e cuja sentença deverá ser conhecida nos
próximos meses.
E,
porque a exploração económica tem sido uma poderosa arma que se interpõe entre
o cumprimento da lei e a realização do referendo de autodeterminação dos
saharauis, bastaram apenas alguns dias para que Marrocos desafiasse o Tribunal
de Justiça da União Europeia.
Em
janeiro deste ano,o barco batizado com o nome “Key Bay” entrou no porto de El
Aaiun. Há muitos anos que esta embarcação faz o transporte de peixe e óleo de
peixe desde o Sahara Ocidental até à Europa.
Segundo
a Western Sahara
Resource Watch (WSRW) (link is external)- um observatório
internacional de defesa dos recursos do Sahara Ocidental - , o “Key Bay” fez
escala em Tan Tan uma cidade ao sul de Marrocos, possivelmente para fazer um
carregamento rumando depois até El Aaiun, a capital do Sahara Ocidental, onde
esse trabalho terá terminado.
O
importador destes produtos feitos a partir dos territórios ocupados é
provavelmente a Olvea, uma empresa francesa que se negou a responder a qualquer
pergunta relacionada com este caso.
O
navio em questão é fretado pela Sea Tank Chartering e pertence à empresa Gezina
AS, que são duas empresas norueguesas e o seu envolvimento nestas operações
ilegais já tinha sido denunciado nos órgãos de comunicação social escandinavos.
Na
altura, o navio recolhia os certificados de origem em Tan Tan mas transportava
a mercadoria partir de El Aaiun.
Em
janeiro, enquanto o navio estava ancorado ao largo do porto de El Aaiun, a WSRW
enviou uma carta ao fretador do navio pedindo-lhe para não entrar no porto.
Anteriormente,
mais concretamente a 31 de dezembro, o Comité de Apoio da Noruega ao Sahara
Ocidental enviou uma carta à Sea Tank, pedindo-lhe para não participar nesta
rede de comércio que visa subtrair as riquezas naturais do Sahara Ocidental. A
embarcação dirigiu-se então para sul mas manteve-se na costa marroquina.
Em
2010, o transporte de óleo de peixe para a Noruega foi alvo de um documentário
feito pela cadeia sueca de televisão SVT, tendo recebido um prémio.
No
debate político que se seguiu, o Governo norueguês declarou que os produtos não
poderiam entrar na Noruega devido do acordo de comércio entre a EFTA e
Marrocos, porquanto o Sahara Ocidental não faz parte do território marroquino
Alterar
as rotas para continuar a pilhagem
Para
continuar a contornar as determinações superiores, os operadores dos navios
alteraram as rotas optando por seguir por França abandonando as águas
territoriais dos países nórdicos.
Mas
que fazer quando o tribunal diz o mesmo que a Noruega, ou seja, que o Sahara
Ocidental não faz parte do acordo?
A
Izquierda Unida Canaria (IUC) solicitou às autoridades competentes a inspeção
do "Key Bay", que pretendia chegar ao porto de Las Palmas
suspeitando-se que podia transportar recursos do Sahara Ocidental, em especial
óleo de peixe numa tentativa de exportação ilegal para a União Europeia (UE).
Ramon
Trujillo da IUC, foi alertado para a carga que este navio transportava pela
WSRW. No entanto, a Autoridade Portuária de Las Palmas informou que o "Key
Bay" é um petroleiro com bandeira de Gibraltar que geralmente chega
ao porto de La Luz, na capital da Gran Canaria, carregado com combustível e
“cumpre todos os requisitos legais” para exercer a sua atividade.
Fontes
da Autoridade Portuária confirmaram que o navio chegou na altura prevista tendo
procedido à descarga do combustível em El Aaiun. E completou a informação
anunciando um novo carregamento na capital da Gran Canaria numa operação
acompanhada pelo transitário Viking Star, que não fornece informações sobre os
seus clientes.
De
acordo com a IUC, o navio poderá estar a desrespeitar o recente acórdão do
Tribunal de Justiça da UE, que foi claro na proibição de incluir produtos
saharauis no acordo de comércio comunitário com Marrocos.
A
embarcação chegou a Las Palmas de Gran Canaria depois de carregar o óleo de
peixe a 6 de janeiro em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental, navegando depois
para a Mauritânia de onde partiu para a Europa para que não se soubesse que
estava a violar a lei, de acordo com informações prestadas pela WSRW.
Por
seu turno, a IUC lembra em comunicado que a exportação de produtos saharauis
por Marrocos significa, em conformidade com o direito internacional e a recente
decisão europeia, a subtração ilegal de recursos de um território que está sob
ocupação ilegítima e por essa razão as autoridades espanholas devem intervir
para não permitir que esta situação continue.
