Afonso
Camões* - Jornal de Notícias, opinião
Chamemo-lo
pelo nome. Um tipo arrogante, que discrimina com base na nacionalidade, na
raça, na religião, é um tipo execrável. Um tipo assim, legitimamente eleito
chefe da mais poderosa nação, é um pesadelo, a previsão de um Mundo construído
sobre o ressentimento e o medo, o que não queremos, e nem cremos, porque tudo
nos parece ficção. Passaram apenas duas semanas desde a chegada de Donald Trump
à Casa Branca. Na vertigem, o Mundo à nossa volta está como aquele indivíduo
que se precipita, desenfreado e em queda, desde o 33.º andar. Ao passar pelo
11.º, alguém lhe pergunta: "Oi, tudo bem?" Ao que ele responde:
"Até agora ..."
Com
Trump, a relação umbilical de mais de dois séculos de história partilhada com
os europeus não conta para a nova conduta americana, agressiva e intimidatória,
hostil ao livre comércio e alheia aos valores humanistas que estão na base das
democracias de ambas as margens do Atlântico. Isolacionista, a nova política
externa dos Estados Unidos é também contranatura. Porque a América, continente
de todas as imigrações, só foi grande quando se abriu ao Mundo.
A
atual tensão não tem precedentes, e a Europa encontra-se pela primeira vez na
sua história com a estranha inversão da sua aliança com os Estados Unidos: o
aliado que a libertou do nazismo, que a defendeu da ameaça soviética e promoveu
a sua unidade e alargamento, de repente despreza-a, hostiliza-a e quer vê-la
dividida.
O
populismo e a pulsão ultranacionalista de Trump, que governa a golpes de
impulso nas redes sociais, têm discípulos e intérpretes europeus. E, até nisso,
servem o terrorismo que alegam repudiar. Porque também este se alimenta das
desigualdades, do preconceito, do ódio e do fanatismo. Inimigos da liberdade,
interessa-lhes que voltemos a fechar fronteiras, destruamos a livre circulação,
endureçamos as políticas de imigração, e que demos rédea solta à xenofobia. O
delírio totalitário de Trump parece ficção, mas tem fiéis em governos e
oposições de diversos países da União Europeia. Victor Orbán, na Hungria, ou
Jaroslaw Kaczynsky, na Polónia, não propugnam coisas muito distintas. Uns e outros
são o partido da guerra. Não podemos ceder-lhes! A começar pelos que nos estão
mais próximos. A resposta dos cidadãos europeus só pode estar na defesa de uma
Europa mais unida e solidária, que regresse à trincheira dos seus valores
fundacionais. Quando passam, em breve, 60 anos do Tratado de Roma, eis o que
devemos exigir dos nossos líderes. É agora ou... quando?
*Diretor
JN
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