Para
sua majestade o rei de Angola, José Eduardo dos Santos, “jornalista” bom, e que
quer continuar vivo, é aquele que não viu nada, nada ouviu e que faz tudo para
agradar ao regime de quem, aliás, recebe benesses. O mais recente paradigma
desta tese chama-se Paulo Catarro.
Orlando
Castro*
Paulo
Catarro deixou a RTP ao fim de 27 anos ao serviço da estação pública
portuguesa. A sua decisão, disse, foi “muito ponderada”. Foi correspondente da
RTP em Angola desde 2009. Pouco tempo depois converteu-se profissionalmente ao
MPLA, foi-lhe retirada a coluna vertebral e atestada a conta bancária. Hoje é
assessor da maior empresa do regime, a Sonangol.
Recordo
o que escrevi em 25 de Setembro de 2011. Nesse dia afirmei que o correspondente
da televisão pública portuguesa (RTP) em Angola, Paulo Catarro, não colocou no
ar as imagens mais expressivas (do ponto de vista jornalístico) da manifestação
de hoje na capital do reino de José Eduardo dos Santos.
Tratou-se
de um legítimo direito editorial? Com certeza que sim. Pena é que esse direito
tenha sido exercido depois de um – presumo que ameno – diálogo com Gonçalves
Inhajika, assessor de Eduardo dos Santos.
Embora
possa tratar-se, parafraseando um velho amigo português de Eduardo dos Santos,
de seu nome José Sócrates, de uma campanha negra contra Paulo Catarro, o
correspondente da RTP tem a reputação de ser simpático com a causa do regime
angolano. Relembro. Isto foi o que escrevi em Setembro de 2011.
Conta-se
em Luanda (continuo a recordar esse escrito de 2011) que Paulo Catarro foi um
dos agredidos na manifestação do dia 3 Setembro, embora na reportagem então
enviada nada tenha dito sobre isso.
Dias
depois circularam em Luanda rumores nunca desmentidos insinuando que teria
recebido alguma recompensa por parte das autoridades angolanas. O último
capítulo foi agora escrito. Paulo Catarro, enquanto suposto jornalista, nunca
foi sério e as suas tentativas para parecer sério foram sempre efémeras.
Seja
como for, e é sempre como o regime quer, o MPLA continua a escolher bem, muito
bem, quem quer em Angola. Está no poder desde 1975 e, por isso, confunde país
com partido, partido com Estado, Estado com a família Eduardo dos Santos.
Quem
no dia 7 de Março de 2011, a propósito da (não) manifestação contra o regime de
José Eduardo dos Santos (o tal presidente da República que, apesar de nunca ter
sido nominalmente eleito, está no poder há 38 anos) viu o noticiário da RTP e
da SIC ficou a saber o que é propaganda e o que se aproxima do Jornalismo.
A
televisão oficial do regime português (seja ele socialista, social-democrata ou
democrata-cristão) fez, e muito bem, um exercício de pura propaganda e de
bajulação ao regime angolano. Já a SIC andou muito perto do que é o Jornalismo
sério e objectivo.
“A
RTP, que é sumptuosamente sustentada pelo dinheiro dos contribuintes
portugueses, deverá ter igualado o trabalho da sua congénere angolana, sendo de
prever que o seu “jornalista” residente, Paulo Catarro, venha a ser condecorado
pelo regime de Eduardo dos Santos”, escrevi nesse longínquo 25 de Setembro de
2011. Não foi ainda condecorado (sê-lo-á, com certeza, em breve), mas teve a
choruda recompensa ao entrar para essa máquina de fazer, e roubar, dinheiro do
Povo e que dá pelo nome de Sonangol.
O
regime angolano, com a cobertura de muitos países da comunidade internacional,
incluindo Portugal, dá-se ao luxo de impedir a entrada de jornalistas que não
lhe garantam fidelidade, bem como de escolher os que – dentro da fidelidade –
mais caninos são. Paulo Catarro, está agora provado o que escrevemos em 2011, é
um belo exemplar desses cães de fila.
A
RTP esteve, está e estará, aliás, a seguir a sua tradição. Recordo-me que Luís
Castro, outro jornalista da televisão pública portuguesa, esteve em Setembro de
2008 como enviado especial em Luanda, e de lá falou como se Angola fosse apenas
o que o regime quer que se julgue que é.
Nessa
altura, tal como depois Paulo Catarro, descobriu – o que só revela um aturado
trabalho jornalístico – que, entre outras pérolas, “Há muito para contar”, que
“Angola está em obras”, que os “Maiores bancos portugueses estão em Angola e
têm lucros significativos”, que “Milhares de portugueses procuram oportunidades
em Angola” e que “Estas são as primeiras eleições em 16 anos”.
Certamente
por deficiência minha, nunca vi Luís Castro ou Paulo Catarro dizer ao mundo que
mais de 68% da população angolana vive em pobreza extrema e que a taxa estimada
de analfabetismo é de 58%.
Certamente
por deficiência minha, nunca os vi dizer ao mundo que mais de 90% da riqueza
nacional privada foi subtraída do erário público e está concentrada em menos de
0,5% da população.
Certamente
por deficiência minha, nunca os vi dizer ao mundo que a dependência
sócio-económica a favores, privilégios e bens, é o método utilizado pelo MPLA
para amordaçar os angolanos.
Certamente
por deficiência minha, nunca os vi dizer ao mundo que o silêncio de muitos, ou
omissão, se deve à coacção e às ameaças do partido que está no poder desde 1975.
Certamente
por deficiência minha, nunca os vi dizer ao mundo que Angola é um dos países
maus corruptos do mundo e que tem a maior taxa de mortalidade infantil do mundo.
Certamente
por deficiência minha, nunca os vi dizer ao mundo nada de substancialmente
diferente do que o apresentado pelo Jornal de Angola, pela TPA ou pela RNA.
“Está
portanto na altura de, como certamente fará o regime angolano, Portugal também
condecorar estes profissionais pelos altos serviços prestados aos regimes
irmãos de Angola e de Portugal”, dizia eu a terminar esse artigo escrito em
Setembro de 2011.
Angola
já fez 50% do que se esperava. Deu-lhe um tacho na Sonangol pelos altos
serviços prestados ao MPLA. Só fica a faltar a condecoração.
Se
ainda estivesse Miguel Relvas no governo e Paulo Catarro já teria sido
condecorado por Portugal. Mas os serviços prestados à causa pelo ex-correspondente
da RTP serão, creio, recompensados em breve.
*Orlando
Castro é diretor-adjunto do Folha 8
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