Esquerda.net
“Estamos cercados por um muro de indiferença”
“Estamos cercados por um muro de indiferença”
Anseiam
pela liberdade mas por enquanto enfrentam a discriminação, a violência e a
prisão. Lutam por um futuro diferente pautado pela dignidade e pelo respeito
dos seus direitos. Sabem que o caminho tem muitos obstáculos mas isso não os
faz desistir.
O
povo saharaui não suporta mais sofrimento”
É
muito duro viver num país ocupado, sofrendo diariamente violações dos direitos
humanos, detenções, torturas e maus tratos . Este país está submetido a um
bloqueio militar e informativo.
O
Sahara Ocidental está sob colonização há 40 anos por causa dos interesses
económicos dos países aliados de Marrocos, como a França e Espanha.
Na
minha opinião, os meios de comunicação social podiam e deviam ter um papel
fundamental para romper este bloqueio informativo e assim mostrar ao mundo o
que está a acontecer nesta região do mundo mas esta é uma zona fechada aos
jornalistas e aos observadores independentes e somos nós que desempenhamos esse
papel e por essa razão somos vítimas da violência das autoridades marroquinas.
Gostaria
de pedir às instâncias internacionais que se empenhem mais na resolução deste
conflito porque o povo saharaui não suporta mais sofrimento”. (Ahmed
Ettanji, 28 anos, nasceu em El Aaiun, capital do Sahara Ocidental ocupado)
“Todas
as famílias saharauis têm um membro que está preso ou desaparecido”
O
que vou contar é tudo aquilo que se passou comigo desde os 7 anos quando andava
na escola. Antes de entrar no estabelecimento de ensino obrigavam-nos a cantar
o hino nacional marroquino e quando entravámos na sala de aulas o
professor tratava-nos de forma diferente em relação aos meninos
marroquinos, porque tinha uma atitude racista em relação a nós. Por causa dessa
situação começamos logo em crianças a pensar porque é que existe essa
diferença e aí nascem todas as dúvidas.
Na
rua se uma marroquina discute com uma saharaui, a marroquina chama-lhe logo
"saharaui, a suja da Polisário". As ruas estão sempre cheias de
militares e policias à paisana. A partir daqui vamo-nos apercebendo que a nossa
terra está ocupada. Percebes também que todas as famílias saharauis têm um
membro da família que está preso ou desaparecido.
Quando
passei para a escola secundária as coisas mudaram. Um dia o professor disse-me:
"Se faltares à escola, não há problema, eu dou-te na mesma uma boa
nota". Mas ele dizia isso para que eu não tivesse estudos e cultura, como
fez Hassan II com os saharauis em 1988 e 1989 levando-os para o Norte de
Marrocos. Se tivessem estudado, poderiam ter sido engenheiros ou jornalistas,
mas Hassan II destruiu-lhes a vida hipotecando-lhes desde muito cedo o futuro.
Esta
política é exercida por Marrocos com os saharauis desde que ocupou o Sahara em
1975. Desde essa altura percebemos que Marrocos não quer que os saharauis
tenham cultura, nem estudos e nenhum cargo importante na sua terra.
Esta
situação manteve-se até 2005, quando não podias dizer que eras saharaui nem
mesmo perguntar por algum filho que estivesse preso. A partir desse ano, no
entanto, as coisas mudaram e começaram as Intifadas, as manifestações e as
concentrações e o regime marroquino teve de se habituar a viver com esta
situação.
Eu
fui preso conjuntamente com outros jovens seis dias depois da Intifada da
Indepedência que ocorreu em maio de 2005. Fomos torturados de uma forma
horrível. A mim, partiram-me o braço esquerdo. Nao me prestaram assistência
médica. Continuaram a torturar-me de uma forma que não consigo explicar... Fui
vendado e algemado, torturaram-me na esquadra. Pedi para me levarem ao médico
porque precisava de uma operação, mas não deixaram.
Ainda
na esquadra da polícia, continuaram a torturar-me e a interrogar-me. Fui
julgado e condenado a quatro anos de prisão. Estive 25 dias na “Carcel Negra” e
graças a muitas concentrações e apoios da minha família e do povo em geral,
levaram-me para o hospital, onde fui operado para me colocarem uma peça de
metal no braço. Passei dois meses no hospital com uma mão engessada e a outra
alegamada à cama e por isso não me conseguia mexer.
Ao
fim de nove meses de prisão e graças à pressão exercida por várias organizações
internacionais que apoiam o povo saharaui, saímos em liberdade.
Desde
esse momento vivo permanentemente vigiado e tentam intimidar-me, seja na rua ou
no café. A casa da minha família também está vigiada bem como a de todos os
meus compatriotas.
A
situação mudou e El Aaiun passou a estar cercada, como se fosse uma zona
militar. Por este, oeste, sul e norte...enfim em todo o lado. Até em frente às
escolas há militares, os meninos de sete anos entram e saem da escola vigiados
por militares. (Husein Endour, 37 anos, nasceu na cidade de El Aaiun)
“A
colonização serve os interesses de alguns países”
Os
meus sentimentos asfixiam-me e a esmagadora maioria das pessoas no meu país
está como eu e sente o mesmo. E isso explica bem o domínio que o regime
marroquino exerce sobre nós não nos deixando sequer crescer em termos
demográficos. Pessoalmente, não sinto ódio nem vontade de vingança contra os
marroquinos, mas estou naturalmente contra a ocupação Sahara Ocidental.
Penso
que a descolonização ainda não se fez por falta de vontade política da
comunidade internacional que não obriga as autoridades marroquinas a ter
respeito pela liberdade do nosso povo por causa dos interesses estratégicos e
económicos que alguns países membros do Conselho de Segurança da ONU têm com
Marrocos.
O
papel dos meios de comunicação social é muito importante para dar visibilidade
à nossa causa. Se a nível internacional a opinião pública estiver bem informada
sobre aquilo se passa terá capacidade para influenciar o curso dos
acontecimentos levando a que os Governos dos seus países deixem de apoiar
Marrocos. Neste momento, estamos ainda cercados por um muro feito de
indiferença.
Sou
ativista da causa saharaui e acredito que o futuro será bom se Marrocos cumprir
os seus compromissos e deixar o povo decidir livremente através de um referendo
justo e transparente.
Em
relação à comunidade internacional lamento que ao fim de 26 anos de presença da
MINURSO no Sahara Ocidental não se vejam ainda resultados positivos e também
por isso os saharauis continuam em sofrimento seja porque muitos são obrigados
a viver separados dos seus familiares ou porque se sentem indignados com o
roubo dos bens da sua terra. Precisamos de ser respeitados e por isso peço que
ajudem este povo que age com princípios. (Amina, 43 anos, nasceu e
Ouarzazate e vive em El Aaiun)
“É
preciso mostrar o rosto ensanguentado da monarquia totalitária marroquina”
A
maioria dos marroquinos são utensílios da ocupação marroquina com os civis
forçados a estar na linha da frente. Marrocos criou um estado de ódio mútuo
entre marroquinos e saharauis
E
isto acontece porque a França não tem garantidos os seus objetivos económicos e
estratégicos, e também porque o status-quo existente até ao momento
define o nosso futuro. Por outro lado, há ainda que ter em conta a falta de
seriedade dos membros não-permanentes do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, mais concretamente o grupo de amigos dos responsáveis máximos da ONU para
o Sahara Ocidental.
É
bom que se saiba também que a maioria dos órgãos de informação têm medo de
mostrar a realidade; daí a proibição de entrada de jornalistas e observadores
que não estão comprometidos com a colonização.
A
imprensa que não está prisioneira tem ajudado a mostrar o rosto ensanguentado
da monarquia totalitário marroquina. Assim, precisamos de meios que consigam
chegar ao interior dos centros de tortura e às prisões para que as práticas
desumanas dos torturadores marroquinos contra os presos políticos saharauis não
continuem a ser escondidas.
Em
relação ao futuro, penso na paz e liberdade do povo saharaui e ao mesmo tempo
na guerra que vai deixar tantos órfãos, viúvas e tragédias para os saharauis e
para os marroquinos porque os únicos que tiram proveito desta tragédia são o
rei e aqueles que gravitam à sua volta.
Perante
a realidade que vivemos, espero que a comunidade internacional e as Nações
Unidas façam uma autocrítica sobre a forma como têm tratado a questão do Sahara
Ocidental, e não continuem reféns da enganosa publicidade e atitude de Marrocos
- falsidades tais como a CORCAS e comités regionais dos " direitos humanos
" - e, finalmente, a mentira do investimento e desenvolvimento no Sahara
Ocidental. É preciso dizer que estas iniciativas são uma farsa destinada a
prolongar a ocupação e a pilhagem dos recursos naturais do povo. (Sidi Mohamed
Fadel Bakka, 42 anos, vive em El Aaiun)
Esquerda.net
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